segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Continue a nadar

Eu ia postar somente sobre o filme Nyad, com as maravilhosas Jodie Foster e Annette Bening, mas calhou de ontem de eu ter ido ver Ritchie na Concha Acústica e acho que as duas coisas se complementam perfeitamente. E também ter assistido, num outro dia, ao ótimo Quantos dias, quantas noites, documentário de Cacau Rhoden sobre finitude e velhice. 
Nyad é a história da nadadora Diana Nyad, que, depois de amargar na juventude o insucesso da travessia marítima de Cuba à Flórida, resolve, com mais de 60 anos, realizar o feito. Annette Bening nos arrebata no papel da nadadora obcecada e algo intratável, sobretudo por se mostrar na idade que tem - ela, que foi uma diva do cinema e se mostra ainda melhor sem o disfarce da beleza juvenil. Ela é escudada pela talentosíssima Jodie Foster, que vive sua amiga e treinadora - e vemos que o filme tem como pano de fundo uma competição consigo mesma, mas é muito mais que isso, é sobre amizade, solidariedade, afeto, confiança, envelhecimento. 
O documentário Quantos dias, quantas noites trata também do envelhecimento, tanto no seu aspecto de longevidade, uma realidade a que cada vez mais se assiste no mundo todo (apesar da fome, crises humanitárias, guerras), quanto no de aceitação da finitude - sim, estamos indo longe, mas uma hora o caminho acaba. E o que fazemos com essa verdade inviolável? Há vários momentos tocantes no documentário, mas eu destacaria dois, o da jovem ativista de cuidados paliativos AnaMi, que aceita sua finitude na luta contra o câncer, se despedindo sem desesperos da vida (ela morreu poucos dias depois de assistir ao doc pronto), e o de Mona Rikumbi, bailarina cadeirante de cerca de 50 anos que celebra a vida de maneira contagiante. Ambas mostram, para além da relação com longevidade e finitude, como se relacionam com o que a vida lhes trouxe. A lição parece simples, mas é preciso que se repita sempre: se tiver que descascar cebolas, descasque cebolas. Ou, uma vez no mar, continue a nadar - já nos ensinou a peixinha Dory. 
Quando vi aquelas milhares de pessoas, a maioria entre 50 e 70 anos, lotando a Concha Acústica para ver Ritchie, vi que estavam não só em busca da nostalgia das canções de 40 anos atrás, mas presentes numa experiência de grande alegria, cantando, dançando, recordando o bom do amor. Lá estava Ritchie, do alto dos seus 71 anos, ainda fazendo o que sabe fazer tão bem, embalando nossas histórias, mas com novas camadas, como a homenagem feita a várias mulheres, entre elas Zilda Arns, Angela Davis, Maria da Penha, Marielle Franco e Rita Lee. E quando a gente vai atrás dessa experiência de alegria percebe que também continua a nadar, mesmo achando que não sabe. 

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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