quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Eu sei que pelo menos isso é verdade

Revi semana passada a excelente I know this much is true, série da HBO estrelada por Mark Ruffalo, que vive de maneira emocionante irmãos gêmeos, um esquizofrênico e o outro "normal". Tinha me chamado a atenção que o nome da série e do livro fosse igual ao refrão da canção True, do Spandau Ballet. Seria coincidência? Desta vez, assisti à série com atenção de quem testemunha, e acabei descobrindo também que a canção parece falar de alguém que está fora da realidade, como Thomas, o gêmeo esquizofrênico.
Estamos vivendo uma época tão extrema em tantos aspectos que a saúde mental de qualquer um pode se deteriorar. Tanto pode acontecer de alguém externar sua violência contra o outro, conhecido ou não, quanto uma pessoa pode ser dominada por paranoias. O que provoca tudo isso? Excesso de informação (mas pouco conhecimento), má alimentação, uso de remédios, hormônios descontrolados? A solidão das cidades, o ultracapitalismo que provoca frustração perene, a polarização política? O sonho do amor romântico destruído? Qual o gatilho? Pode ser simplesmente uma forte luz solar sobre os olhos - nestes tempos de aquecimento global, o que mais teria feito Meursault? Só sei que temos vivido mal, muito mal. 
Tantos queridos têm queixas de problemas financeiros e/ou de saúde, sua ou de outrem, muitas vezes saúde mental, especialmente depressão. Mas também de doenças sem diagnóstico, e também paranoia e esquizofrenia. Às vezes, acho que acabaremos todos enlouquecidos, porque estes tempos não são fáceis pra ninguém. 
E tanto pior fica o quadro com a falta de compaixão com quem precisa de ajuda real. Ninguém é obrigado a ajudar ninguém, sobretudo se não é da sua família (nuclear, de preferência, como frisaram para mim outro dia). Mas é nisso que reside a compaixão, em não precisar ajudar e mesmo assim fazê-lo (que melhor exemplo que o do padre Júlio Lancellotti na cracolândia de São Paulo?). Talvez seja até mais fácil ajudar para quem não tem obrigações morais familiares - vemos o peso que sente Dominick, o gêmeo normal, em ter a vida inteira o samba atravessado por Thomas. Apesar dos pesares, Dominick consegue ter uma vida, casou-se, separou-se, fez faculdade. Talvez se fossem mulheres gêmeas, a coisa fosse um pouco diferente - sim, não consigo deixar de pensar na (maldita) herança cuidadora que se abate sobre as mulheres, mas isso é só mais um comentário no meio desse mar de incompreensões, do outro e de si. 
Como somos frágeis! Essa é a única verdade a que consigo chegar. 

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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