sexta-feira, 3 de março de 2023

De parede em parede ou Devagar se vai ao longe

Exatamente um ano depois do desejado, consegui pintar a sala e a cozinha. Depois de marido ter me pedido para adiar meu projeto, não porque me ajudaria em outro momento mais oportuno mas porque não queria ver bagunça, passei todo esse tempo imenso remoendo quando e como retomaria a ideia - além da sempre longa temporada de chuvas, que vai de março a novembro, havia ainda a questão de quem, então, me ajudaria a tirar os móveis de lugar. 
Pois neste último Carnaval, talvez energizada pelas águas festivas da rainha do mar e porque, no final das contas, não fomos acompanhar o Microtrio em Salvador porque nossos companheiros de folia tinham viajado, resolvi que ia pintar o que faltava da casa - sala e cozinha, já que fachada, banheiro, escritório e quarto eu fui pintando ao longo dos anos, cada um num momento. Sala e cozinha eram justamente os espaços mais complicados, porque maiores e mais cheios de móveis, quadros, prateleiras etc. 
Quando avisei o marido da empreitada, disse que ia pintar uma parede da cozinha. Antes que começasse a lamúria, atalhei logo que, se precisasse de ajuda, seria mínima, que nem ia tirar algumas coisas das paredes. Enquanto ele assistia TV, eu fui tirando coisas do lugar, colocando fita-crepe no chão (que pintamos no ano passado e já está todo descascado), preparando tinta. Lentamente, sem muito alarde, pintei uma das paredes num dia. Enquanto a tinta secava, ficava estudando as outras paredes, o que seria preciso fazer para pintá-las. A cada olhada, ia ganhando mais coragem para pintar as demais. 
No outro dia, Carnaval pleno, foi a vez de uma grande parede que faz parte de cozinha e sala, com alguns quadros e dois móveis mais fáceis de tirar do lugar, mas com pé-direito mais alto - e foi preciso usar escada maior e extensor de cabo para o rolo de pintura. À medida que pintava cada trecho de parede, ia limpando os respingos no chão - inevitáveis, mesmo protegendo tudo com uma lona. Quando estava perto de acabar, vi que ainda dava tempo de pintar a parede mais alta da sala, e que merecia atenção por conta da umidade ao rés do chão (aliás, devo arrumar alguma solução para isso em breve). Precisei tirar quadros, afastar móveis, remover discos de rack e livros de prateleira.
Bem, no terceiro dia, quarta-feira de Cinzas, restaram duas paredes da cozinha, as piores, com fogão, geladeira, dois armários pesados, e uma parede da sala, a da TV, portanto mais "disputada". Testei puxar delicadamente o fogão, conseguindo o mínimo de espaço para eu conseguir pintar atrás dele, aproveitando para limpar a sujeirama acumulada. Foi relativamente fácil, daí parti para um dos armários, tirando pacientemente cada coisa de dentro dele. Puxei o armário, mesma coisa, usei o extensor para pintar as partes mais difíceis de alcançar. Fui para a parte alta da parede, com um quadro enorme que achei que não ia conseguir tirar, o da ópera "Baile de máscaras", mas tirei, limpei, coloquei de volta após pintar, uma belezinha. Armário de louça, mesma coisa, tirar tudo de dentro, limpar, puxar, pintar atrás, recolocar no lugar, devolver a louça. Por fim, a tão temida geladeira: tirar o que havia de mais pesado, puxar um pouco para a frente, usar extensor para pintar atrás. E acabei a tão temida cozinha, quase sem acreditar. E vou até colocar a plaquinha "Cozinhar é um ato político", que comprei há um ano.
Só restava a última parede, a da TV - tive de pedir para marido sair (ainda protestando que era desnecessária a pintura ali). A única coisa em que não mexi foi a maçaroca de fios atrás do rack. Aliás, nem tentei tirar o rack do lugar, porque seria preciso tirar a TV, entonces, já viu. Continuei no meu ritmo devagar e sempre, parede a parede, e acabei. Simplesmente acabei. 
Esta foi a experiência mais palpável dos últimos anos de que devagar se vai ao longe. Não serve para tudo, mas neste caso foi exemplar - acabou nem sendo tão exaustivo, porque o espírito estava preparado para pequenas conquistas, e ao final o resultado foi imenso e ótimo. 

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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