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terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Espelhos, padrões e outras coisas pontiagudas

Estou terminando de ler a tetralogia napolitana de Elena Ferrante, pseudônimo de uma escritora contemporânea de língua italiana. Há quem diga que se trata de um autor, mas acho pouco provável, já que as navalhadas na carne ao longo dos quatro volumes (A amiga genial, História do novo sobrenome, História de quem vai e de quem fica, História da menina perdida) soam a uma memória feminina, mais crua que violenta, como os escritos de Clarice Lispector, Patricia Highsmith e Carson McCullers, em que pesem os diferentes estilos. Mas isso é assunto para outro post, a crueza feminina mais terra a terra, a crueldade masculina mais associada à cultura, segundo minha certamente modesta opinião.
Bom, o fato é que me vi nas histórias contadas por Lenu, protagonista e xará de Ferrante. Dentre outras questões, pela da autoimagem que constrói ao longo da vida, a relação com o próprio corpo e com o corpo do outro etc. Serei a única? Claro que não - Ferrante é o fenômeno que é pela capacidade de empatia que seu texto traz de forma tão fluida.
Eu mesma, por muito tempo, não gostei do que vi no espelho. Ou melhor, evitava me olhar nele porque só enxergava uma imagem indefinida, um borrão do que eu era. Talvez fosse a miopia, mas certamente era também uma recusa de si. Por outro lado, nunca quis me parecer com outra pessoa, ter outra aparência, outro corpo. A presença paterna também tornou complicado me reconhecer como mulher: era quase um sinônimo de vulgaridade; cuidar-se era sinônimo de idiotia e superficialidade. Também o apreço pelas artes, a leveza, a alegria, tudo isso foi sendo posto sob vigilância. Só queria me transportar por aí em um invólucro neutro, ser simplesmente aceita.
Porém, o mundo rejeita a neutralidade com seus padrões. Não se pode ser neutro, mas também não é desejável o ser diferente. A respeito da aparência, lembro-me de uma colega de trabalho ter dito que eu vestia bem todas as roupas por ser a pessoa com o corpo mais "regular", "proporcional", que ela conhecia. Na mesma época, visitando um brechó de um conhecido, experimentei uma blusa que não me caiu bem, mas serviu a outra colega, e tive de ouvir do dono do brechó, com a voz mais afetada possível: "É que você é fora do padrão, né?". Fiquei sem palavras. O que significava esse padrão? Cintura fina, bunda grande? Não há povo mais diverso que o brasileiro, e esse padrão a que ele se referia é uma falácia. Mas a fala fere, atravessa o invólucro, e tanta gente sofre por tentar se adequar ao suposto padrão e não conseguir.
Minha "cápsula protetora" contra as estocadas alheias acabou sendo o conhecimento; na verdade, um outro tipo de padrão que permite caminhar em freguesias diversas, ainda que não em todas. Afinal, dentro desse padrão, mesmo que mais amplo que o da aparência, ainda é preciso lidar com as questões "de classe".
A personagem de Elena Ferrante também acaba por descobrir que nada nos protege mais que a autoaceitação. Saber o que é importante de fato para si, auscultar-se. Talvez para a maioria das pessoas isso só venha com o tempo, com a tal maturidade, quando nos importamos cada vez menos com a opinião dos outros e conseguimos ouvir com mais clareza a voz interior. Uma pena que esse encontro tão importante e apaziguador possa demorar tanto a acontecer; por outro lado, as marcas que trazemos a essas alturas são o que nos distingue uns dos outros, torna-nos únicos e inutiliza (ou deveria) toda forma de comparação inútil.

terça-feira, 4 de abril de 2017

Formas de atendimento - lojas de bike

Desde que começou a história de pedalar aqui em casa, temos ido muito a bike shops. Em Lauro de Freitas, deve haver pelo menos cinco, muito próximas umas das outras.
Em uma delas, supostamente a mais bem equipada, o dono/vendedor/mecânico nos olha com certa incredulidade e muitas vezes nem responde ao que perguntamos, parecendo pensar que está muito acima das outras pessoas, especialmente das mulheres. Também fala mal das marcas que ele não vende, não se lembra dos clientes, não parece interessado em consertar uma suspensão - quando, na verdade, HÁ conserto para ela -, enfim, não se esforça em nada. Se eu pudesse lhe dar um conselho, diria a ele para contratar alguém para administrar as vendas, de forma mais simpática e eficiente. Mas nem conselhos nem meu dinheiro lhe darei.
A poucos metros dali, uma loja maior, com mais funcionários, vende bicicletas Specialized. Mas não se engane: a loja está longe do padrão das bikes que vende. O pessoal é meio malafrojado no visual e no atendimento, e não dá muita atenção a quem não chega de veículo 4x4 (como nós!). Podemos culpá-los por não querer fazer negócio? Sim - porque me fazem lembrar de uma vendedora da Arezzo que me esnobou por meu visual ripongo-universitário e depois me viu comprar quatro pares de sapatos, "um para presente".
Do outro lado da Estrada do Coco, porém, há a Ramiro Bike (ah, me dá preguiça nomear as demais). Loja arejada e organizada, em que se vê tudo de uma só vez. Funcionários simpáticos e bem treinados, que não fazem cara de paisagem nem comentários bobos - atendem bem independentemente de nível de pedal, idade, gênero, se você vai comprar um sachê de carboidrato ou uma bike megapoderosa, se você está ali pela primeira ou centésima vez. E ainda negociam descontos, sugerem que você experimente as bikes novas. E perguntam como vai a vida, lembram que você tem uma GT, que chegou uma Cannondale que é sua cara. Isso pra não falar do próprio Ramiro, uma figura ótima, todo simpático, abraçando e cumprimentando todo mundo. O resultado? Loja cheia, com toda espécie de público.
E acabo de ler no Facebook o relato de uma amiga de Bienal sobre um médico que não se lembrava dela, embora a tenha atendido há pouco tempo. De fato, profissionais atentos e atenciosos estão em falta, em todas as áreas.
Embora não ache que ele desejasse esse tipo de "vantagem", que bom para o Ramiro!

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Soltar os bichos (sem que eles se matem)

Cong acabou chegando antes do previsto à nossa casa porque ficou doente. Infestado de vermes e infectado pela doença do carrapato, o pequeno mal ficava em pé e era só pele e osso. Havíamos levado ao veterinário para vacinar e vermifugar - até aí não sabíamos de nada, e só demos o vermífugo uns 3 dias depois, quando Conguito já havia perdido o apetite e algum peso. Então, os parasitas do mundo todo deram as caras. Voltamos ao veterinário e ele acabou sendo internado com anemia profunda provocada pelas referidas doenças.
Quando Cong apareceu, Zen surtou. Já o havia visto antes aqui e feito seus fusss, mas, quando sacou que o outro vinha para ficar, se rebelou e ficou um dia inteiro só rondando a casa, sem entrar, sem comer nem beber. Foi desesperador. Consegui no outro dia fazê-lo comer na minha mão, num canto fora de casa onde ele se entocou. Eu chorei. Depois consegui trazê-lo para nosso quarto, conversei muito com ele, acarinhei-o muito e ele dormiu exausto na nossa cama.
Hoje, fiz o mesmo processo - ir atrás com a comida, afagar, conversar, trazer para casa, mostrar que ele é querido aqui. Aos poucos ele tem voltado a entrar em casa, mesmo mantendo um olho vigilante no pequeno que fica indo para lá e para cá, rabinho abanando após a diminuição da anemia. Há pouco, Zen dormia em nossa cama, sob a manta, como quem "não aguenta ver mais nada".
O que sei da convivência com gatos é que tudo pode acontecer. Pode tudo ficar bem, pode rolar uma guerra fria, pode haver um novo abandono do lar. Os cães são mais adaptáveis, sem dúvida, e nos ensinam muito sobre amor incondicional (Conguito já nos segue por todo lado e dorme aos meus pés enquanto cozinho). Mas os gatos nos ensinam tudo sobre a impermanência da vida - que carrega até mesmo o amor incondicional em seu roldão. Por isso a expressão "soltar os bichos" ganhou um novo significado para mim. Ah, esses gatos! Ah, esses cães!

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Tem que ser bom pra todo mundo

Uma máxima de relacionamentos. Se para uma das partes não estiver bom, é hora de rever, repensar, redimensionar, rearranjar. E se não houver acordo, ciao, bello.
Na verdade, mesmo sabedora dessa máxima, nunca fui muito boa em estabelecer limites, especialmente nos relacionamentos afetivos. E parece que os gatos vieram me dar um treinamento nesse sentido.
Aquela história de eles miarem e arremeterem contra a porta quando estou dormindo se agravou. O Zen começa a fazer isso às 4h, não mais às 6h. E ele arremete de forma desesperada (agora, também contra a porta do escritório, se a fecho para terminar um trabalho urgente, quando eles me desconcentram), algo que me tira do sério. Borrifar água não adianta, porque eles logo voltam à carga e a essas alturas eu já perdi o sono.
Quando eles chegaram em casa, dormiram algum tempo na varanda, por causa da minha alergia. Depois foram introduzidos à sala. Mas daí começou a bagunça na minha porta. Já ouvi que vou ser vencida pelo cansaço, que vou acabar deixando-os dormir comigo, mas isso é algo que me parece pertencer a outra vida, se houver.
Qual a solução? Comprei uma espécie de igluzinho para eles. Vão voltar a dormir lá fora, no iglu, bem protegidos, até aprenderem a se comportar. Porque estava bem ruim para mim.
E pelo jeito, gostaram da casinha. Zen já estava agora há pouco afiando suas garras no colchonete...

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Afetos, afinidades e filiações

Outro dia, comentei que não tinha amigos de direita, por uma questão de coerência. Pois não é que alguns amigos/colegas antigos publicam coisas esquisitas no FB? E fica muito evidente que nem sabem o que estão compartilhando, como uma coisa horrorosa sobre a ditadura, em que se alega que os "cidadãos de bem", como uma velhinha reaça numa foto, não apanharam, não foram presos etc. Daí quererem a volta da ditadura. Ou seja, pro Estado democrático, neca de pitibiriba. Porque presos e torturados e cerceados seriam somente os cidadãos do mal, até prova em contrário.
Fiquei na maior dúvida se comentava ou não a postagem, mas vi que não valia a pena. Nem é uma pessoa com quem convivo hoje. Dela só havia restado uma lembrança do mundo dos afetos. Mas afinidade, definitivamente, não temos nenhuma.
Isso é algo em que tenho pensado muito: o que nos liga a determinadas pessoas? Às vezes, apenas a filiação; outras, as afinidades; por fim, os afetos. Nem sempre dá para ter tudo com todo mundo; aliás, a tríade é difícil de acontecer. Quando acontece afinidade+afeto, já é um encontro perfeito, e eu diria que mais duradouro, desde que haja vontade recíproca. Só afeto, a relação acaba sendo relegada a um passado onde não há muito espaço para crítica - provavelmente não sobreviveria a um novo convívio.
As filiações (aqui estou dando à palavra um sentido muito amplo, de relações familiares), por sua vez, não garantem nada além de semelhanças físicas e de comportamento - o que não torna "iguais", afins, pessoas da mesma família. Tenho falado muito em família, por conta dos eventos recentes, e só posso atestar uma vez mais a exceção à regra, se é que existe uma, a de que o sangue fala mais alto etc. Vejo que tenho muito mais afinidade com meus meio-irmãos, e deles sinto emanar mais afeto também. Tive mais afinidade com meus avós paternos do que com meus pais. Não quer dizer que não me preocupe com minha família nuclear, mas não sei até que ponto isso não se liga mais a dever e ética do que a um afeto espontâneo.
Independentemente do tipo de relacionamento, do que o motiva, o que não devemos esquecer é que podemos escolher como viver cada um. Com compromisso e respeito para com o outro e sem abrir mão, jamais, da nossa liberdade.

Sobre "Ela", de Spike Jonze, mas sobre nós também

Joaquin Phoenix é um desses atores meio incompreendidos de Hollywood, especialmente depois de ter ido se aventurar no hip-hop, após anunciar sua aposentadoria como ator (o que, em seguida, alegou ser parte de uma personagem criada para um documentário). Fosse verdade ou não, e felizmente para nós, ele voltou em grande estilo, no mais novo filme de Spike Jonze, Ela, e ninguém seria mais adequado que ele ao papel de escritor de cartas que se apaixona por um sistema operacional num futuro apocalíptico bastante próximo.
Tudo porque Ela é um filme sobre desajuste e solidão, que, ao que tudo indica, são quase regras na atualidade. De alguma forma, por essa temática, Ela me lembra Quero ser John Malkovitch, do mesmo Spike Jonze, especialmente a primeira cena, em que o melancólico titereiro John Cusack se confunde com sua arte. No entanto, Ela ainda tem esse toque contemporâneo da tecnologia que pode nos afastar cada vez mais uns dos outros e fazer desejar o impalpável como encontro ideal.
Theodore, o sensível escritor de cartas (quase uma coincidência com Dora, a escritora de cartas da Central do Brasil no filme de Walter Salles), apaixona-se por Samantha, um sistema operacional intuitivo, presentificado pela voz rouca de Scarlett Johansson. Ao longo da narrativa, pairam dúvidas sobre a necessidade ou não de um corpo para que haja uma relação, e até o sistema operacional se humaniza de tal maneira que chega a ferir seu parceiro humano - será esse o sinal de sua evolução?
No cenário apocalíptico próximo mostrado por Jonze, os transeuntes conversam com seus respectivos SOs, e não com quem passa por eles - como temos visto hoje pelas ruas, cada pessoa entretida com seu smartphone, tropeçando nas demais por viver já em um mundo à parte. Ou seja, o apocalipse é já, é agora.
Como sobreviver a ele? As personagens de Joaquin Phoenix e Amy Adams encontram a resposta em uma prática ancestral: relacionar-se novamente com o outro, falho, muitas vezes mesquinho, mas inimitavelmente humano.

domingo, 23 de março de 2014

Cada um, cada um

Outro dia, li no FB um texto do Gregório Duvivier, primo do meu amigo Beto. O Gregório é mais conhecido como ator, comediante, mas escreve bem que é uma beleza, com profundidade e simplicidade, sem jamais, portanto, ser simplista. O texto que li foi reproduzido na coluna que ele mantém na Folha - o título é "Meu irmão". Fala do irmão mais velho do autor, que tem síndrome de Apert, e de como a Coca-Cola ganhou uma nova utilidade. Lindo!
Isso me fez pensar na minha família. Ninguém tem síndrome de Apert, ou Down, ou Alzheimer (por enquanto). No entanto, por uma total desconjuntura, temos limitações tão sérias quanto. Por exemplo, reinvenções da realidade, apegos ao passado em lugar de viver o presente, de perceber o que é necessário HOJE. De repente, penso que isso acontece porque cada um é de um jeito mesmo - a autorreferência é uma ilusão que no final só desilude, e isso vale inclusive para Gregório e seu irmão. A diferença é que na minha família nuclear não há ninguém disposto a jogar Coca-Cola para dispersar os detratores, porque eles estão no meio de nós.
Minha mãe quebrou o fêmur numa viagem. Em lugar de os familiares fazerem o que deve ser feito, cresce uma nuvem de reclamações, ressentimentos e até mesmo injúrias. Horrível. Inversões da realidade (de novo, o "cada um é cada um", cada qual com sua verdade), acusações de que ela não foi boa mãe (o que é ser uma boa mãe? não é fazer tudo o que está ao seu alcance para garantir um futuro aos filhos?) etc. Que eu, como "filha favorita" (embora não me lembre de ter sido nunca beneficiada de modo especial), é que devo carregar tudo nas costas, uma espécie de desagravo à insatisfação e à "mágoa" dos demais. Como se o meu fazer os eximisse de fazer a sua parte.
Ainda recebi uma mensagem me acusando de só pensar em mim porque, embora sempre estivesse matando um leão por dia fazendo frilas e vivesse sozinha, não ajudei minha irmã casada e funcionária pública quando ela precisou. Que sou louca por cobrar uma postura cooperativa, que preciso de tratamento, que não resolvi os problemas que tive com meu pai e por isso me intrometo onde não sou chamada (relembrando, por exemplo, as obrigações de uma pessoa que transformou a casa de outra num lixão e que não quer receber a dona da casa de volta porque "está doente"). Que, na verdade, minha mãe é que tem algum transtorno e precisa de tratamento (provavelmente porque não acha normal morar no lixo).
As pessoas que querem ser o centro do universo se exasperam quando alguém quer simplesmente ter sua própria vida. Tentam injetar culpa no outro para que ele faça o papel que cabe a elas. Isso não é exclusivo da minha família, claro. Isso é uma das facetas tristes do humano, porque cada um é como é, diferente do outro (mas alguns exageram no estranhamento e na distância). Sou melhor que elas? Não - mas pelo menos vejo.
Ai, que vida boa quando uma Coca-Cola dissolve todo desentendimento! Gregório e João, please, me mostrem como.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Convenções

A palavra convenção sempre despertou minha curiosidade. Ao mesmo tempo que pode significar reunião, quer dizer "conjunto de regras adotadas a partir de combinação ou acordo prévio". Ficava sempre encafifada com o que significava então haver no Anhembi um Palácio das Convenções  - lugar de reunião ou de regras estabelecidas? Uma coisa e outra, talvez.
As convenções sociais, porém, são quase sempre estabelecidas a priori, sem o tal acordo entre as partes. Assim é que nascemos já com alguns "papéis" a cumprir. Alguns se identificam com o papel que cumprem, o que é ótimo; outros o cumprem sem um questionamento sequer, embora se sintam estranhamente constrangidos, o que é de fato estranho. E há quem questione e proponha novos papéis, mais afinados consigo.
Mesmo sem ter tanta clareza sobre isso, nunca me adaptei instantaneamente às convenções. Desde muito cedo já ouvia perguntas acerca de casamento, maternidade - quando eu pensava em assumir esses papéis? Achava tudo muito esquisito - por que "deveria" casar, ter filhos? Nunca caí nessa conversa de que toda mulher deve ser mãe, constituir família. Nem de que todo homem deve ser infiel, ou de que ele é o provedor financeiro, e a mulher deve carregar nas costas todo o resto.
Além de decidir morar sozinha (mas não ser uma pessoa solitária), ainda resolvi trabalhar em casa. Particularmente, acho civilizadíssimo, adequado ao meu modo de vida, numa cidade em que ninguém sai do lugar por conta do trânsito impossível. Aliás, que estranho eu não ter um carro, nem carteira de habilitação. Não tenho orelha furada. Mesmo na época da faculdade de História não fumava maconha, estranhíssimo!
Só aprendi a cozinhar quando fui morar sozinha, e amei. Amo cozinhar, e tanto mais porque não é uma obrigação, mas um prazer. Também comecei a bordar há pouco, não como uma convenção herdada, e sim por uma necessidade criativa. Nunca fiz balé, embora adore dançar (essa foi uma convenção ignorada pela minha família, algo que nunca foi sequer mencionado em casa). Na faculdade, afinal, fiz judô (éramos três moças no meio de muitos rapazes - quem disse que isso pode ser ruim?). Fui fazer flamenco há pouco tempo, e fui questionada a respeito - afinal, com a minha idade os interesses têm que ser exclusivamente utilitários, não é isso? Mesma coisa com o sumiê, e até com o bordado: o que você vai fazer com isso?
Aliás, quanta coisa fui fazer bem mais tarde, especialmente porque podia então bancar financeiramente minhas escolhas! E tudo isso fiz porque queria, porque me interessava, e não porque havia um espectro social soprando aos meus ouvidos que assim é que deveria ser. Talvez por isso procure respeitar as vivências alheias, desde que não prejudiquem ninguém. Por isso tenho amigos heterossexuais, gays, evangélicos, kardecistas, católicos, umbandistas, pretos, brancos, amarelos, vermelhos, engenheiros, artistas plásticos, editores. De direita, acho que nenhum, porque também é necessário manter a coerência!
Atualmente vejo familiares esperando de mim, que sou solteira, "não trabalho" (afinal, trabalhar em casa significa ter muito tempo livre) e moro sozinha (o que significa ter espaço disponível em casa) que assuma toda responsabilidade por minha mãe, como já esperavam que fizesse por minha avó (e se quero dividir as responsabilidades ouço, em tom acusatório, "que mãe só tem uma!", como se eu não soubesse). Também vejo uma amiga que acabou de perder o marido sendo consolada com um "logo aparece outro" - hã? Acho que por trás de tudo isso, desses consolos e cobranças apressados, esconde-se a tentativa de ter a consciência limpa (de ter consolado a contento, jogando a responsabilidade no futuro, e de não ter precisado fazer nada, pois há alguém que o fará). Provavelmente são as mesmas pessoas que dizem, diante da proposta de algo novo: "Sempre foi assim, por que mudar?".
Pode ser que amanhã eu mude de ideia, e passe a ter um comportamento mais convencional. Mas certamente isso será por uma necessidade interna, e não porque alguém me disse que "deve ser assim".

sábado, 18 de maio de 2013

Redes ou armadilhas?

Fazia tempo que queria falar das redes sociais, sobre como me assusta ver pessoas (algumas bem próximas) se alienando da realidade para mergulhar de fato no mundo virtual. Considero um privilégio viver numa época em que se tem acesso a tanta informação, que, se usada com critério e sabedoria, pode mudar para melhor a vida de muitos. Por isso mesmo, acho bem triste que tanta gente, em vez de se valer da acepção de troca, comunicação, própria das redes, acabe na verdade se enredando, caindo em uma armadilha da qual é difícil sair sem muitos arranhões.
Há gente demais no mundo, carros e celulares demais, competição demais, exposição e consumo demais. Comunicação, respeito e afeto de menos. Como ser feliz seguindo um modelo de sucesso se a cada hora esse modelo se transmuda em outro? Se temos que ser cada vez mais rápidos para acompanhar as tendências e os assuntos? Como pretender respeito à individualidade se promovemos a autoexposição? Não queremos só que nos "curtam" no Face - queremos ser invejados porque vamos a locais bacanas, e o TripAdvisor (que é um site muito útil para pesquisar lugares e planejar viagens) mapeia nossos passos pelos lugares que "importam". Eu arriscaria dizer que esse verdadeiro desfile de personas também ajuda a promover os atos gratuitos de violência - é como se as pessoas fossem se descolando de si mesmas até restar apenas uma casca, zero alteridade. Mas essa teoria é assunto para outro post.
Pessoalmente, acho saudável compartilhar informações e coisas legais que vemos e que nos acontecem. E cada um sabe qual é seu limite. O meu, por exemplo, é manter a vida privada realmente no âmbito mais íntimo e compartilhar com o grande grupo o que é socialmente compartilhável. Gosto de ver fotos dos amigos com a família, saber das alegrias com os filhos que crescem, mais um aniversário, um novo show de rock, a defesa da dissertação, uma nova exposição de seus trabalhos, pensamentos inspirados que ocorrem e tal. E fico meio deprê com os vazios que ecoam de quando em vez, com os perigos que rondam quem nem percebe que já passou para outra realidade. Entrar em outra realidade (sem trânsito, sem contas, sem casa para arrumar, sem discussões) para esquecer esta que é tão difícil, que nos maltrata diariamente, é uma grande tentação. E os pop-ups e links garantem o acesso ao labirinto sem outro fio que não o do discernimento para nos guiar.
Os tempos que vivemos podem ser tão confusos e difíceis que às vezes nem mesmo a arte pode nos servir de alento (e penso no filme Elefante branco, de Pablo Trapero, com Ricardo Darín - a ficção é tão real e pungente e tão nossa conhecida que ficamos estatelados quando sobem os créditos). Ainda bem que resta o humor, para rirmos de nós mesmos, como o de Hermes e Renato (cáustico o suficiente para diluir as cascas renitentes e quem saber chegar às pessoas dentro delas).

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Quem quer ser a Mulher-Maravilha?

Eu queria, quando pequena, como milhares de meninas. Achava um luxo Linda Carter correndo com aquelas botas incríveis e sacando seu laço mágico com a maior desenvoltura - além de ela ter um avião invisível só para ela.
Também já quis ser a princesa Safire, de A princesa e o cavaleiro, mais intrépida que poderosa (e amada pelo lindo príncipe Fran!). Mais recentemente, identifiquei-me com a Mulher-Elástico, dos Incríveis. Ultraflexível, se desdobrando para dar conta de tudo. Jeannie, da série Jeannie é um gênio, mesmo não sendo exatamente uma heroína, também me deu o que pensar. What's your demand? E plim, lá estava eu fazendo aparecer o pedido diante dos olhos alheios.
No final das contas, descobri que é muito cansativo (e muitas vezes bem chato) ser heroína. Acho sim que precisamos de exemplos pelo resto da vida, até quando já nos tornamos exemplo. Mas só para nos encontrarmos, lembrar quem somos, saber do que somos capazes. E também para saber que somos capazes de dizer não, que preferimos jantar fora a nos esfalfarmos na cozinha. Que podemos, sim, dar conta de tudo, mas que nem sempre queremos. E tudo bem. Aliás, para que exibir superpoderes quando não precisamos provar nada a ninguém? Questão de opção, que deve ser nossa, e não imposta por regras sociais ultrapassadas.
Querem saber mais? O anonimato é uma bênção. Ser maravilhosa quando der na telha, também.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

sábado, 28 de abril de 2012

Gourmandise XVI - Tarde de pães na Masseria

Este ano resolvi fazer mais coisas que me fazem bem à alma. Só para mim, meio egoisticamente (embora outras pessoas também possam se beneficiar), só porque me alegram, e não porque preciso delas, ou porque são imediatamente "úteis". Porque as quero. Só isso.
E uma dessas coisas - e neste caso haverá sem dúvida outros "beneficiários" além de mim - foi a oficina de pães de que participei hoje na Masseria, uma boulangerie chique-aconchegante na Lapa. Difícil até contar como a tarde foi gostosa, como passou rápido apesar de um pouco de dor nas pernas pelas quase seis horas em pé. Como o petit comité - somente cinco alunas; o máximo são seis por turma - era muito integrado e simpático. Como o chef boulanger Cláudio, com sua didática incrível, soube tirar o melhor de nós, materializado nos 2 kg de pães que preparamos, amassamos, cozemos e trouxemos para casa. Como Sandra, que nos recebeu, nos emociona contando de seu projeto de criar mais tempo para coisas importantes na cidade onde ninguém tem tempo ou não se importa. Como os pães feitos por eles (tem que provar o de especiarias, de sabores ricos que se revelam aos poucos, como um bom vinho) e por nós (os registrados nas fotos!) são muito gostosos.

E eu creio cada vez mais no encontro de iguais - acabei sabendo que Adriana Haddad, do ótimo blog Ovos Quebrados, é amiga de Sandra. Achei tão bacana, porque as duas, cada uma de um jeito, foi procurar um novo modus vivendi, ligado à gastronomia, que tem efeitos benéficos sobre mais pessoas (aliás, ainda vou fazer um curso de bolos com a Adriana, na sua roça).
Isso só faz aumentar a vontade de ampliar os horizontes, lá até onde vejo, longe-mas-possível - ao alcance da mão, que molda pães e destino.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Qual é sua praia?

Já repararam como a praia é um espaço verdadeiramente democrático? Nela vemos de tudo: gente se divertindo, se exibindo, vendendo guloseimas e cangas...
E agora até gente checando emails, não em um celular, mas em dois!!! Sinal dos tempos em que a tecnologia não só promove mas até substitui o prazer (vejam como a companheira do mancebo vai saindo de mansinho, em busca de um marzão azul, enquanto ele confere dados).

sábado, 26 de junho de 2010

Sociologia karaokesca


Insisto no caráter de experiência sociológica do karaokê. Aliás, ao lado da alimentação, é uma das mais ricas e reveladoras vivências coletivas que existem.
Ontem mesmo, no meu bota-fora da Fundação, além da revelação de novos talentos, a grande surpresa da noite - a presença e dobradinha musical dos meus dois ex-chefes, fantastique!
Uma verdadeira prova de apreço, perdendo apenas para uma declaração musical de amor que lá teve lugar. Tudo acontece num karaokê!


sábado, 5 de junho de 2010

Mais duas belas ideias

As belas ideias, especialmente quando seus criadores não almejam nada em troca, são emocionantes. Queria só registrar a do Disque Árvore, em Fernandópolis, interior de São Paulo, e a do Doe Palavras, iniciativa do Hospital Mário Penna, em Belo Horizonte. Ambas bastante simples, mas de efeitos indiscutivelmente positivos.
A primeira é uma ação da prefeitura municipal que visa à distribuição de mudas de árvores entre os habitantes que o desejarem. Não pagam nada pelas mudas, nem pela visita de um técnico que faz todo o serviço, inclusive criar um espaço adequado para o plantio na calçada do morador. Veja mais em http://www.fernandopolis.sp.gov.br/Portal/Noticias.asp?ID=2368.
Já a segunda é um movimento de estímulo a pacientes com câncer do Hospital Mário Penna; as palavras doadas on-line (http://www.doepalavras.com.br/) são exibidas em TVs a esses pacientes.
Isso só confirma que não é preciso ter ideias tão mirabolantes para tornar melhores nossa vida e nossa vida com os outros.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Questão de semântica?

Afinal de contas, garotas e garotos, homens e mulheres de hoje estão "se pegando", "se catando" ou "se conhecendo"? Já inquiri algumas pessoas a respeito e ouvi respostas diversas. Alguns creem que depende mesmo da faixa etária. Ou será que tem a ver com a profundidade da "relação"?
Tenho cá pra mim que são as duas coisas e também a frequência dos "encontros". Por exemplo, até duas vezes os envolvidos estão se "catando", especialmente os mais jovens, em pleno ambiente baladeiro. Mais que isso, as pessoas estão se "pegando" - já fora da balada, longe da turma e de olhares curiosos etc. Os mais velhos com algum horror de comprometimento dirão que estão "se conhecendo" - no sentido bíblico, obviamente.
De novo, uma oportunidade de nos encantarmos com os malabarismos feitos com as palavras, que vão ganhando outros sentidos de acordo com o interesse do usuário, o tal "deslizamento semântico" seguido pela "consagração pelo uso". Ou é só uma chance de perceber que as coisas mais simples e naturais podem ser travestidas de outras - o tal autoengano, em uma de suas variadas formas.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Gentileza alumbradora

Nestes tempos escuros, em que a sem-gracez impera, um gesto de gentileza alumbra como um farol. Dia desses mesmo, no supermercado, uma senhora que aguardava o marido pagar as compras ajudou-me a embalar as minhas. Sem dizer nada, assim sem mais. Talvez nem tenha entendido minha surpresa e o agradecimento triplo.
O melhor de tudo foi que isso me fez lembrar de outras situações similares (que não são assim tão numerosas, mas são sempre marcantes). E aí reincidi na minha fé no ser humano. Bom, muito bom!

sábado, 15 de maio de 2010

O assunto da vez

O bullying afinal estampa as capas de revistas, páginas de jornais, os noticiários. Como no caso do garoto de Porto Alegre que foi morto na última semana, por ser grande e gordo, alguém fora dos supostos padrões de aceitação social. Mais um crime sem justificativa além da do preconceito, por si só algo injustificável.
O verbo to bully significa "atemorizar ou ferir alguém mais fraco", "obrigar alguém a fazer algo por medo". O bullying é, portanto, o constrangimento finalmente institucionalizado. Sim, porque ele sempre existiu, na forma da intolerância - étnica, religiosa, sexual, de gênero. Ao longo do tempo, uma prática sempre abominável de todos os que se sentem ameaçados pelo diferente.
É preciso, porém, tomar cuidado com o termo e todas as extensões semânticas que ele acarreta. Uma coisa é fazer piada com ele, atribuindo-lhe deliberadamente sentidos absurdos para dessignificá-lo (o que não quer dizer, de maneira alguma, ignorar a dimensão do problema, que precisa mais e mais ser combatido); outra, completamente diferente, é espalhar sentidos que ele não tem só para fazê-lo caber em qualquer situação (como o chatíssimo politicamente correto). Aí não, cocada!

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O lugar das unhas coloridas ao sol

Aha! Poucas semanas depois do meu post sobre as unhas amarelas, eis que surge Glorinha Kalil comentando a "moda das unhas coloridas" - não é que a mulherada usar amarelo, azul, verde e laranja nas unhas pegou? Conservadores de plantão, tremeis!

domingo, 7 de março de 2010

A importância das unhas amarelas na megalópole

Não, não são sintoma de icterícia, hepatite ou do hábito de fumar. São simplesmente unhas cobertas de verniz amarelo; mais especificamente, do esmalte Amarelo Real, da Risqué.
As moças que quiserem experimentar vão conseguir um efeito de choque. Nas breves 24 horas em que minhas unhas ficaram pintadas com essa cor, ouvi comentários de todo tipo, inclusive os elencados acima. O que mais me chamou a atenção, porém, foi o fato de virem quase todos da ala masculina. Conservadorismo? Ou será que os moços estão mais atentos ao que acontece ao redor? Hummmm, algo para se pensar!
Não é que queira defender o amarelo como cor da moda - achei até que ficava eu mesma muito amarela com aquelas unhas. Mas vi acontecer algo parecido quando usei galochas decoradas pela primeira vez, há dois anos. Olhares indisfarçados, masculinos e femininos, por onde passava - fenômeno sociológico interessante, em especial num lugar onde galochas, decoradas ou não, são praticamente um produto de primeira necessidade.
Forçando um pouco o gancho (com base, contudo, em eventos correlatos), é bem curioso que numa cidade tão grande, uma megalópole, tantas coisas miúdas ainda provoquem espanto e coisas de espantar assomem normais. Até parece que aquela Pauliceia cantada por Mario de Andrade só fez crescer, mas em nada mudou seu espírito controverso, gigante e provinciano...

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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