No filme Eu maior, a Monja Coen fala de quando conseguiu ver sua vida como uma tapeçaria até aquele momento, e como percebeu o quão era responsável pela sua tessitura contínua dali em diante. Eu gosto muito da imagem do tecer, especialmente porque ela remete à ideia de ligação, relação, como bem lembrou minha amiga Cely, referindo-se aos galos tecendo as manhãs nossas e de João Cabral (e por isso gostei tanto de um texto na Revista Bula sobre os galos que acordam coisas dentro de nós, clara e bela referência ao mestre pernambucano).
As tessituras me encantam e entontecem - são parte dos milagres diários pra mim, sincronicidades segundo a psicologia analítica. Hoje, ao ouvir e curtir uma música (o post anterior, "Soltarlo", da colombiana Claudia Gómez) que o Josafá Crisóstomo também curtiu, da newsletter de outro blogueiro que adoro, o Alessandro Martins, este me convidou a assinar a newsletter; quando aceitei, veio a sugestão de eu ler um livro de uma parceira dele, Paula Abreu. Escolha sua vida, era o título desafiador.
Como ando topando desafios e querendo conhecer histórias motivacionais, topei. E gostei muito. Me identifiquei bastante com a experiência da autora, e li frases que andei dizendo pra quem quisesse ouvir nos últimos tempos, sobre a resposta do universo (não postei aqui, outro dia, sobre minha mudança, trabalhos novos e tal?), liberdade, consciência e responsabilidade. O livro da Paula não é simples autoajuda, é um depoimento (não um guia) de como ela mudou sua própria vida, quando teve um clique num momento crítico. Bom seria se a gente tivesse o tal clique antes de a coisa ficar feia, quando já tivesse dado ouvidos aos primeiros sinais da intuição. Mas é difícil não ceder aos costumes arraigados, ao comodismo e à dúvida cruel: será que mereço, será que consigo, será que posso?
Eu gostei sobretudo de saber que não sou uma maluca sozinha no mundo, como tantas vezes querem me fazer crer. Não que considere os outros modos de viver errados, longe disso, mas o meu é ideal para mim. Do mesmo modo que não julgo quem fume unzinho pra se divertir, quero não ser julgada por não ter necessidade de fumar unzinho pra isso. E mesmo procurando ser tolerante com as verdades alheias sei bem como é ser acusada de ser a dona da verdade - eu sou sim: da minha verdade, da que me cabe, onde cabe minha alma, e que pode inclusive mudar a qualquer momento, junto comigo (e OK, estou aprendendo a não querer resolver as coisas pelos outros, já vi que não ajuda nada). Quando alguém muda, incomoda os que não querem mudar, como se fossem alvo de uma acusação. Mas, como diz a autora, "não é você, sou eu".
Já cheguei a pensar que estava errada por não ter apenas um único objetivo na vida ou "o" lugar no mundo, por gostar de tantas coisas, por querer ver tantos lugares, por não querer ter um carrão, por privilegiar o tempo presente, por no fundo querer uma vida mais simples, criativa. Aí a Paula disse algo de que também gostei: sobre os espíritos renascentistas. Segundo ela, nenhum problema em ser assim, mas ter mais foco é bom para ser mais feliz (não para agradar os outros). E isso me fez pensar em coisas que já havia dito sobre a liberdade, inclusive reafirmando-as:
1. ser livre é exercer o ser quem você é, independentemente das convenções alheias
2. para ser livre é preciso ser muito responsável, porque liberdade pressupõe escolhas
3. quem é livre é, portanto, naturalmente sério, mas não sisudo - por que seria, se liberdade traz contentamento?
4. aliás, seriedade nunca foi sinônimo de sisudez
5. ser livre de fato é ser, não estar - não vamos confundir liberdade pessoal e plena com eventos esporádicos (tipo tirar a desforra, literalmente ser alforriado de vez em quando por um feitor invisível, em meio a uma vida infeliz)
6. ser livre não quer dizer ser feliz sempre, até porque a felicidade, essa sim, é episódica - mas dificilmente uma pessoa não livre é feliz de fato
A descoberta desse livro por mim e para mim se soma à do site da Gisela Rao, sobre autoconhecimento e autoestima, ótimo, divertido, recomendado pela minha amiga Marisa. Tanto a Gisela quanto a Paula se entrelaçam na tarefa que realizam com prazer de ajudar os outros, e de serem gratas por terem sido ajudadas por umas tantas pessoas no caminho. Tudo porque ambas se colocaram em movimento na direção da transformação pessoal, que levou em conta a essência de cada uma, as idiossincrasias e medos a vencer de cada uma.
E é assim. Cada pessoa tece sua vida, sua manhã, mas volta e meia reconhecemos na nossa tapeçaria um pontinho, um presente deixado por um passante-bordador-da-própria-vida. E a cantoria dos galos cresce, e cresce, uma lindeza.
Outro dia fiz este diagrama pra entender as mil percepções que estava tendo. Não é que começou a desenrolar a maçaroca?
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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
terça-feira, 3 de dezembro de 2013
Vida funcional
Por caminhos que a gente nem entende à primeira vista, acaba optando por coisas de mesma natureza, que têm a ver com nossa vida, nosso jeito, naquele momento.
Tudo isso me fez pensar que agora quero uma vida mais funcional. Nem sei se o termo se aplica, mas penso que querer viver com menos estresse, menos consumo e até menos comodidade (hoje pra mim quase sinônimo de comodismo), mais perto de uma área verde justifica a apropriação. E aí a tal voz interior que anda dando palpite em tudo até cantarolou pra mim o que me parece ser a música-tema de uma vida funcional: "Só quero saber do que pode dar certo/Não tenho tempo a perder". Poderia ser "Tocando em frente", do Renato Teixeira? Também! Um compacto duplo, por que não? Uma energia diferente para cada momento, porque não somos os mesmos o tempo todo (sorry, Belchior).
Eu ando numa fase "funcional". Senti necessidade de trocar meu treino de musculação comum (que não curto mesmo, só faço porque é necessário, e olhe lá) por um funcional. Alguma semelhança com pilates, mas mais incorporado ao dia a dia, melhorando a performance corporal em atividades comuns (essa é, pelo menos, a promessa geral). Achei mais interessante usar elásticos, faixas, bola, o peso do corpo do que os chatíssimos e disputados aparelhos, até porque boa parte desse treino pode ser feito fora da academia, com as adaptações necessárias.
Aí uma amiga me mandou a programação de um curso que achei muito bacana: culinária funcional harmonizada com chás. Me identifiquei na hora, até porque já faz um tempo me interesso pelas funções de alguns alimentos na melhora da saúde.
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terça-feira, 26 de novembro de 2013
quinta-feira, 29 de agosto de 2013
Che non posso più!
Assisti de novo a Noites de Cabíria do Fellini. Acho Giulieta Massina uma fofa, algo entre o clown e a moça ingênua que se acha muito esperta. Me lembra Esperando Godot, de alguma forma, mas não deve ser por acaso, já que Fellini é tão teatral. E a língua italiana ajuda a derreter de vez o coração quando, no momento de maior desespero, enganada pela centésima vez e prostrada no chão, Cabíria pede ao falso noivo que a mate: "Che non posso più!"
E no entanto (aqui diferente de Godot) ela desfila em meio aos músicos e jovens que encontra no caminho, o coração se enchendo novamente de esperança quando uma moça lhe sorri e diz: "Buona sera!"
Essa moça que sorri é um desses anjos que surgem na forma de desconhecidos. Só para dizer: aguenta mais um pouco, as coisas vão melhorar.
Eu acredito nisso. Ancora.
E no entanto (aqui diferente de Godot) ela desfila em meio aos músicos e jovens que encontra no caminho, o coração se enchendo novamente de esperança quando uma moça lhe sorri e diz: "Buona sera!"
Essa moça que sorri é um desses anjos que surgem na forma de desconhecidos. Só para dizer: aguenta mais um pouco, as coisas vão melhorar.
Eu acredito nisso. Ancora.
sexta-feira, 18 de janeiro de 2013
Pertencimento
Com essa história do sumiê retornam as questões de pertencimento. Quando vou à Liberdade (como hoje, quando fui à Livraria Sol para comprar um pincel), sempre tenho a sensação de fazer parte daquele universo oriental. Puxo papo com as vendedoras, senhorinhas japonesas que lembram minha mãe, e tenho certeza de que elas não entendem meu olhar enternecido. Mesmo sem falar japonês, sem partilhar de todos os costumes, uma centelha de mim reacende quando boto os pés ali. Talvez por isso o origami e o judô, tão tardios, tenham parecido "naturais" quando aconteceram.
Também sinto o mesmo quando visito o Nordeste, claro. Parece que estou na sala de casa, tomando fresca com as portas abertas. Rio de felicidade, quase sentindo o vento no rosto, ao ouvir uma expressão conhecida desde a infância - "parado como um dois de paus", "malajambrado", "cabaré de asa", "sururu de capote". Fico muito, muito à vontade. E é essa sensação de estar à vontade na própria pele que eu chamo de pertencimento. Como é boa, como é fundamental!
Clarice Lispector tem um texto lindo sobre pertencer. Foi originalmente publicado no JB, como crônica, e depois na coletânea A descoberta do mundo. Ela diz que pertencer vem muitas vezes de sua força, e não de depender de alguém mais forte - deseja pertencer para que sua força "não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa". Para não ficar com um presente embrulhado nas mãos sem ter a quem presentear. Não seria por acaso um dos aspectos da graça?
Ao final, Clarice fala, ao descobrir que pertencer é viver, de uma sede infinda, como quem, no deserto, bebesse as últimas gotas de água de um cantil. Aqui, agora, enquanto escrevo, imagino que viver/pertencer é mais como no deserto carregar um jarro d'água, que poderia derramar quando tropeçamos ou ir-se esvaziando quando damos de beber a alguém - mas, quase milagrosamente e ao mesmo tempo, vai se enchendo novamente da água trazida por outro passante. De forma abundante, até o fim.
Também sinto o mesmo quando visito o Nordeste, claro. Parece que estou na sala de casa, tomando fresca com as portas abertas. Rio de felicidade, quase sentindo o vento no rosto, ao ouvir uma expressão conhecida desde a infância - "parado como um dois de paus", "malajambrado", "cabaré de asa", "sururu de capote". Fico muito, muito à vontade. E é essa sensação de estar à vontade na própria pele que eu chamo de pertencimento. Como é boa, como é fundamental!
Clarice Lispector tem um texto lindo sobre pertencer. Foi originalmente publicado no JB, como crônica, e depois na coletânea A descoberta do mundo. Ela diz que pertencer vem muitas vezes de sua força, e não de depender de alguém mais forte - deseja pertencer para que sua força "não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa". Para não ficar com um presente embrulhado nas mãos sem ter a quem presentear. Não seria por acaso um dos aspectos da graça?
Ao final, Clarice fala, ao descobrir que pertencer é viver, de uma sede infinda, como quem, no deserto, bebesse as últimas gotas de água de um cantil. Aqui, agora, enquanto escrevo, imagino que viver/pertencer é mais como no deserto carregar um jarro d'água, que poderia derramar quando tropeçamos ou ir-se esvaziando quando damos de beber a alguém - mas, quase milagrosamente e ao mesmo tempo, vai se enchendo novamente da água trazida por outro passante. De forma abundante, até o fim.
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domingo, 11 de novembro de 2012
Flamenco e tai chi chuan, tudo a ver
O que podem ter a ver a dança flamenca e a arte marcial interna tai chi chuan? Se uma é quente e vibrante, a outra parece fria e lenta. Uma acelera a pulsação, a outra acalma. Razão e emoção. Oriente e ocidente, yin e yang.
Nem tanto. Para começar, o flamenco nem é tão ocidental assim, ou só o é por uma questão geográfica, já que é filho de ciganos, árabes, judeus errantes. Flamenco e tai chi têm características marciais - uma no ritmo, a outra por sua própria origem em lutas chinesas. Ambas são telúricas, enraizadoras - por isso, os movimentos se dão de forma pouco verticalizada. Não se buscam as alturas, mas a base, o chão. Por isso as duas me atraem, e também por seu caráter democratizante, porque não é preciso ser uma sílfide para praticar nenhuma delas.
O equilíbrio é fundamental em ambas (alguém vai me dizer que é fundamental em qualquer expressão corporal, no que estará coberto de razão), bem como a percepção de si, a capacidade de dizer ao seu corpo, aos seus ombros, aos joelhos, como se comportar.
E o resultado é um corpo luminosamente belo. Não belo na acepção mercadológica da palavra, mas porque iluminado pela descoberta de si, de suas potencialidades, de sua inteireza. Integridade, todo o tempo. Belo, portanto, nesse (e com) sentido.
Claro que podemos criar essa consciência corporal em outras atividades. Quando fiz pilates, por exemplo, descobri uma musculatura desconhecida para mim, e ficava fascinada com movimentos que pareciam imperceptíveis terem tamanho efeito no dia seguinte, quando acordava lembrando que aqueles músculos existiam! Mas acho que o fato de o flamenco e o tai chi serem tão indissociáveis de suas respectivas culturas (ou crenças?), não se limitando ao desenvolvimento de uma atividade física, faz toda diferença.
Afinal, não posso simplesmente "decorar" os passos do flamenco - tenho que me investir da postura flamenca, de um certo empoderamento feminino, meio ancestral. Não posso só aprender as formas do tai chi - preciso entender que relação elas têm com minha força interna e com a natureza de que faço, de que fazemos parte. Volta a origens (além dos limites da cultura), olhar para dentro de si, buscar postura e força dentro de si - são alguns dos efeitos que ambas provocam. Como é difícil fazer movimentos lentos! Como é difícil assumir a força! Isso vai além da técnica; é preciso realizar mudanças internas para que o externo tenha algum efeito.
Mesmo quando nem todos as podem ver, elas, as mudanças estão ali, brilhantes, renovadoras, reveladoras.
Meus sapatitos chilenos de flamenco, já ficando surrados, que delícia!
Nem tanto. Para começar, o flamenco nem é tão ocidental assim, ou só o é por uma questão geográfica, já que é filho de ciganos, árabes, judeus errantes. Flamenco e tai chi têm características marciais - uma no ritmo, a outra por sua própria origem em lutas chinesas. Ambas são telúricas, enraizadoras - por isso, os movimentos se dão de forma pouco verticalizada. Não se buscam as alturas, mas a base, o chão. Por isso as duas me atraem, e também por seu caráter democratizante, porque não é preciso ser uma sílfide para praticar nenhuma delas.
O equilíbrio é fundamental em ambas (alguém vai me dizer que é fundamental em qualquer expressão corporal, no que estará coberto de razão), bem como a percepção de si, a capacidade de dizer ao seu corpo, aos seus ombros, aos joelhos, como se comportar.
E o resultado é um corpo luminosamente belo. Não belo na acepção mercadológica da palavra, mas porque iluminado pela descoberta de si, de suas potencialidades, de sua inteireza. Integridade, todo o tempo. Belo, portanto, nesse (e com) sentido.
Claro que podemos criar essa consciência corporal em outras atividades. Quando fiz pilates, por exemplo, descobri uma musculatura desconhecida para mim, e ficava fascinada com movimentos que pareciam imperceptíveis terem tamanho efeito no dia seguinte, quando acordava lembrando que aqueles músculos existiam! Mas acho que o fato de o flamenco e o tai chi serem tão indissociáveis de suas respectivas culturas (ou crenças?), não se limitando ao desenvolvimento de uma atividade física, faz toda diferença.
Afinal, não posso simplesmente "decorar" os passos do flamenco - tenho que me investir da postura flamenca, de um certo empoderamento feminino, meio ancestral. Não posso só aprender as formas do tai chi - preciso entender que relação elas têm com minha força interna e com a natureza de que faço, de que fazemos parte. Volta a origens (além dos limites da cultura), olhar para dentro de si, buscar postura e força dentro de si - são alguns dos efeitos que ambas provocam. Como é difícil fazer movimentos lentos! Como é difícil assumir a força! Isso vai além da técnica; é preciso realizar mudanças internas para que o externo tenha algum efeito.
Mesmo quando nem todos as podem ver, elas, as mudanças estão ali, brilhantes, renovadoras, reveladoras.
Meus sapatitos chilenos de flamenco, já ficando surrados, que delícia!
domingo, 22 de julho de 2012
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
Julie & Julia & Me
O filme é de 2009, e, só pra variar, eu ainda não tinha visto. E, como acontece várias vezes nas minhas descobertas tardias, fiquei encantada: Julie e Julia, de Nora Ephron (a mesma do fofo Mensagem para você), é de aquecer o coração - e o estômago.
OK, nenhuma novidade: ao lado dos documentários, filmes sobre Segunda Guerra, franquismo, serial killers, de suspense, adoro filmes fofos e com temáticas gastronômicas. Neste último caso, integram minha lista best of o memorável A festa de Babette, a divertida animação Ratatouille, Chocolat e o ótimo exemplar de humor negro Estômago. E quem não embarcou em Tomates verdes fritos ou foi completamente seduzido em Como água para chocolate? Por extensão, que delícia são os filmes que falam de vinhos (e de uma boa comida que os acompanha, sempre), como Sideways, Um bom ano e Bottle shock. E outros tantos títulos que ainda não vi, mas que certamente já entraram para a bibliografia enogastronômica.
Mas voltemos a Julie e Julia. Não sei se já comentei, mas demorei muito a aprender a cozinhar. Não precisava, pois minha avó o fazia para nós, e a partir do colégio mal parava em casa, comendo muita junk food por aí. Quando, portanto, fui morar sozinha, as únicas coisas que sabia fazer eram café e ovo frito (ou mexido, ou cozido, variações do tema). Claro que isso me distancia das duas protagonistas do filme, pois tinham já uma noção culinária antes de incrementar seu saber; mas o gosto pela culinária, como gourmand, eu sempre tive - e isso já nos torna um trio inseparável!
Como Julia Child, fui fazer um curso de culinária. Não um cordon bleu, obviamente, mas um gratuito para iniciantes, na antiga Casa Gourmet da Bela Cintra. Chamava-se "Gastronomia para quem mora sozinho". E do arroz e macarrão básicos desse primeiro curso, passei para os pães (o primeiro que fiz me emocionou até as lágrimas), crepes, culinária árabe, ceia de Natal e sushi & sashimi. Minha mãe sacou meu interesse (e minhas necessidades de moradora solo) e me deu o ancestral Dona Benta que tinha em casa desde que éramos pequerruchos.
Fui comprando algumas revistas, um ou outro livro de receitas, mas minha maior fonte são mesmo os blogs e sites dos amantes da culinária, que sempre cito aqui, como origem das receitas que vou transformando, com outras dosagens e ingredientes. Aliás, num desses, o Mixirica, achei traduzida a receita do boeuf bourguignon (vedete do filme) que ainda não fiz. Os utensílios - como a tal panela que também deve ir ao forno -, vou adquirindo conforme a receita e a necessidade.
Quanto a Julie Powell, como me identifiquei com ela! Bom, eu e a torcida com veleidades gastronômicas do Corinthians, certo? De qualquer forma, além de ela ter um blog, como compreendo quando ela diz que cozinhar é um momento em que sabemos que as coisas (normalmente) darão certo, mesmo que tudo lá fora (trabalho, relacionamento, caos urbano) ateste o contrário. Num certo sentido, é quando acreditamos no poder do nosso condão enquanto ninguém mais acredita - e o risoto com sabores que nos transportam a outro lugar (um refúgio do que está errado aqui e agora) é a prova indelével desse poder. Onde nosso instinto falha nas relações humanas, ele funciona lindamente na hora de misturar ervas e temperos, de achar a justa medida.
Olhando para o espelho e para Julie e Julia, confirmo que a escolha é nossa: o insosso de uma vida em que um dia dá lugar ao outro, como uma sequência de bandejas no restaurante universitário, ou o maravilhar-se constantemente com novos cheiros e sabores, criados por nós.
Ah, sim: como J&J, também tenho um provador oficial de receitas... <3
OK, nenhuma novidade: ao lado dos documentários, filmes sobre Segunda Guerra, franquismo, serial killers, de suspense, adoro filmes fofos e com temáticas gastronômicas. Neste último caso, integram minha lista best of o memorável A festa de Babette, a divertida animação Ratatouille, Chocolat e o ótimo exemplar de humor negro Estômago. E quem não embarcou em Tomates verdes fritos ou foi completamente seduzido em Como água para chocolate? Por extensão, que delícia são os filmes que falam de vinhos (e de uma boa comida que os acompanha, sempre), como Sideways, Um bom ano e Bottle shock. E outros tantos títulos que ainda não vi, mas que certamente já entraram para a bibliografia enogastronômica.
Mas voltemos a Julie e Julia. Não sei se já comentei, mas demorei muito a aprender a cozinhar. Não precisava, pois minha avó o fazia para nós, e a partir do colégio mal parava em casa, comendo muita junk food por aí. Quando, portanto, fui morar sozinha, as únicas coisas que sabia fazer eram café e ovo frito (ou mexido, ou cozido, variações do tema). Claro que isso me distancia das duas protagonistas do filme, pois tinham já uma noção culinária antes de incrementar seu saber; mas o gosto pela culinária, como gourmand, eu sempre tive - e isso já nos torna um trio inseparável!
Como Julia Child, fui fazer um curso de culinária. Não um cordon bleu, obviamente, mas um gratuito para iniciantes, na antiga Casa Gourmet da Bela Cintra. Chamava-se "Gastronomia para quem mora sozinho". E do arroz e macarrão básicos desse primeiro curso, passei para os pães (o primeiro que fiz me emocionou até as lágrimas), crepes, culinária árabe, ceia de Natal e sushi & sashimi. Minha mãe sacou meu interesse (e minhas necessidades de moradora solo) e me deu o ancestral Dona Benta que tinha em casa desde que éramos pequerruchos.
Fui comprando algumas revistas, um ou outro livro de receitas, mas minha maior fonte são mesmo os blogs e sites dos amantes da culinária, que sempre cito aqui, como origem das receitas que vou transformando, com outras dosagens e ingredientes. Aliás, num desses, o Mixirica, achei traduzida a receita do boeuf bourguignon (vedete do filme) que ainda não fiz. Os utensílios - como a tal panela que também deve ir ao forno -, vou adquirindo conforme a receita e a necessidade.
Quanto a Julie Powell, como me identifiquei com ela! Bom, eu e a torcida com veleidades gastronômicas do Corinthians, certo? De qualquer forma, além de ela ter um blog, como compreendo quando ela diz que cozinhar é um momento em que sabemos que as coisas (normalmente) darão certo, mesmo que tudo lá fora (trabalho, relacionamento, caos urbano) ateste o contrário. Num certo sentido, é quando acreditamos no poder do nosso condão enquanto ninguém mais acredita - e o risoto com sabores que nos transportam a outro lugar (um refúgio do que está errado aqui e agora) é a prova indelével desse poder. Onde nosso instinto falha nas relações humanas, ele funciona lindamente na hora de misturar ervas e temperos, de achar a justa medida.
Olhando para o espelho e para Julie e Julia, confirmo que a escolha é nossa: o insosso de uma vida em que um dia dá lugar ao outro, como uma sequência de bandejas no restaurante universitário, ou o maravilhar-se constantemente com novos cheiros e sabores, criados por nós.
Ah, sim: como J&J, também tenho um provador oficial de receitas... <3
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Meninos, eu vi - "A pele que habito"
Embora este post seja para falar do filme, contraditoriamente não posso falar muito do filme em si, ou estragarei toda a surpresa. Só tenho a pedir: por favor, vão ver a nova produção de Almodóvar!
Certamente haverá quem não goste, que ache furos de produção (mas mais raramente de roteiro); todos que o assistirem, porém, terão oportunidade de ver como Pedrito é capaz de se reinventar. Tomando de empréstimo o título, de "trocar de pele" com a maior facilidade. E isso sem perder sua essência algo kitsch, ingênua e apaixonada. Com simulacros a descoberto, referências diversas e, mesmo assim, identidade própria.
No exemplo da relação do cineasta com sua obra, enxergo essa lição: como manter a integridade adaptando-nos a novas situações. Ser flexível, e não venal. Mudar, sendo nós mesmos. Encontrar, em cada momento da vida, a pele que nos cabe.
Certamente haverá quem não goste, que ache furos de produção (mas mais raramente de roteiro); todos que o assistirem, porém, terão oportunidade de ver como Pedrito é capaz de se reinventar. Tomando de empréstimo o título, de "trocar de pele" com a maior facilidade. E isso sem perder sua essência algo kitsch, ingênua e apaixonada. Com simulacros a descoberto, referências diversas e, mesmo assim, identidade própria.
No exemplo da relação do cineasta com sua obra, enxergo essa lição: como manter a integridade adaptando-nos a novas situações. Ser flexível, e não venal. Mudar, sendo nós mesmos. Encontrar, em cada momento da vida, a pele que nos cabe.
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domingo, 21 de fevereiro de 2010
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
Alter ego
Tem dias que sou mesmo assim, como a superpoderosa Docinho. Tudo a ver com minha atual fase chuta-canelas...
(A Docinho que visitou minha mesa de trabalho ontem - e que teve sua imagem sequestrada pelo scanner local - pertence ao meu amigo Marcelo Alencar, editor, ilustrador, contador de causos e grande colecionador de bonequinhos bacanas)
(A Docinho que visitou minha mesa de trabalho ontem - e que teve sua imagem sequestrada pelo scanner local - pertence ao meu amigo Marcelo Alencar, editor, ilustrador, contador de causos e grande colecionador de bonequinhos bacanas)
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- "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
- "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
- "O estrangeiro", de Albert Camus
- "Campo geral", de João Guimarães Rosa
- "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
- "Sagarana", de João Guimarães Rosa
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- "A outra volta do parafuso", de Henry James
- "O processo", de Franz Kafka
- "Esperando Godot", de Samuel Beckett
- "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
- "Amphytrion", de Ignácio Padilla