Quando estive com Carlos no ano passado, entre tantos assuntos da nossa conversa nunca longa o bastante, falamos sobre voz. Acho que o assunto começou porque ele comentou sobre minha capacidade de manter múltiplos interesses distintos do trabalho, como cantar. Daí passamos à questão da impostação da voz, da importância que isso sempre teve para nós, por motivações diferentes, mas com o mesmo fim: sermos ouvidos.
Pequena ainda, devo ter percebido o efeito de falar alto e claramente nas primeiras declamações em público, depois na peça escolar. Mas, no decorrer da vida, ao mesmo tempo que ouvia que deveria trabalhar com a voz, havia quem dissesse que eu falava muito alto, que eu precisava me conter. Se, para Carlos, era importante impostar a voz para se colocar no mundo, no meu mundo feminino era preciso o contrário, não demonstrar força. Por bastante tempo, acabei reservando a potência somente para as situações em sala de aula.
O canto, contudo, sempre esteve ali. Sem pretensões de brilho, mas por uma necessidade da alma. E quando cheguei a Salvador foi uma das coisas que me ocorreram retomar. A pesquisa Google me indicou os cursos de extensão da UFBA; entrei em contato, havia perdido a inscrição. Fui fazer outras coisas, mas este ano priorizei me inscrever na EMUS, a escola de música da universidade. Depois de preencher o formulário, achei que não iriam me chamar para o teste, pois a tudo respondi com não - sabe cantar, sabe tocar, sabe ler partitura?
Contudo, recebi um email falando dos dias e horários dos testes. Quando chegou a data, pensei em não ir. Mas, arianamente, fui. Na minha vez, fui tomada pelo nervosismo, que só aumentou quando vi a banca de três jovens professores e eles me perguntaram "o que eu ia cantar pra eles". Eu não tinha preparado nada, imagine o disparate. Daí cantei o que me ocorreu, Lenine por Virgínia Rosa - que eles, aliás, não conheciam.
Para resumir a história, depois de eu ter descido a Centenário meio chorando, meio cantando, fui aprovada para uma turma, que, depois descobri, só tem mulheres mais velhas. Pelo que disse a jovem professora, egressa da Paraíba, ela esperava fazer uma espécie de coral conosco, pois era parte da sua experiência anterior, um coral da terceira idade. Contudo, ela logo viu que não seria possível, pois cada uma das cinco maduras tinha uma expectativa, menos a de ser cantora de coral. Essas aulas têm tudo para serem interessantíssimas, portanto.
Além do mais, o prédio da EMUS me lembra os puxadinhos do Anglo. A decadência é compensada pelo trânsito de jovens, velhos e crianças em busca de algo mais belo que o cotidiano. Cada um em busca de sua voz, de seu som, de seu timbre único, belo e incomparável.