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quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Na guerra contras as identidades, a maioria perde

Um dos efeitos indesejados do sucesso do filme Ainda estou aqui, de Walter Salles Jr., foi evidenciar ainda mais o ataque contra as pautas identitárias. Em meio à premiação de Fernanda Torres como melhor atriz de drama no Globo de Ouro (com direito a aplausos entusiasmados e em pé de Tilda Swinton), houve comentários negativos, inclusive do Chavoso da USP, sobre o valor do filme, já que retrata pessoas brancas, de classe média alta, enquanto pessoas negras sofrem o terror todo dia, até hoje. 
Como discordar dessa constatação, de que pessoas pobres e negras sofrem muito mais que pessoas brancas e com mais recursos? O problema é encampar a luta por quem sofre mais em vez de se unirem todos contra o opressor comum - capitalismo, patriarcado, a zorra toda. Cujos líderes seguem felizes enquanto nos atacamos uns aos outros. A iniquidade não vai acabar com lutas internas. E ainda mais quando pessoas da própria esquerda ou minimamente mais liberais veem as pautas alheias como frescura. Vejo isso no meu círculo, e sinto uma tristeza enorme, mas também uma preguiça de debater. É nesse desencontro que a extrema direita se fortalece, e as desigualdades sociais seguem cristalizadas.
Até o fato de Walter Salles Jr. ser rico serviu de argumento demeritório. Mas que bom que ele resolveu empregar o dinheiro dele (não, ele não usou a Lei Rouanet) para produzir um filme com ESSA história, sobre AQUELE período. E que valor imenso teve Eunice Paiva, para além de esposa do ex-deputado Rubens Paiva, na constituição da Comissão da Verdade para apuração das mortes dos desaparecidos políticos e também junto aos povos indígenas. Que bom que as lutas que escolheram foram pela maioria da população, e não somente pelos integrantes de seus quadrados. Se negassem as existências, as identidades alheias - as ALTERIDADES -, perderíamos muito mais e nem nos daríamos conta.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Toda vez que a adulta balança a menina me dá a mão

Era pra ser uma viagem a dois, nossa última e única semana de férias do ano. Mas acabei indo sozinha a Lençóis para não perder nem o dinheiro já transferido para a pousada nem a oportunidade de descansar alguns dias das tarefas domésticas.
Mesmo gastando mais do que pretendia, foi ótimo para arejar a mente, ver outras paisagens, viver outras experiências. Foi também uma forma de me lembrar das coisas que são essenciais para mim, como viajar. Porque no dia a dia, cedendo aqui e ali o tempo todo, vamos nos esquecendo de quem somos, do que nos constitui. Na solidão, voltamos a nos enxergar, a ouvir a voz interior.
Talvez, se soubesse que iria sozinha, eu não teria ido a Lençóis, lugar de trilhas e mais trilhas. Não tenho muita destreza com a natureza selvagem, sobretudo com tantas pedras, subidas e descidas. Tenho ainda algum temor de escorregar nas pedras molhadas, de entrar em águas escuras como as das cachoeiras locais. Com a idade, e depois de um acidente durante o rafting, assumi que não sei nadar. Mas, ao fim e ao cabo, ter ido a Lençóis acabou sendo bem desafiador, exigiu de mim me manter no presente constantemente, sem tempo para elucubrações mentais.
Nisso resultou a playlist que trouxe "Bola de meia, bola de gude", do Milton, e a lembrança da criança interior que nos traz de volta a quem somos. Também trouxe a visita à Serra das Paridas, sítio arqueológico pouco conhecido que nos dá um gostinho da pintura rupestre brasileira; a descida de 60 m até a Cachoeira do Mosquito com direito a perninhas moles e a almoço com a beterraba mais doce da vida na Fazenda Santo Antonio; a visita, por fim, ao Cozinha Aberta, restaurante slow food no centrinho, onde almocei duas vezes (roupa velha de carne de sol com arroz vermelho, purê de banana com gengibre, saladinha e farofa; nhoque de batata-doce com pesto de manjericão e castanhas); pousada roots com anfitriões adoráveis (Cris, Everaldo e Hortência); solados descolados (literalmente) de papete e bota, remediados pelos guias locais ali na hora; jantar no Sabor da Serra, uma deliciosa e inesperada combinação de grão de bico com shimeji e molho de castanhas, acompanhada de salada e arroz com brócolis e uma kombucha local; pets e não pets adoráveis em toda parte; prova de fogo na Cachoeira do Sossego, uma trilha de 18 km totais com muita, muita, muita pedra e subidas e descidas sem fim, acompanhada de colegas jovens e fofos (que me deram a mão e tiraram fotos lindas por mim) e seguida de um banho maravilhoso, com colete salva-vidas emprestado, no poço de 6 m de profundidade; fisgada no joelho logo no início da trilha; banho no Ribeirão de Cima, uma jacuzzi natural e refrescante; rolezinho básico ao Serrano, com os joelhos e as panturrilhas prejudicados da trilha anterior; ceviche mais para tartar no Tomatito; descoberta da Bavarois, padaria-hamburgueria-sorveteria com dona pouco simpática mas bons pães e sonho com falso creme de confeiteiro (com leite condensado, argh); compras de produtos locais: banana-passa, café, sabonete, argila. 
Nesses poucos dias, enchi os olhos de montanhas e nuvens, evitei os doces e as massas, e me senti muito bem. Fiquei um pouco decepcionada com meu condicionamento físico, que eu julgava melhor. Acho que vou perder pelo menos uma unha do pé, contundida na trilha do Sossego. Mas volto mais viva, de mãos dadas com minha menina interior.
 
 

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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