Mostrando postagens com marcador envelhecimento. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador envelhecimento. Mostrar todas as postagens

domingo, 30 de março de 2025

Sonhos não envelhecem, a gente sim

 
Uma vez na Bahia, eu já tinha pensado em estudar na UFBA, mesmo quando morava a mais de 50 km de distância; já tinha descoberto um dos núcleos interdisciplinares, quando nem me imaginava morando na capital. 
Quando me mudei para Salvador, me vi ao lado do campus da universidade, sem ter planejado isso. Claro que disse para mim mesma que teria de fazer alguma coisa ali, nem que fosse só frequentar a feira agroecológica (o que de fato comecei a fazer, só para esquentar os motores). Depois comecei a frequentar a escola de dança, e por fim me matriculei como aluna especial do Poscultura. 
Este ano, consegui me matricular no Neim - eu tinha enviado uma mensagem há uns cinco anos, perguntando como fazer para integrar o grupo do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Mulher. Como fui ficando escolada no calendário da universidade, pude me inscrever para o processo de aluna especial na época certa. E lá fui eu, fazer duas disciplinas, marmita rosa na bolsa, voltando com uma coleção de livros de presente.
A primeira aula foi muito emocionante, especialmente por ouvir tantas histórias de mulheres retornando ao ponto onde pararam - pelos motivos já sabidos, família, trabalho, cuidar do outro -, o que não ouvi muito no curso anterior, com maioria masculina - e não há acaso nenhum nisso. Uma colega do Rio comentou comigo que achava que já conhecia todas as novas companheiras, eu respondi que é porque já conhecia mesmo - sendo tão diversas, temos tanto em comum que até chegamos a esse mesmo lugar. 
Eu me vejo de cabelos mezzo brancos, mezzo escuros, o inevitável envelhecimento, voltando à sala de aula, agora valendo, com o friozinho na barriga do primeiro dia de aula de sempre. Fiquei encantada com as falas de esperança, luta, revolução, afeto, justiça, e quase comecei a chorar no meio da aula - e chorei, quando uma jovem colega compartilhou sua história de primeira pessoa a se formar na família, sua descoberta de um lugar na capoeira e agora recém-aprovada no mestrado, afe! Haja coração, haja coragem para seguir andando, porque os sonhos aí estão, vivos, à nossa espera como flores no caminho, sem se aperceberem da cor da nossa pele, da cor dos nossos cabelos. Bituca, Márcio e Lô sabem de tudo, os danados.

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Senescência na ordem do dia e do processo inescapável da vida

A população mundial cada vez mais é composta de velhos, em comparação com as demais faixas etárias. O Brasil, mergulhado nas suas desigualdades históricas, acompanha como pode esse fenômeno. Parece um contrassenso caminharmos para o ápice da pirâmide etária, para a maior expectativa de vida, ao mesmo tempo que o planeta vai cada vez menos deixando de ser um lugar viável para a humanidade - não nos esquecendo, claro, que a culpa dessa inviabilidade é quase toda nossa. 
Não é à toa, portanto, que há um interesse crescente nessa população, tanto em termos de pesquisa quanto em um viés consumista. Por fim, surgiram produtos voltados para o público 50-60-70+, e não apenas medicamentosos e geriátricos. Produtos ligados à saúde, ao bem-estar, à beleza, próprios de gente que tem escolhido se cuidar e viver mais e melhor - claro que, para quem pode pagar, sempre há de tudo, em qualquer faixa etária, não nos esqueçamos também disso. 
Em termos de pesquisa, tem havido uma distinção entre senescência e senilidade. A senescência tem a ver com o fenômeno natural de envelhecimento, enquanto a senilidade indica doenças e limitações que vitimam os idosos. Essa distinção deve ajudar esse grupo nas tratativas com planos de saúde, já que não necessariamente ser velho é sinônimo de ser doente, mas principalmente faz com que a sociedade volte sua atenção para essas pessoas, que continuam a existir, e naturalize o envelhecimento. 
No cinema, a arte visual mais popular, cada vez mais vemos protagonistas mais velhos. Não como um ator velho que é convidado para aquele papel, sobretudo homens à la Clint Eastwood. Agora é a situação de uma pessoa velha que está em pauta. O que fazem os velhos, onde vivem? Estas são as questões que estão na ordem do dia. Outro dia falei sobre o filme Nyad, com Annette Bening no papel da nadadora de mais de 60 anos que faz uma travessia marítima desafiadora. Temos visto atrizes que eram musas pedindo para não terem sua aparência retocada, disfarçada. Jodie Foster, que participou da Nyad e foi protagonista da nova temporada de True Detective, mostrou cada uma de suas rugas em cena. A também sexagenária e belíssima Isabella Rosselini pediu para não usar maquiagem na capa da Vogue. Ontem assisti ao excelente Boa noite, Leo Grande, com a querida Emma Thompson, que retrata uma mulher madura, viúva, que resolve contratar um garoto de programa em busca de experiências que ela nunca teve na vida, inclusive um orgasmo. Boa parte da fala de Thompson é sobre como a mulher que envelhece é vista, e ela inclusive se mostra, nua, com as tintas da senescência natural humana. 
Mas o fato é que encarar a velhice não é fácil, principalmente a fragilidade que vem a reboque. No adorável filme Ella e John, um casal de idosos resolve pegar a estrada, mesmo com todas as limitações da senilidade - cardiopatia, Alzheimer, dificuldade em dirigir. No mundo real, além de notícias de pessoas queridas que encararam ou encaram recentemente alguma doença, passei três semanas com minha mãe, que se recuperava de uma cirurgia num dos joelhos após uma queda. Embora ela praticamente não me tenha dado trabalho - conseguia andar, mesmo muito devagar, tomava banho sozinha, tomava seus inúmeros medicamentos, aplicava insulina -, foi muito aflitivo constatar o seu envelhecimento com várias limitações, como diabetes, cardiopatia e pressão alta, além de ela enxergar pouco, o que explica muitas das suas quedas. Creio que, além de me angustiar como será a vida de minha mãe daqui até o final (e então vêm todos os imbróglios familiares imagináveis), o mais difícil foi ver nela um espelho, e também pensar em como será envelhecer em uma realidade tão caótica, talvez mais precária que hoje. Imaginar o futuro tem sido angustiante em vários sentidos, portanto. 
Então ontem, enquanto pensava mais uma vez e cada vez mais em possibilidades pouco animadoras, eu a vi, a pequena borboleta, pousada na rede de proteção. Resistindo ao vento, que tem sido forte nessa época que já anuncia chuvas mais intensas. Existindo, resistindo, talvez descansando, talvez se preparando para novo voo, mas principalmente sendo o que nasceu para ser. Como em outros momentos da minha vida, uma beleza alada apareceu para lembrar dos ciclos a que estamos sujeitos, entre nascer e morrer, passado e futuro. Mas, no meio disso tudo, o presente, o conhecido, o inescapável viver. 

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Continue a nadar

Eu ia postar somente sobre o filme Nyad, com as maravilhosas Jodie Foster e Annette Bening, mas calhou de ontem de eu ter ido ver Ritchie na Concha Acústica e acho que as duas coisas se complementam perfeitamente. E também ter assistido, num outro dia, ao ótimo Quantos dias, quantas noites, documentário de Cacau Rhoden sobre finitude e velhice. 
Nyad é a história da nadadora Diana Nyad, que, depois de amargar na juventude o insucesso da travessia marítima de Cuba à Flórida, resolve, com mais de 60 anos, realizar o feito. Annette Bening nos arrebata no papel da nadadora obcecada e algo intratável, sobretudo por se mostrar na idade que tem - ela, que foi uma diva do cinema e se mostra ainda melhor sem o disfarce da beleza juvenil. Ela é escudada pela talentosíssima Jodie Foster, que vive sua amiga e treinadora - e vemos que o filme tem como pano de fundo uma competição consigo mesma, mas é muito mais que isso, é sobre amizade, solidariedade, afeto, confiança, envelhecimento. 
O documentário Quantos dias, quantas noites trata também do envelhecimento, tanto no seu aspecto de longevidade, uma realidade a que cada vez mais se assiste no mundo todo (apesar da fome, crises humanitárias, guerras), quanto no de aceitação da finitude - sim, estamos indo longe, mas uma hora o caminho acaba. E o que fazemos com essa verdade inviolável? Há vários momentos tocantes no documentário, mas eu destacaria dois, o da jovem ativista de cuidados paliativos AnaMi, que aceita sua finitude na luta contra o câncer, se despedindo sem desesperos da vida (ela morreu poucos dias depois de assistir ao doc pronto), e o de Mona Rikumbi, bailarina cadeirante de cerca de 50 anos que celebra a vida de maneira contagiante. Ambas mostram, para além da relação com longevidade e finitude, como se relacionam com o que a vida lhes trouxe. A lição parece simples, mas é preciso que se repita sempre: se tiver que descascar cebolas, descasque cebolas. Ou, uma vez no mar, continue a nadar - já nos ensinou a peixinha Dory. 
Quando vi aquelas milhares de pessoas, a maioria entre 50 e 70 anos, lotando a Concha Acústica para ver Ritchie, vi que estavam não só em busca da nostalgia das canções de 40 anos atrás, mas presentes numa experiência de grande alegria, cantando, dançando, recordando o bom do amor. Lá estava Ritchie, do alto dos seus 71 anos, ainda fazendo o que sabe fazer tão bem, embalando nossas histórias, mas com novas camadas, como a homenagem feita a várias mulheres, entre elas Zilda Arns, Angela Davis, Maria da Penha, Marielle Franco e Rita Lee. E quando a gente vai atrás dessa experiência de alegria percebe que também continua a nadar, mesmo achando que não sabe. 

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

Arquivo do blog