Marielle

Tão terrível quanto a sensação de perda de uma semelhante - perda para o machismo, para a violência, para o sistema político opressor - e do retrocesso de direitos tão duramente conquistados, foi ver a reação de pessoas conhecidas. No grupo de WhatsApp do colégio, os homens retrucavam que a morte dela era uma arma da esquerda, que estava "politizando" o fato quando morrem tantas pessoas, tão importantes quanto ela, todos os dias. O esvaziamento da morte, do sentido dessa morte, só esfrega na nossa cara o fundo do poço a que chegamos.
Marielle era pobre, negra, mãe solteira e bissexual. Mesmo assim, com todos esses poréns, com esses estigmas, estava entre os cinco vereadores mais votados do Rio de Janeiro na última eleição. Moradora da Maré, foi a primeira representante de uma comunidade na Câmara. Estudou Sociologia na PUC com bolsa integral e fez pós-graduação em Administração Pública na UFF. Era defensora dos direitos humanos, não só de "bandidos", como se está dizendo por aí, mas de todas as pessoas violentadas em seus direitos, como um policial morto cuja família recorreu a ela, porque ninguém mais lhe prestou ajuda. A morte de Marielle representa o silenciamento de muitos que puderam, graças a ela, ter uma voz. Que esses muitos e muitos de nós não se deixem derrotar, e façam dessa falta, dessa fome um motivo para lutar.
Vídeo sobre desigualdade salarial entre gêneros

Só sei que achei o silêncio masculino um estrondo, mas o silêncio feminino foi um escândalo.
Jacqueline

Tudo isso é sobre mulheres. Sobre lutas diárias contra o machismo, contra a desigualdade, a violência. O embate se torna maior porque muitas de nós têm despertado para essa tradição inventada da mulher-menos, da mulher-contra-mulher. Há muito mais sufragistas de causas diversas hoje, com esse despertar feminino. Sim, estamos aprendendo a lutar como garotas, e quanta força há nisso!
No dia da mulher propriamente dito, vi muitas mensagens prontas de gente que condenou Marielle, que não entendeu a história dos potes desiguais de doces, que cuspiria em Jacque se a encontrasse na rua. Muito julgamento, pouco entendimento. Muita hipocrisia, nenhuma empatia. Deve ser por isso que há tanto movimento nos céus, com satélites e meteoros despencando.
Mas nós seguimos avançando sob a noite escura.
Créditos: As três fotos foram retiradas da internet, sem identificação de autoria.
Créditos: As três fotos foram retiradas da internet, sem identificação de autoria.
Ótima reflexão e ótimas referências, Sol! Já viu Uma mulher fantástica? Assisti no dia da mulher, achei bem doído. Acho que o filme tem esse mérito: o de colocar o espectador meio que na pele da personagem... ainda sobre mulheres e opressão, série genial: Handmaid's tale. Não apenas sobre opressão da mulher na sociedade, mas também sobre como nasce o fascismo. Muito apropriado para o momento. Beijos!
ResponderExcluirSi, quero muito ver esse filme! Vou ter que baixar, mas está na minha lista. O conto da aia, andei procurando o livro na Amazon, estava esgotado. Vivo a fase, que espero que não termine, das leituras femininas de mundo, minhas e de todas. beijo enorme!
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