domingo, 7 de outubro de 2018

Eleições em época de horror

Hoje teremos o primeiro turno de um dos pleitos mais assustadores dos últimos tempos, porque um dos favoritos é epítome do horror, do retrocesso, da intolerância, e estamos à beira do precipício até o último momento - e espero que não caiamos nele. Do outro lado, o partido que não consegue fazer uma avaliação crítica de si, se eleito, corre o risco de não conseguir governar, e as trevas também se avizinham por ali, embora talvez não de forma tão dramática quanto no primeiro caso.
Ao longo da campanha política, tenho visto de tudo - amigos sendo ameaçados publicamente por serem de esquerda, amigos mais distantes destilando sua amargura contra a esquerda, gente tentando justificar o injustificável: votar em um homem bizarro, que mal consegue articular as palavras e ideias, e logo começa a gritar como plataforma eleitoral, bradando contra mulheres, homossexuais, índios e negros. Quem, em sã consciência, pode considerar que essa pessoa seja a melhor opção para o governo de um país? Certamente, quem está tomado pelo mesmo ódio contra o restante da humanidade, que inclui mulheres, homossexuais, índios e negros. Aliás, como pode uma mulher votar nele? Somente aquelas que não conseguiram ainda se despir da imagem retrógrada de mulher construída por uma sociedade machista, as que dão graças por terem um trabalho, mesmo ganhando menos que os homens, por terem um homem, mesmo que as diminua de alguma forma, por terem uma família, mesmo infeliz. Incompreensível, todavia. Injustificável. Daí se tem ideia do tamanho do abismo social em que vivemos.
Hoje tenho medo, vontade de chorar. Tempos sombrios se avizinham. Já temos experimentado a intolerância e a loucura nos discursos, que sejamos livrados de um mal maior. Hoje tudo me faz lembrar Drummond. Que tenhamos ainda direito à beleza, à arte, à educação, à fraternidade.

Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista pela janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicidas,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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