quinta-feira, 10 de abril de 2014

Afetos, afinidades e filiações

Outro dia, comentei que não tinha amigos de direita, por uma questão de coerência. Pois não é que alguns amigos/colegas antigos publicam coisas esquisitas no FB? E fica muito evidente que nem sabem o que estão compartilhando, como uma coisa horrorosa sobre a ditadura, em que se alega que os "cidadãos de bem", como uma velhinha reaça numa foto, não apanharam, não foram presos etc. Daí quererem a volta da ditadura. Ou seja, pro Estado democrático, neca de pitibiriba. Porque presos e torturados e cerceados seriam somente os cidadãos do mal, até prova em contrário.
Fiquei na maior dúvida se comentava ou não a postagem, mas vi que não valia a pena. Nem é uma pessoa com quem convivo hoje. Dela só havia restado uma lembrança do mundo dos afetos. Mas afinidade, definitivamente, não temos nenhuma.
Isso é algo em que tenho pensado muito: o que nos liga a determinadas pessoas? Às vezes, apenas a filiação; outras, as afinidades; por fim, os afetos. Nem sempre dá para ter tudo com todo mundo; aliás, a tríade é difícil de acontecer. Quando acontece afinidade+afeto, já é um encontro perfeito, e eu diria que mais duradouro, desde que haja vontade recíproca. Só afeto, a relação acaba sendo relegada a um passado onde não há muito espaço para crítica - provavelmente não sobreviveria a um novo convívio.
As filiações (aqui estou dando à palavra um sentido muito amplo, de relações familiares), por sua vez, não garantem nada além de semelhanças físicas e de comportamento - o que não torna "iguais", afins, pessoas da mesma família. Tenho falado muito em família, por conta dos eventos recentes, e só posso atestar uma vez mais a exceção à regra, se é que existe uma, a de que o sangue fala mais alto etc. Vejo que tenho muito mais afinidade com meus meio-irmãos, e deles sinto emanar mais afeto também. Tive mais afinidade com meus avós paternos do que com meus pais. Não quer dizer que não me preocupe com minha família nuclear, mas não sei até que ponto isso não se liga mais a dever e ética do que a um afeto espontâneo.
Independentemente do tipo de relacionamento, do que o motiva, o que não devemos esquecer é que podemos escolher como viver cada um. Com compromisso e respeito para com o outro e sem abrir mão, jamais, da nossa liberdade.

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Cabeceira

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  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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