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sexta-feira, 20 de junho de 2025

Questões de classe(s)

Há alguns dias, fui assistir ao novo filme de Juliette Binoche, Entre dois mundos, do diretor francês Emmanuel Carrère. De cara, me lembrei de Dias perfeitos de Wim Wenders, por Carrère mostrar a rotina de trabalhadoras na limpeza de banheiros e cabines de navio. Claro, são duas propostas muito diferentes, o longa de Wim Wenders se assemelha a um haikai, tamanha sua capacidade de captar a poesia do cotidiano. O filme de Carrère pouco tem de poético, leva-nos num moto-contínuo de trabalho exaustivo junto com as mulheres contratadas por agências para limpar a sujeira alheia enquanto lidam com seus próprios dramas, a maioria deles produzido pela falta de recursos materiais e emocionais. Embora a gente torça para um real envolvimento da personagem de Binoche com suas colegas, a realidade fala mais alto, e ela não sobe novamente na balsa com elas depois de ter conseguido lançar seu livro, um sucesso, aliás, justamente a respeito daquelas trabalhadoras. A classe continua a determinar as distâncias, apesar do interesse "antropológico" da protagonista. 
Como se trata de um filme sobre as classes operárias, poderíamos lembrar também de Ken Loach, quase um E. P. Thompson das telas, outro britânico que traz os desvalidos para o centro da cena, nunca de forma redentora, mas dolorosamente solidária e sem atravessadores de ocasião. Mas, mesmo com a dureza da vida proletária traduzida pelos seus não atores, Loach mostra, como Carrère, que existem mesmo dois mundos separados, não mais proletários e patrões, mas explorados e exploradores. E ainda há quem queira reduzir tudo a questões de "identitarismo", quando o que temos é uma minoria interessada na manutenção da miséria para não abrir mão de seus privilégios. 
Que a arte, seja a de Carrère ou a de Loach, nunca nos deixe esquecer do que se trata.  

https://rollingstone.com.br/media/_versions/2025/05/binoche-conduz-reflexao-sobre-etica-e-invisibilidade-no-drama-entre-dois-mundos_widelg.jpg

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Como demorei tanto a assistir "Eu, Daniel Blake"?

Eu, Daniel Blake, filme de Ken Loach de 2016, já estava na minha lista de "assistíveis" na Netflix desde que entrou no catálogo do streaming, há uns dois anos. Sempre que Guga me perguntava sobre o que eu queria assistir, eu sugeria o título, mas acabava não emplacando diante do desinteresse do marido. Pessoalmente, eu achava que o filme era bastante dramático e sério, e também fui deixando-o para o final da lista, para quando eu estivesse no mood equivalente para assisti-lo.
E então, agora no início de janeiro, Guga topou assistir ao filme. Aproveitei a deixa, antes que ele librianamente mudasse de ideia, e vimos.
Cara, como diz o título do post, como pude demorar tanto a assistir a esse filme? Já entrou para o meu top 20, ao lado de O segredo dos seus olhos, O labirinto do fauno, Julie & Julia, O Grande Hotel Budapeste, Um conto chinês, Interestelar, Central do Brasil, Quem quer ser um milionário?, Minhas tardes com Margueritte, Oldboy, O carteiro e o poeta. Embora a trama seja muito menos mirabolante do que a dos filmes citados, ficamos sem fôlego ao acompanhar a luta de Dan Blake para vencer a burocracia estatal e conquistar um direito que é seu, algo tão entranhado na cultura brasileira que nem nos damos conta do quão absurdo e abusivo é. 
Mas Blake não se dobra nunca, o que é o grande tempero do filme. É firme sem querer parecer invencível, e não apela para a autopiedade mesmo prestes a isso. Não é artificialmente heroico, como poderia ser em algum longa norte-americano, mas sim justo e solidário. Que poder tem a solidariedade! De novo, uma solidariedade pura, sem vistas a recompensas e elogios. Assim é que o protagonista não pode ignorar as angústias alheias mesmo tendo as suas próprias. Pode parecer que beira o orgulho, mas acredito que tenha mais a ver com ser forte para o outro, estar ali pelo outro. 
Ken Loach conduz brilhantemente esses atores com todo jeito de gente comum, com problemas comuns e aflitivos, de modo que quase podemos transpor a tela e caminhar junto com eles pelas ruas inglesas. E há o humor, esse remédio tão eficaz, que nos faz esquecer um pouco as mazelas e acreditar que, sim, Dan Blake e seus amigos vão conseguir, juntos, vencer a injustiça. 
Mas a vida real está toda ali, e não vemos o final que gostaríamos que Dan tivesse. Sentimos o golpe lispectoriano no estômago, aplicado com soco inglês. Após a mágica cinematográfica, somos devolvidos à nossa pequenez humana - porém, envolvidos numa esperança misteriosa e muda de que o porvir se faz junto com outros pequenos. 

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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