domingo, 22 de junho de 2014

Lindeza popular

Amo a arte popular. Adoro essa inocência que reveste a sabedoria do povo mais povo de todos, os talentos escondidos que avultam em obras-primas que pouca gente conhece. E me sinto pertencendo a esse POVO maior, quase uma entidade que paira sobre nós e de cujas maravilhas só os mais atentos conseguem desfrutar.
Esse espanto epifânico também me toma quando vejo alguma exposição de povos antigos, dos nossos ancestrais. Aquela história do pertencimento, de novo e sempre.
E aí me lembro de Guimarães Rosa, de Riobaldo e Diadorim. De Manuelzão e Miguilim. Do sertão que conheço mais de filmes, livros e fotos, mas que mora em mim. Do agreste e dos interiores brasileiros. Do mar e dos rios. Dos mares de morros, tão amados. Das areias e pedras, dos azuis e verdes. Do barro, da madeira, dos fios. Um trem das cores brasileiro.
Dos Geraes a descobrir, do Jequitinhonha sonhado, do Opara São Francisco que me espera. Do encontro entre o Negro e o Solimões. E o meu barco de imagens, histórias e sonhos segue baloiçando pra lá e pra cá... Singrando pelas águas do meu inconsciente tão consciente de si.
E nessa viagem me deparo com o bordado lindo do boi de João Câncio e com o boi vermelho todo natureza de Manuel Eudócio. Com os mamulengos ancestrais. Com as profissões representadas pelos figureiros - a rendeira de todas as culturas e épocas, o fotógrafo, a engenheira. E Lampião up-to-date diante do computador. A fila no supermercado. A senhorinha posando para retrato.
São Francisco do Cangaço, uma boa combinação. O santo teria se arretado contra o que é feito do rio epônimo e da flora e fauna que dele dependem; talvez saísse mesmo no trabuco contra a exploração da natureza e as injustiças sociais. Talvez venham daí os olhos tristes.
E se Lampião fosse uma sereia? Manuel Galdino botou em prática o pensamento atrevido - provavelmente, ele deixaria a brabeza de lado se morasse ao lado do mar. Talvez...
O sinaleiro dos ventos, de 3 metros de altura, de Francisco Rosa dos Santos, do Paraná.
A linda e assustadora carranca do Mestre Guarany, para se precaver de todo mal, para levar a salvo quem navega.
Lampião e sua Maria Bonita, ícones sertanejos (mas até quando? até quando resistirá a memória sertaneja ainda propagada pelos cordelistas em tempos de comunicação virtual?).

As sabenças dos artistas. Dona Isabel, que não teme a vida nem se assusta com o regime de secas e enxurradas do Jequitinhonha porque sabe que as águas "soltas na terra só fazem o que querem". É ela também que diz que "a liberdade é perigosa" - como viver, não é assim, Riobaldo?
O alumbramento dos pequenos diante da Sapucaí animada por 1 minuto que abre as portas da eternidade.
Vitalino e seus vaqueiros, e os filhos de Vitalino perpetuando essa tradição de simplicidade no tudo dizer.
E até o meu selfie involuntário traz Vitalino, junto com o barco que abre as águas do São Francisco. O rio-mar corre invisível e silencioso pela exposição, lavando a alma de todos os presentes, de todos os brasileiros.
Exposição no Sesc Belenzinho, O Brasil na Arte Popular -
Acervo Museu Casa do Pontal

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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