Mal começaram as aulas no Neim e já devo ter chorado uma meia dúzia de vezes, ouvindo aquelas histórias tão diversas e tão conhecidas. O que dizer, então, da professora Alba Motta, do alto de seus 93 anos, pioneira do núcleo, que venceu as dificuldades de locomoção para compartilhar conosco, com voz muito baixinha, suas histórias? E da presença da pequena Aya no salão da congregação da Faculdade de Direito, um espaço ainda não tomado pelas feministas? A melhor imagem dessa emoção são as mãos que se buscam na troca de afetos, na foto feita num dia intenso, dia de usar azul para vencer as demandas todas. Pelo menos por hoje, venci, vencemos.
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terça-feira, 8 de abril de 2025
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sexta-feira, 13 de outubro de 2023
"Girl" ou o quanto desconhecemos a dor do outro
Poucas vezes vi um filme tão contidamente doloroso como Girl, do jovem diretor belga Lukas Dhont. Apesar das críticas ao fato de o ator protagonista não ser uma menina trans, mas um garoto cisgênero, a performance desse jovem, Victor Polster, é irretocável, no sentido de nos levar junto na sua travessia de luta por ser quem é, sofrendo silenciosamente violências grandes e pequenas numa sociedade aparentemente progressista como a belga. Polster é bailarino, então suas cenas de dança são vertiginosas na busca da perfeição e de um lugar naquele mundo. Tem um quê de Cisne negro nessa vertigem do movimento e também na busca pela transformação - no caso de Girl, a transformação da protagonista em si mesma, naquilo que nasceu para ser, uma mulher, e uma mulher que dança.
Neste momento preciso, no Brasil, a comunidade LGBTQIA+ sofreu um baque na garantia de seus direitos. Justamente os direitos de existirem, de constituírem família, de simplesmente serem. Apesar da vitória de Lula, sabíamos que a luta não findaria, e a ultradireita continua seus ataques obscenos contra os direitos humanos. Apesar da insipiência argumentativa, eles detêm o capital financeiro que direciona as leis. E o mundo parece cada vez mais do avesso quando vemos parte da humanidade zelosa em promover a infelicidade alheia.
Isso tudo, os ataques reais e os ataques que a personagem de Girl sofre (mesmo com todo o apoio familiar, as jovens bailarinas exigindo que ela mostre seu membro, e toda a pressão para que não se misture às outras meninas, chegando ao fim trágico da mutilação), me fazem lembrar da fala de Rubem Alves no documentário Eu maior, sobre a tragédia grega e a compreensão de Nietzsche acerca dela, de que os gregos não se entregavam à inevitável tragédia da vida porque cultivavam a beleza. Hoje está mais difícil pensar na beleza em meio ao horror cotidiano, até porque a arte e a natureza, portadoras dessa beleza, também têm sido violentadas.
Talvez por isso tudo a dor silenciosa em Girl soe como a mais perfeita tradução para esse sofrimento que muitas e muitos de nós não conhecemos, mas que justamente por isso não devemos ignorar. Nisso é que residem a empatia e a verdadeira compaixão, e são elas que nos fazem verdadeiramente humanos.
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quinta-feira, 29 de abril de 2021
Multi, pluri, inter, trans
Mulher de sorte, encontrei uma disciplina on-line na Faculdade de Educação que tinha tudo a ver com minhas pesquisas solo atuais. Mais sortuda ainda, fui aceita como ouvinte pelo professor. Fiquei felicíssima, porque ia ouvir muitos alguéns - o professor e todos os interessados no tema - tecendo relações entre multiculturalismo, educação e Paulo Freire, bell hooks, Rancière e tal. Freire, por quem me apaixonei antes da faculdade e que voltou muito a propósito e com força nos últimos tempos, sobretudo nos meus questionamentos sobre existir no mundo e fazer o que dessa existência, e bell hooks, que conheci há pouco tempo e que já amo.
Fiquei animada ao atestar a organização do professor, que disponibilizou os textos e o link das aulas com antecedência. Apliquei-me nas leituras, em princípio mais simples para mim. Em princípio.
Como estou me iniciando nos debates específicos sobre multiculturalismo, tema premente, fico mais observando que arriscando pitacos. E só depois de muito ouvir resolvi organizar minhas ideias e compartilhá-las, por escrito, com o professor, que parece muito disponível na interação para além da videoconferência semanal.
Enviei-lhe então um e-mail com várias percepções pessoais sobre o tema, considerando as sincronicidades todas que têm acontecido desde que tive um clique a respeito.
Porque havia assistido a Ailton Krenak no Roda Viva, com sua linda imagem da dança cósmica, falar sobre os inter-universos possíveis na imensa diversidade indígena, a nos lembrar que índio não "é tudo igual". Como povos negros. Como povos orientais - e me lembrei de minha irmã sendo agredida no metrô do Rio, chamada de "chinesa suja", o preconceito e a ignorância mastigados pela boca de uma mulher idosa. Essa mulher provavelmente gostaria do texto de João Pereira Coutinho, colunista da Folha, intitulado "Escrita inclusiva não passa de uma fantasia da indústria de justiça social", que li um dia depois de ver Krenak brilhando na TV Cultura - o cronista ultraconservador ridicularizava as reivindicações culturais particulares dos grupos não dominantes, dizendo, em resumo, que dali a pouco a ciência seria contaminada pelas mandingas próprias desses grupos (chegando a dizer, para se ter a medida de seu preconceito, que seriam colocados búzios sobre os olhos de um paciente em vez de se receitar um fármaco qualquer). No texto de Coutinho, em inteira oposição à fala de Krenak, o padrão da branquitude conservadora, talvez defensora do multiculturalismo desde que adequado a esse padrão.
Escrevi também porque, sincronisticamente, havia assistido a Sankofa, na Netflix, documentário sobre as Áfricas possíveis e existentes na viagem de um fotógrafo e de um professor universitário. De novo, as diversidades exigindo serem vistas.
Escrevi também porque, sincronisticamente, havia assistido a Sankofa, na Netflix, documentário sobre as Áfricas possíveis e existentes na viagem de um fotógrafo e de um professor universitário. De novo, as diversidades exigindo serem vistas.
Ainda por cima, ouvi Rita von Hunty indagando sobre quem cuida das crianças trans, em meio ao debate da aprovação do PL 504, que pretendia proibir a publicidade LGBTQ+. Rita falava da insistência no padrão familiar hetero e branco que acaba por, de novo, invisibilizar todos que sejam diferentes dele, como a população negra e LGBTQ+. Como Fernando, Alexandre e Lucas, os garotos desaparecidos no Rio de Janeiro desde dezembro e sobre quem ninguém fala, como Keron e Pietra, jovens trans assassinadas no Ceará este ano.
Falei da minha consciência tardia acerca dos abusos e da falta de representatividade de mulheres, não heteros e não brancos. Tão perto dos 50 anos me dei conta de que sempre estivemos à margem e que acabamos reproduzindo os estereótipos, procurando nos igualar ao padrão correto e, pior, fortalecendo a opressão.
Comentei sobre minhas pesquisas recentes e sobre o que ouvi de colegas do curso atual a respeito de acolhimento, lugar de fala, assumir ou não o privilégio branco e como tudo isso me leva a pensar de que forma podemos construir um mundo de aceitação das diversidades, uma aceitação de fato, integral, levando em conta que nem sempre haverá harmonia entre elas. Falei sobre a angústia que permeia esses questionamentos, já que estamos tão condicionados a chegar a conclusões últimas, a solucionar coisas e, por isso, sofremos com a falta de repostas. Que talvez as perspectivas nos livrem da completa angústia, sobretudo se forem pautadas na justiça social. Que talvez não precisemos de uma resposta pronta, mas de um caminho possível, trilhado sobre luta, arte, compaixão e justiça. Porque penso que esse caminho teria mais a ver com a ideia de se deixar atravessar pelo outro, de aceitar o plural, de promover a interação, de não se render ao conceito do mero multiculturalismo que temos discutido.
Ele me respondeu rapidamente, lamentando uma "visão fechada", que depois leria minha "carta" com calma. Ah, como senti não me ter feito entender! Especialmente por quem eu cria que pensasse o mesmo que eu. Mas, para além de uma inépcia minha para a clareza da escrita, isso denota também os riscos próprios da transculturalidade, da pluralidade, da diversidade, enfim. Mesmo que nos ofereçamos de peito aberto, nem sempre o outro desejará passar através de nós. Talvez, apesar do discurso, não saiba como. Talvez, apesar do discurso, o problema seja justamente o silenciar, como diz Krenak.
Ele me respondeu rapidamente, lamentando uma "visão fechada", que depois leria minha "carta" com calma. Ah, como senti não me ter feito entender! Especialmente por quem eu cria que pensasse o mesmo que eu. Mas, para além de uma inépcia minha para a clareza da escrita, isso denota também os riscos próprios da transculturalidade, da pluralidade, da diversidade, enfim. Mesmo que nos ofereçamos de peito aberto, nem sempre o outro desejará passar através de nós. Talvez, apesar do discurso, não saiba como. Talvez, apesar do discurso, o problema seja justamente o silenciar, como diz Krenak.
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terça-feira, 20 de março de 2018
Like a girrrrrrrl
Eu ia fazer um post sobre o dia da mulher. Mas a oportunidade da data passou. E aconteceu tanta coisa terrível e/ou louca nos últimos dias que o tom se tornou mais sombrio, embora não menos aguerrido.
Marielle
Poucos dias depois do dia da mulher, Marielle Franco, vereadora carioca defensora dos direitos humanos, sobretudo de negros, mulheres e público LGBT, foi exterminada no interior de um carro quando voltava de um evento público.
Tão terrível quanto a sensação de perda de uma semelhante - perda para o machismo, para a violência, para o sistema político opressor - e do retrocesso de direitos tão duramente conquistados, foi ver a reação de pessoas conhecidas. No grupo de WhatsApp do colégio, os homens retrucavam que a morte dela era uma arma da esquerda, que estava "politizando" o fato quando morrem tantas pessoas, tão importantes quanto ela, todos os dias. O esvaziamento da morte, do sentido dessa morte, só esfrega na nossa cara o fundo do poço a que chegamos.
Marielle era pobre, negra, mãe solteira e bissexual. Mesmo assim, com todos esses poréns, com esses estigmas, estava entre os cinco vereadores mais votados do Rio de Janeiro na última eleição. Moradora da Maré, foi a primeira representante de uma comunidade na Câmara. Estudou Sociologia na PUC com bolsa integral e fez pós-graduação em Administração Pública na UFF. Era defensora dos direitos humanos, não só de "bandidos", como se está dizendo por aí, mas de todas as pessoas violentadas em seus direitos, como um policial morto cuja família recorreu a ela, porque ninguém mais lhe prestou ajuda. A morte de Marielle representa o silenciamento de muitos que puderam, graças a ela, ter uma voz. Que esses muitos e muitos de nós não se deixem derrotar, e façam dessa falta, dessa fome um motivo para lutar.
Vídeo sobre desigualdade salarial entre gêneros
No mesmo famigerado grupo de WhatsApp do colégio, minha sorella Karen postou um vídeo fofo que anda circulando nas redes, que mostra a necessidade de condições salariais iguais para homens e mulheres. Duplas formadas por um menino e uma menina realizam uma tarefa. Ao final, cada dupla recebe sua recompensa, um pote de doces para cada um. O pote das meninas contém bem menos doces que o dos parceiros. O instrutor pergunta a cada dupla se sabe por que as meninas receberam menos, e revela que é porque elas são meninas. Os garotos mostram surpresa e as meninas, indignação. A conclusão da existência da desigualdade de gêneros fez o grupo do colégio, tão falante e opinioso no caso de Marielle (que estavam chamando de Mirella), se calar. Cricricri. Medo da polêmica? Medo de discordar do óbvio? Medo de "parecer" machista?
Só sei que achei o silêncio masculino um estrondo, mas o silêncio feminino foi um escândalo.
Jacqueline
Ainda por esses dias, peguei já iniciado um documentário no Canal Brasil, "Meu nome é Jacque", sobre a ativista de direitos LGBT Jacqueline Rocha Côrtes, transexual e soropositiva. Despretensioso, parece ser a história de uma dona de casa comum. Aos poucos você descobre uma mulher num corpo de homem, lutando para se libertar, graças a Deus com o apoio incondicional da família, especialmente da mãe. Uma mulher que consegue ser quem é e que passa a ajudar milhares de pessoas em suas lutas (sim, no plural, porque são muitas lutas) pela individuação. Jacque chega a ser uma liderança na ONU, mas prefere ir viver com o marido em Araruama. Ao fim do documentário, descobrimos que ela consegue realizar o sonho de ser mãe, adotando dois irmãos. Tão merecedora de tudo que conquistou, Jacque alegrou meu coração numa semana de contrasensos e evidências tristes.
Marielle

Tão terrível quanto a sensação de perda de uma semelhante - perda para o machismo, para a violência, para o sistema político opressor - e do retrocesso de direitos tão duramente conquistados, foi ver a reação de pessoas conhecidas. No grupo de WhatsApp do colégio, os homens retrucavam que a morte dela era uma arma da esquerda, que estava "politizando" o fato quando morrem tantas pessoas, tão importantes quanto ela, todos os dias. O esvaziamento da morte, do sentido dessa morte, só esfrega na nossa cara o fundo do poço a que chegamos.
Marielle era pobre, negra, mãe solteira e bissexual. Mesmo assim, com todos esses poréns, com esses estigmas, estava entre os cinco vereadores mais votados do Rio de Janeiro na última eleição. Moradora da Maré, foi a primeira representante de uma comunidade na Câmara. Estudou Sociologia na PUC com bolsa integral e fez pós-graduação em Administração Pública na UFF. Era defensora dos direitos humanos, não só de "bandidos", como se está dizendo por aí, mas de todas as pessoas violentadas em seus direitos, como um policial morto cuja família recorreu a ela, porque ninguém mais lhe prestou ajuda. A morte de Marielle representa o silenciamento de muitos que puderam, graças a ela, ter uma voz. Que esses muitos e muitos de nós não se deixem derrotar, e façam dessa falta, dessa fome um motivo para lutar.
Vídeo sobre desigualdade salarial entre gêneros

Só sei que achei o silêncio masculino um estrondo, mas o silêncio feminino foi um escândalo.
Jacqueline

Tudo isso é sobre mulheres. Sobre lutas diárias contra o machismo, contra a desigualdade, a violência. O embate se torna maior porque muitas de nós têm despertado para essa tradição inventada da mulher-menos, da mulher-contra-mulher. Há muito mais sufragistas de causas diversas hoje, com esse despertar feminino. Sim, estamos aprendendo a lutar como garotas, e quanta força há nisso!
No dia da mulher propriamente dito, vi muitas mensagens prontas de gente que condenou Marielle, que não entendeu a história dos potes desiguais de doces, que cuspiria em Jacque se a encontrasse na rua. Muito julgamento, pouco entendimento. Muita hipocrisia, nenhuma empatia. Deve ser por isso que há tanto movimento nos céus, com satélites e meteoros despencando.
Mas nós seguimos avançando sob a noite escura.
Créditos: As três fotos foram retiradas da internet, sem identificação de autoria.
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