segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Desenredes sociais

Todo mundo comentando e por fim assistimos a O dilema das redes, documentário da Netflix com entrevistas de ex-diretores e ex-criadores de conteúdo das principais redes sociais no mundo - Google, Facebook, Twitter, YouTube, WhatsApp etc. Na verdade, mais interessante do que eu esperava. Repleto de informações impactantes sobre o poder que essas redes têm de nos manipular o tempo todo, conduzindo o nosso consumo e nossa forma de pensar e agir. 
Tínhamos já assistido há algum tempo Brexit, o filme com Bennedict Cumberbatch no papel de Dominic Cummings, estrategista político responsável pela formação/manipulação de eleitores na Grã-Bretanha quanto ao assunto da permanência ou não do Reino Unido na União Europeia. Assustadoramente esclarecedor. Talvez por isso não me impressionei muito quando li os comentários sobre O dilema das redes - toda a manipulação cibernética já tinha sido escancarada nos algoritmos que levaram não só à aprovação do Brexit como à eleição de personagens nefastas como Trump e Bolsonaro. 
De qualquer modo, o documentário da Netflix traz algumas novidades ao cenário aterrorizante: o fato de a inteligência artificial ter um comportamento próprio que pode levar a resultados imprevisíveis no que tange à manipulação de milhões de pessoas e essa mesma aleatoriedade ser o que dita nosso padrão de comportamento e consumo. Eu concordo com parte disso - realmente, o que vemos na tela do computador, ou do celular, nos leva a consumir mais; desde que começou a pandemia, por exemplo, meu consumo pela internet aumentou muito, e houve muitos momentos em que pensei por que havia mesmo comprado aquelas coisas. Meu freio foi a incerteza quanto ao futuro. Também assistimos diariamente à proliferação das notícias sem autoria que pululam em grupos de WhatsApp e canais do YouTube, levando a desinformação a níveis exponenciais, replicada por pessoas mais ou menos próximas. 
Contudo, entretanto, todavia, acho que esse discurso propalado no documentário também acaba perigosamente isentando da crítica a ação humana que gerou tudo isso. Fica parecendo que ninguém pode controlar as máquinas, que houve uma total perda de controle e nada pode ser feito. Não creio que seja totalmente assim - se houvesse interesse de fato dos que lucram bilhões com essa manipulação algum tipo de freio já teria sido aplicado, e não apenas essas falas insossas sobre controle de fake news. 
Sim, as perspectivas são sombrias, com todo esse ódio crescente no mundo, mas não dá para só lamentarmos o monstro que foi criado e não fazer nada a respeito em nível global, nos limitando a desligar o celular das crianças. Será preciso romper as bolhas e se manifestar na vida real, abertamente, politicamente, para que alguma mudança efetiva aconteça. 

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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