domingo, 15 de dezembro de 2024

"Disclaimer" e a crítica de Chico Bosco x podcast da Fernanda Lima

Faz umas semanas que assisti à série Disclaimer, com a diva Cate Blanchett, dirigida por Alfredo Cuarón. Achei legal, mas nada que me impressionasse muito. Uma mulher linda, loura e bem-sucedida, documentarista, casada com um cara rico, que preside uma ONG, tem sua vida subitamente devassada pela revelação de um caso tórrido que teria tido com um rapaz em férias na Itália. O rapaz morreu na viagem, afogado, tentando salvar o filho da mulher, Catherine, vivida por Blanchett - a mãe do moço, que nunca se conformou com a morte, havia escrito um relato semificcional, com direito a fotos de nus de Catherine feitas pelo falecido. O pai do moço, vivido por um amargo Kevin Kline, encontra o manuscrito, anos depois da morte da mulher, e resolve se vingar de Catherine e sua família quase feliz - o filho de Catherine, que não se afogou pela intervenção do amante eventual, não fala com a mãe. Depois que a vida da loura se esfacela com a publicação do livro - o marido não quer nem ouvir a mulher, o filho se perde em heroína -, afinal descobrimos que o jovem morto na verdade estuprou a mulher, com direito a testemunho da criança de 4 anos. No final, o marido quer "perdoar" Catherine, já que ela "só foi" estuprada, não o traiu. Ou seja, não foi um ato produzido pelo desejo dela. Ah, o desejo feminino, sempre afrontoso!
Eu achei boa a série, mas não me tocou tão diretamente, porque eram pessoas ricas, brancas, poderosas em cena, embora, claro, a questão do estupro nos diga respeito a todas. Qual não foi minha surpresa, porém, ao ler um texto relativamente longo e pomposo do Chico Bosco, filho de João Bosco, que eu acreditava ser psicanalista até saber que ele tem formação em filosofia e literatura, a respeito da série. Ele fez uma crítica contundente ao desserviço gerado pela série ao público masculino, sobretudo os mais jovens, que estão em busca de aceitação e só têm encontrado ataques das mulheres. Gente! Eu até tinha ouvido algumas coisas que ele tinha dito no programa do GNT e achava que ele era um "fado" sensato, mas no final das contas creio que ele pesou a mão. Ele acusa a série de limitar os homens aos tipos vingativo, depressivo, bobalhão e estuprador. Uai, por que uma série não pode escolher os exemplares de masculinidade com que quer trabalhar? Teria de haver um desfile de tipos masculinos? Achei infantil, sobretudo porque ele tenta com isso desmerecer o argumento de que a vítima tem sempre razão em casos de violência sexual - isso sim, um desserviço imenso, ainda mais vindo de um cara público. O foco da série não é a luta de versões, mas o fato de o estupro ser menos chocante para o homem do que a traição. Ignorar isso aumenta a força da extrema direita, dos red pills e companhia, municiando esses agentes do horror, com pequenos ajustes/distorções. Há uma crítica até ao slogan simpático "o futuro é feminino". Nossa.
Em outra ponta, temos a ótima e linda Fernanda Lima com seu podcast Zen Vergonha - cheguei até ele por conta da temporada 1, sobre menopausa, ótimo. Na temporada 2, Fernanda entrevista homens famosos - atores, psicanalistas, filósofos, cantores - para falar sobre as descobertas das masculinidades, justamente como eles têm se reinventado em uma época em que as mulheres não estão aceitando qualquer coisa nos relacionamentos. Não veem como uma declaração de guerra aos homens, mas como uma mudança dos tempos. Pelo jeito, é bom Fernanda chamar Bosco para uma entrevista.

Mulherio de festa e de luta

Quase acabando este 2024 que voou loucamente. Muito disso é culpa da economia da atenção, claro - quanto tempo passamos rolando feed e, quando nos damos conta, o dia acabou?
O contrário de perder tempo é ter tempo de qualidade, presentificar ao máximo, valorizar as relações. Nas últimas semanas, a mulherada deu o tom nas reuniões. Diversão pura com as flamencas queridas, ao som de Magal, Gretchen e Alejandro Sanz, o privilégio de ver e ouvir Rita von Hunty na UFBA falando sobre gênero, comparecer à Concha com amiga para ver os Novos Baianos (embora o som não estivesse bom), ouvir a surpreendente Angela Velloso cantando Gil no Cinesom. Como nos dizeres de alguma camiseta descolada, as mulheres são como águas que aumentam quando se encontram.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Dançar a ancestralidade

Pois dezembro começou muito bem, com espetáculo lindo de dança na Concha Acústica. Fui prestigiar os colegas da Funceb, na Mostra Odún, que reuniu todos os grupos ligados à fundação. Eu imaginei que seria bom, mas não que seria tão lindo! Que bom ter vencido a preguiça dominical e ter pedido um ingresso no grupo (compromisso que, como sempre, garantiu o ter vencido a preguiça). 
Não consegui falar com Lu, claro, que estava na concentração. Mas o bilheteiro gentil me concedeu um ingresso e lá fui, me juntar a uma multidão que lotou a Concha, uma lindeza. Logo comecei a bater papo com minhas vizinhas de arquibancada, que tinham ido ver um dos dançarinos de dança afro - filho/afilhado/neto. 
A organização foi perfeita, houve uma história que alinhavava o espetáculo, puro Sankofa. E nisso residia a beleza maior, honrar as ancestralidades. Como disse, fui surpreendida com a qualidade das apresentações (embora minha ex-turma tenha apresentado outra coreografia), especialmente a partir da segunda metade do espetáculo.
Foi a partir da segunda metade que o espetáculo pegou fogo. Já havia o elemento de negritude em algumas coreografias anteriores e no próprio texto dramático, mas dali a pouco havia também ventania e raios e pequenas poderosas oyás, havia animal totem embalando o burlesco ao som de Gal, floresta ancestral e yabás, dança afro pulsante e enérgica (e lá estava o afilhado/filho/neto brilhando), a mais nova espada e seu corte do orixá da luta e da justiça, vencedor das demandas Ogum. Ali a dança abraçou todo o seu sentido, o de falar com passado e futuro pelo corpo, torná-lo ancestral no momento presente. Se isso não é magia, então não sei o que é.

domingo, 1 de dezembro de 2024

Novembro vulcânico

Novembro deve ter sido o mês que passou mais rápido este ano. Finalização intensa de trabalho, eutanásia do iMac, tentativa de usarem meu cartão de crédito pela segunda vez este ano, ida a veterinário com Zenzito, mais experimentação de pão sem sova, café no Latitude ao lado de um mini Bazar Rozê. Teve o necessário Ainda estou aqui, de nosso Win Wenders Walter Salles, que nunca decepciona - e pela primeira vez em Salvador vi o cinema em completo silêncio. Teve tributo a Elis com as surpreendentes e afinadíssimas Catharina Gonzaga e Angela Velloso, o melhor Cinesom de todos. Teve a maravilhosa Ana Carbatti no terceiro espetáculo antirracista que vi este ano, Ninguém sabe meu nome - tomara que um dia este não precise mais ser um tema especialmente pedagógico. Teve espetáculo de Portella Açúcar e Veko Araújo na rua Chile, na festa Hidden. 
E óculos novos para poder ver tudo isso em detalhes.

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

Arquivo do blog