terça-feira, 21 de agosto de 2018

Olheiras de sempre ou Como uma árvore

Eu mudei muito e também mudei muito pouco nos meus 46 anos de vida. 
Sempre tive olheiras, e acho que elas só aumentaram no decorrer do tempo. Não chega a lembrar Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, mas elas lá estão, mal disfarçadas hoje pelo corretivo laranja. 
Com ar de enfezada continuo eu. Não sei evitar espasmos faciais diante do que me desagrada, sobretudo a injustiça e suas variações - covardia, escrotice, violência. Continuo, como disse uma prima, sendo uma pessoa positiva, embora mais cansada. 
Embora não me ache uma brigona por esporte, cansei de tretar, mas sei que não é exclusividade minha: a idade traz essa "sabedoria". Prefiro deixar o salão a continuar discutindo.
Estou mais aberta a mudar de opinião, mas não a mudar de valores - isto talvez nunca mude. 
Cansei de correr. Nas corridas de infância, sempre perdia um dente ou ganhava uma cicatriz. Só quando parei de correr por tudo passei a ouvir minha voz interior. Pode parecer estranho, porque sempre fiz o que quis fazer, ou acreditava querer fazer - isso não seria ouvir "a própria voz"?. Depois, porém, descobri que, sob várias camadas, minhas pretensões eram muito mais modestas, artísticas, ecológicas. Prossigo não sendo uma pessoa competitiva, de qualquer modo, ainda que me bata muitas vezes comigo mesma. 
Tenho um quê pragmático, que cultivo. Acho bom. Mesmo com o lado canceriano fazendo drama, procuro não sofrer [muito] com o que não tem jeito. Deve ter uma influência oriental esse olhar para o presente, e agradeço aos ancestrais por isso. 
Hoje respiro melhor que antes. Tenho maior consciência corporal. Valorizo o que ganho, agradeço por tudo. Evito ruminar/reclamar muito, até porque a reclamação é mais hábito/pensamento que verdade/ação. 
Aprendi a resetar sempre que necessário. Tem a ver com respirar melhor - lembro-me de respirar fundo e isso me faz me readequar à situação. Técnica de sobrevivência + paz de espírito.
Mudei tanto quanto uma árvore pode mudar. Sempre diferente a cada época, ela mostra-nos sempre o que nasceu para ser - árvore.
Com mais sardas, olhos mais fundos, fios de cabelos brancos, uns quilos a mais, sigo sendo o que nasci para ser: contadora de histórias/bordadeira/padeira/ciclista/viajante/educadora/cantora de karaokê. Isso porque sou gente. Se sou uma árvore, simplesmente uma quaresmeira.

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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