domingo, 10 de março de 2024

Os macho pira, e a gente caminha

No último 8M, saí para cortar as madeixas. Já tinha visto várias mensagens lindas sobre o Dia Internacional das Mulheres, especialmente de mulheres, obviamente - dos homens, normalmente, aquele "vocês são fortes mas delicadas, embelezam o mundo, tome uma flor" blábláblá. Daí, o motorista de Uber, que vinha bem na conversa, falando dos malês, da Maria Quitéria, do Dois de Julho, de racismo, de como a educação para mais pessoas possibilitou que os jovens negros ocupem mais espaços etc., me solta essa quando já tínhamos chegado ao shopping: "Feliz dia da mulher! Mas esse empoderamento feminino, na verdade, está acabando com os relacionamentos". Deve ter sido o meu choque que me fez demorar uns segundos a mais no banco do carro ou foi porque o homem se transformou numa metralhadora e acabei perdendo mais de cinco minutos com o discurso de macho ferido, casado há 29 anos, que não entende por que a esposa ainda está insatisfeita se ele, tão disposto a ajudar, assumiu o "papel" que era dela e ficou em casa para ela trabalhar. Só sei que nesse bololô entraram Anitta e Beyoncé, que pregam empoderamento mas "não se dão o respeito", e golpes em aplicativos de relacionamento contra os pobres machos fragilizados por nosso empoderamento. Apesar do choque, fui abrindo a porta do carro e, pezinho já para fora, disse a ele que essa conversa era longuíssima, que ele e esposa deviam fazer terapia, rever combinados porque não existe essa de "papéis" de cada um mas sim papéis que são dos dois, mas que ele devia saber, na verdade, que "as mulheres estão exaustas". Ainda desejei sorte, embora imagine que a esposa está mais para futura ex que qualquer outra coisa - e espero que ele aceite isso sem violência, e que isso o faça refletir sobre a própria postura e entendimento da vida e do mundo.
Impressionante como os homens ainda tentam nos culpar pelo fracasso do modelo patriarcal! É porque não queremos mais esse modelo que eles estão infelizes - ou seja, se alguém tem que ficar infeliz, que sejamos nós, mulheres. Só quem sentiu a infelicidade bloqueando qualquer possibilidade de existir, de respirar pode se colocar contra esse tipo de situação. 
Comentei com minha cabeleireira, assim que cheguei ao salão, sobre o episódio. E ela disse que, mesmo sem conhecer a esposa do motorista, não poderia jamais lhe dar razão, só poderia ficar ao lado dela. Achei de uma beleza reconfortante essa fala. A luta é de todas nós, sempre, todo dia, inclusive contra o machismo de mulheres. E então revi, entre as postagens do 8M, a imagem histórica de Rose Zehner organizando as operárias na fábrica da Citroën, na França, em 1938, registrada por Willy Ronis e só publicada nos anos 1980. E me vieram ao coração tantas mulheres que engrossaram as fileiras nas últimas décadas que o desenho saiu fácil, representando latinas, negras, palestinas, indígenas, orientais, trans, mulheres de todo tipo e de todo canto. Todas no mesmo caminho contra a opressão, porque a nossa natureza é a liberdade, e só podemos ser livres de fato se todas forem. 

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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