domingo, 20 de julho de 2025

Descasar também é coisa de cinema

Assisti outro dia a um filme indicado por Dani, Mon roi, da diretora francesa Maïwenn. Poderia dizer que é um filme de terror - Georgio, personagem de Vincent Cassel, é um restaurateur charmoso e abusivo que se relaciona com a advogada Tony, vivida por Emmanuelle Bercot. Ele decide tudo no relacionamento: ter um filho, o nome da criança, deixar a namorada/mulher no apartamento enquanto vai morar em outro onde recebe a ex. Georgio é claramente tóxico, mas sedutor, se faz de vítima, um puer aeternus típico, e Tony não consegue se desvencilhar, e até o fim ficamos presas ao filme, sem fôlego, à espera de que ela consiga ir embora. Terrível! Há quem diga que Maïwenn se inspirou na sua história com Luc Besson. 
Isso me fez pensar em outros filmes sobre términos difíceis de casamento após relacionamentos tóxicos. História de um casamento, de Noah Baumbach, traz o casal Nicole e Charlie, vividos pelos charmosos Scarlett Johansson e Adam Driver, vivendo o fim do casamento de forma progressivamente dolorosa. Nicole também abre mão de seus interesses em prol da relação - ela, uma atriz em ascensão, deixa tudo para cuidar da família com o marido diretor, que não abandona nem um milímetro de sua carreira. A advogada Nora, interpretada pela ótima Laura Dern, ajuda Nicole a enxergar a realidade. 
A esposa, filme de Björn Runge, traz Glenn Close no papel de Joan, mulher de Joe, premiado escritor que acabou de ser premiado com o Nobel de Literatura. É exatamente a ocasião em que Joan revê seu casamento, sua dedicação irrestrita que a levou a suplantar seu próprio talento e tornar o marido um escritor reconhecido. E decide abandonar o marido, no meio da cerimônia de premiação. Descobrimos, então, que era ela quem escrevia os livros de Joe, que também tem um ego gigante, como os companheiros das outras películas. 
Acabei hoje revendo A lula e a baleia, também de Noah Baumbach. Impressionante como esse filme de 2005, vinte anos portanto, é totalmente atual. Não há nada nele que possamos chamar de "datado", o que, no fundo, é triste: o machismo, a cultura patriarcal, o marido que manipula, que coloca para baixo para não se sentir inferior e que não suporta a ascensão da mulher - de novo, um casal de escritores. A personagem de Jeff Bridges, o marido, ainda procura alienar os filhos - o mais velho, que busca aprovação paterna, cede, mas o pequeno saca melhor a dinâmica familiar. Walt, o mais velho, tem o pai como exemplo e, ao ser desmascarado por usar uma música do Pink Floyd como sua, diz que sentia que poderia ter escrito a música - algo que seu pai provavelmente diria, no alto de sua arrogância. As mulheres são rotuladas por Walt e seu pai, homens que não amam mulheres. Mas Walt pode ter sua redenção, depois de se lembrar de ocasiões em que teve momentos especiais com a mãe e o pai nunca estava presente. E a mãe, Joan (outra Joan), vivida por Laura Linney, também já deu seu passo rumo a uma vida autônoma. 
A questão nesses filmes não é o dano do casamento em si. Todos eles tratam, na verdade, de homens narcisistas, que colocam as parceiras como apêndices, apoios de seu sucesso, e só. São incapazes de partilha, de se alegrar com as conquistas alheias. Cada vez mais temos visto a realidade de exaustão feminina nas telas - mas, diferentemente de Kramer vs Kramer, em que a mulher é retratada como a vilã que abandona o filho e o pai que, afinal, tem que fazer o básico e é visto como herói. 
Mesmo com tanto ultraconservadorismo hoje, seguimos dando um passo a cada dia, sem interromper a caminhada. Não importa quando, sempre é tempo de fazer o melhor. 

Também gregária

Gosto da minha companhia, graças à deusa. Mas também sou gregária. Se estou em grupo, participo. Claro que os diferentes grupos possibilitam isso ou não. 
Este semestre foi especialmente rico em vivências coletivas. As duas turmas que frequentei como aluna especial foram ótimas, e as aulas de fechamento de ambas seguiram a mesma linha. Senti muito afeto pelas pessoas e pude realmente fazer parte e me sentir ouvida. As imagens dos últimos encontros transbordam afetividade. Num deles, que seria on-line, algumas de nós resolvemos participar de forma híbrida, com café que teve lelê de fubá e acaçá, para fazer companhia às colegas que não puderam voltar para suas cidades - não preciso dizer mais. 
Como julho é meu mês, também me incluí em comemoração de aniversário na casa da ex-sogra, e ainda pedi bolo red velvet, perfeito! Que sorte a minha ter sido atendida! Depois, preparei um brunch em casa com amigos, dessa vez com bolo floresta negra, pães e frios, uma comilança com debates acalorados mas respeitosos. 
Uma fuzarca de vez em quando tem muito valor, ora se tem. Com comidinhas deliciosas, é puro exercício de comensalidade.   


 

Juliana e o direito de ir e vir a salvo

Fiquei tão consternada com a história de Juliana Marins, que morreu depois de cair em uma cratera na Indonésia que demorei a comentar qualquer coisa. Há muitas camadas nessa história - insegurança causada por turismo predatório (não da parte de Juliana, claro), insegurança das mulheres ao viajar, o tratamento dado ao acidente em se tratando de uma mulher latina e negra. A segunda autópsia, feita no Brasil a pedido da família de Juliana, mostra que ela morreu cerca de 32 horas depois da queda, na verdade, em uma segunda queda, escorregando pela cratera. Ela ficou mais de quatro dias ali. Morta havia mais de dois dias. Poderia estar viva se as medidas tomadas fossem as corretas. Claro que há muitos senões a ponderar. Mas o final da história de uma moça tão jovem, que sonhava em viajar o mundo com autonomia e segurança, foi terrível. 
Gostaria de ainda ver um mundo em que todas as Julianas possam ir aonde quiserem, sem medo de não voltarem para casa.  

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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