segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Nossos ídolos ainda são os mesmos?

Nos últimos tempos, vi três filmes de puro entretenimento que trazem ícones de infância e juventude atualizados, mais politicamente corretos, antenados com as questões prementes da sociedade. Indiana Jones, Barbie e Asterix tratam agora de etarismo, machismo e intolerância contra os imigrantes. 
Indiana Jones foi um ícone na minha infância e adolescência. Afinal, era um arqueólogo, tudo bem que usando meios escusos (qual arqueólogo nunca?) para obter artefatos antigos, a maioria com poderes mágicos. 
Asterix entrou na minha vida bem tarde, pra dizer a verdade. Embora eu já conhecesse as personagens, não tinha acesso fácil às BD. No colégio, um amigo que colecionava de tudo é quem me emprestou alguns exemplares - de Asterix, e também de Groo, Sandman, mangás. Na época da Alliance Française pude me esbaldar, porque a biblioteca era absolutamente maravilhosa, recheada de BD, e os franceses são especialistas em quadrinhos de cunho histórico, como a série mais recente Les sept vies de l'épervier, muito boa também. 
Barbie nunca fez parte da minha infância - eu tive uma Susie (único brinquedo que ganhei de meu pai, num arroubo de generosidade dele), e talvez já fosse meio grandinha quando Barbie virou objeto de desejo no Brasil. Mesmo sabendo da influência da cultura ianque representada na boneca loira sobre as meninas do mundo todo que depois se tornariam, muitas delas, mulheres buscando um padrão inalcançável, agora alimentado por modelos que reproduzem o padrão Barbie, mesmo assim fui ver o filme. E amei, ri muito, achei uma grande sacada da própria empresa desconstruir a si mesma, claro que de olho nos milhões perdidos com a decadência da imagem da boneca, em descompasso com as mulheres de hoje. Curti demais a multidão de mulheres de todas as idades indo ver o filme. Margot Robbie e Ryan Gosling estão maravilhosos - quando eu soube que Gosling ia fazer um filme da Barbie, fiquei chocada, mas agora entendo o porquê da escolha. 
Assim como acontece em Barbie, Indiana e Asterix voltaram repaginados em Indiana Jones e o chamado do destino e Asterix e Obelix: o Reino do Meio. Se Barbie trouxe as discussões antipatriarcado e seus efeitos nefastos sobre a autoimagem feminina às claras, Indiana voltou como o herói envelhecido, afrontando o etarismo sem negar o envelhecimento natural de todos (Harrison Ford com seus 80 anos quis mostrar tudo isso) e entregando um final emocionante, com direito a encontro com Arquimedes e com um grande amor (sem falar na participação luxuosa de Phoebe Waller-Bridge, que preenche todos os espaços da aventura, a danada). Já Asterix ganha um dos filmes mais engraçados que já vi na vida, uma adaptação perfeita dos quadrinhos sem ser caricato - Obelix escancara a típica fofura na pele de Gilles Lelouche, os engraçadíssimos José Garcia e Ramzy Bedia vivem, respectivamente, o biógrafo de César (impagável Vincent Cassel) e um mercador árabe -, trazendo à tona, em meio ao humor, a questão urgentíssima dos imigrantes na Europa e no mundo. 
Até mesmo para os heróis da ficção, é preciso estar atento, forte e atualizado para não ser passado para trás. 

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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