Mostrando postagens com marcador protagonismo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador protagonismo. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 27 de junho de 2019

O que aprendemos com Big Little Lies

Adorei a primeira temporada de Big Little Lies, com Reese Whiterspoon e Nicole Kidman. Assisti na HBO de um só fôlego. Pedi ao marido para ver comigo um ou dois episódios. Ele logo se cansou e disse que eram apenas "tretas de mulheres". Tretas. De. Mulheres. Foi como ele resumiu a série para mim e para quem quisesse ouvir.
Acho que não podemos exigir ou esperar que um homem entenda de assuntos de mulheres. O contrário também não. Eu nunca tive a pretensão de compreender uma série como Californication, que meu marido adorava. Não perguntei a ele se se sentia realmente representado pela série que me parecia, vista de longe, algo misógino e machista. Ele, porém, me perguntou se eu realmente me sentia representada por uma série que mostrava mulheres ricas norte-americanas e suas tretas e fofocas (algo, aliás, típico do universo feminino). Tive de explicar a ele que não era esse o ponto, e sim que mulheres têm problemas e dilemas semelhantes ao redor do mundo, como terem de ser bem-sucedidas e socialmente aceitáveis em tudo - como empregadas ou chefes, esposas, amantes, mães. As diferenças sociais é que tornam esses problemas e dilemas maiores e piores - quanto mais pobres e mais escuras as mulheres, bom, já sabemos o que acontece. 
Sinto o desconforto de meu marido diante do meu interesse por temas que envolvem as antigas minorias. Ele ainda acredita que é só porque é politicamente correto que eu me interesso, que eu gosto até mesmo de filmes ruins só porque tratam do empoderamento de mulheres (mas isso vale também para direitos humanos em geral). Ele crê que eu sou apenas levada pela onda, pela moda. Ele está como muitos homens, que assistem, desconfortáveis, a mudanças em um comportamento feminino até outro dia sob controle, e que muitos têm tentado combater com mais violência do que jamais houve. Ele nem se apercebe disso, acha que a mídia é que tem enfatizado aquilo que sempre aconteceu. 
Sempre aconteceu, o que não quer dizer que deva continuar acontecendo. Sinto, e Big Little Lies só vem reforçar essa minha impressão, que não se pode mais conter o vento da mudança. As tradições, já dizia Hobsbawm, são inventadas. A cultura é algo poderoso, mas não é exclusiva de um grupo - ela serve a todas e todos, transforma-se todo o tempo. 
E me parece que não há poder mais ruidoso e transformador do que o de mulheres que resolvem "tretar" juntas, e não mais umas contra as outras, não mais competindo por homens, mas combatendo o machismo sistêmico. 

domingo, 26 de maio de 2019

No cinema e na TV, o protagonismo dos antigos coadjuvantes

Sempre que visitava o site da Netflix me chamava a atenção o banner da série Queer Eye, produção original da plataforma. Não sabia exatamente do que se tratava, embora a temática parecesse óbvia. Então resolvi assistir um episódio. Fiquei apaixonada! Os Fab Five, Jonathan, Tan, Karamo, Bobby e Antoni, cada um responsável por uma área na "repaginada" de pessoas comuns, são mesmo maravilhosos. Diferentemente de outros programas do tipo, não estão preocupados em jogar fora as referências de ninguém, mas sim em valorizar o bem-estar das pessoas nas diversas áreas - autoimagem, autoestima, convívio familiar e social, o que envolve mudanças/melhorias no visual, nos cuidados pessoais, na alimentação, no ambiente, nas relações. Os fabulosos também compartilham suas experiências de exclusão e aceitação e aprendem enquanto ensinam, e nos emocionam enquanto transformam a vida de duas irmãs cujo churrasco é um sucesso, a senhora religiosa e amorosa que tem um filho gay e quer reformar um centro comunitário, o homem trans que rompeu com a família, a menina também expulsa do lar adotivo ao se assumir lésbica, o caminhoneiro de coração gigante que não acredita haver jeito para sua feiura, o gerente de um camping que usa camisas furadas e deseja retomar o contato com o filho adolescente. O que vejo de mais importante nesse programa é como ele ajuda a desconstruir estereótipos sobre o público LGBT - são pessoas comuns, profissionais de todas as áreas, com família, amigos, casa, em busca de seus sonhos, de paz, amor e aceitação. Ponto. Digam adeus à ideia de que gays e lésbicas só vivem na balada e só querem saber de drogas e sexo e bafos. 
Me parece que o processo de desconstrução de imagens tem sido bem amplo, não só na direção do público LGBT. Tenho visto muitas produções no cinema e na TV que mostram pessoas comuns, uma diversidade cada vez maior na criação de personagens, inclusive entre os protagonistas. As mulheres, por exemplo, que durante tanto tempo foram mais pretextos que protagonistas, não só começaram a ganhar destaque nesse sentido como também têm deixado de ser retratadas como divas. Se Sandra Bullock mostrou que uma mulher bonita pode ser engraçada, Melissa McCarthy ensina que uma mulher engraçada - e gorda - pode ser a estrela de seu filme. Adoro Melissa McCarthy! Com certeza, graças a ela e outras atrizes comediantes, tem havido mais filmes com personagens com as quais podemos nos identificar - como no divertido Entre vinho e vinagre, que vi outro dia também na Netflix, com a ótima Maya Rudolph, que aliás contracena com McCarthy e Kristen Wiig (duas das Caça-Fantasmas) no hilário Missão Madrinha de Casamento. Essas atrizes têm nos ajudado a ver suas personagens não apenas como mulheres feias ou bonitas, magras ou gordas, glamourosas ou engraçadas, frágeis ou fortes, mas como mulheres acima de tudo. Porque as questões que trazem ao centro de seus papéis são questões femininas. 
Há mais diretoras também, embora numa proporção muito menor que a ala masculina. Aliás, muitas atrizes têm se tornado roteiristas, produtoras e diretoras de seus filmes, atalhando assim o resultado de suas obras. Contudo, para além de Eliane, Laís, Anna, Tata, Petra - para citar só diretoras brasileiras -, o caminho ainda é longo.
Também os negros têm sido melhor representados no cinema. Como heróis, protagonistas, atores e diretores, e não só serviçais, coadjuvantes. Aqui o caminho também é muito, muito longo, mas mostra que fazer barulho tem resultados - caso dos protestos de atrizes e atores negros no Oscar. Embora ainda seja tabu, o racismo tem cada vez mais sido confrontado, inclusive como temática contemporânea - se Mississipi em chamas (Alan Parker) já cortava na pele, o excelente Corra! (Jordan Peele) cria a alegoria mais próxima do real que pode haver. Mesmo o belo filme islandês Inspire, expire, dirigido por uma mulher, Ísold Uggadottír, traz uma mulher negra como uma das protagonistas - ela, irmanada à personagem branca por serem ambas párias na sociedade contemporânea, mas por isso mesmo solidárias uma à outra.
Só tenho a dizer: o protagonismo mudou de mãos, bebês! Enfim!

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Mulheres no cinema: muito além da figuração

No mês passado, assisti a três filmes com temática feminina - as mulheres como protagonistas, sendo dois deles dirigidos por mulheres.
Quando estava frequentando as aulas da pós na Faculdade de Educação, escrevi um trabalho sobre três documentários que tinham a mulher como figura central, uma coisa cada vez menos rara. Sim, porque até há pouco as mulheres eram quase sempre coadjuvantes - ou a amada ou parente do protagonista, ou, como pontos fora da curva, uma revolucionária destituída de sua feminilidade, ou uma maluca qualquer.
Em tempos recentes, elas têm virado o próprio tema de filmes, resgatando inclusive histórias ameaçadas pelo esquecimento, como a das sufragistas do século XIX (episódio contado em As sufragistas, com Meryl Streep), das mulheres negras que serviam pessoas brancas no sul dos Estados Unidos (como mostrado no lindo Histórias cruzadas), das mulheres ou meninas que se voltaram contra um regime misógino e predador (a trama de Persépolis), das mulheres que sofreram abusos sexuais e psíquicos na ditadura militar no Brasil (O silêncio das inocentes, um documentário que trata desses episódios de horror), das mulheres comuns que agonizam nas mãos de maridos, parentes e desconhecidos abusadores (tantos e tantos casos, reais e recriados na ficção, como o primeiro filme dirigido por Angelina Jolie, Na terra de amor e ódio, sobre a Guerra da Bósnia).
Porque as mulheres têm se unido contra a misoginia, o machismo e todo tipo de desigualdade, as reações predatórias não tardam, como no ato monstruoso de um homem que, na véspera do Ano-Novo, matou doze pessoas em Campinas, nove delas mulheres (vadias, segundo ele afirma em uma bizarra carta de confissão), uma delas sua ex-mulher. Entre as vítimas, também estava seu filho, que ele dizia "amar".
Apesar desse horror ainda presente no nosso patriarcal país, acredito que o movimento feminino não pode mais ser impedido, em todo o mundo. E foi essa a sensação que tive ao assistir Aquarius, Que horas ela volta? e Olmo e a gaivota. Nas três histórias, mulheres que são ou aprendem a ser donas de suas vidas.
A maravilhosa Clara de Sônia Braga enfrenta tudo e todos pelo seu direito de continuar vivendo no espaço onde construiu tantas memórias, e o que parece uma simples querela entre uma mulher de meia-idade e uma construtora mostra questões mais profundas na dinâmica da cidade capitalista. Aliás, isso de ir desvendando camadas ocultas dos conflitos urbanos já aparece em outro filme de Kleber Mendonça Filho, O som ao redor, que já comentei aqui.
A doce Val vivida por Regina Casé no filme de Anna Muylaert me parece um exemplo dessa mulher contemporânea criada ainda para servir, nos moldes machistas da sociedade brasileira, mas que vai sendo levada para a iluminação pela filha Jéssica, exemplo da mulher desperta, que cobra seu lugar no mundo, sem baixar a cabeça para os outros. Quando Val se "atreve" a entrar na piscina, a cena é de uma doçura travessa e revolucionária ao mesmo tempo.
Duas mulheres assinam a direção de Olmo e a gaivota, a brasileira Petra Costa e a dinamarquesa Lea Glob. Os atores do Théatre du Soleil Olivia Corsini e Serge Nikolai estão no centro desse documentário ficcional que mostra a gravidez de Olivia e a partir de então sua relação com o companheiro Serge e com o trabalho na companhia. Entre trechos de ensaio de A gaivota, de Anton Tchekov, reflexões em off de Olivia e momentos de making off do documentário, vamos sabendo mais sobre a protagonista; no caso das mulheres, deve haver ainda, como aconteceu comigo, muitos espelhamentos diante de questões que todas já nos colocamos. Especialmente pela questão do direito ao próprio corpo, esse filme virou símbolo de uma campanha brasileira pelo direito da mulher de abortar, de ser mãe, de não querer ser mãe, de fazer com o corpo o que e com quem quiser.
Tudo o que posso dizer é que estou amando ver as mulheres no papel de si mesmas no cinema. Assim vejo a mim mesma, a outras mulheres que admiro, no cinema.

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

Arquivo do blog