Um dos efeitos indesejados do sucesso do filme Ainda estou aqui, de Walter Salles Jr., foi evidenciar ainda mais o ataque contra as pautas identitárias. Em meio à premiação de Fernanda Torres como melhor atriz de drama no Globo de Ouro (com direito a aplausos entusiasmados e em pé de Tilda Swinton), houve comentários negativos, inclusive do Chavoso da USP, sobre o valor do filme, já que retrata pessoas brancas, de classe média alta, enquanto pessoas negras sofrem o terror todo dia, até hoje.
Como discordar dessa constatação, de que pessoas pobres e negras sofrem muito mais que pessoas brancas e com mais recursos? O problema é encampar a luta por quem sofre mais em vez de se unirem todos contra o opressor comum - capitalismo, patriarcado, a zorra toda. Cujos líderes seguem felizes enquanto nos atacamos uns aos outros. A iniquidade não vai acabar com lutas internas. E ainda mais quando pessoas da própria esquerda ou minimamente mais liberais veem as pautas alheias como frescura. Vejo isso no meu círculo, e sinto uma tristeza enorme, mas também uma preguiça de debater. É nesse desencontro que a extrema direita se fortalece, e as desigualdades sociais seguem cristalizadas.
Até o fato de Walter Salles Jr. ser rico serviu de argumento demeritório. Mas que bom que ele resolveu empregar o dinheiro dele (não, ele não usou a Lei Rouanet) para produzir um filme com ESSA história, sobre AQUELE período. E que valor imenso teve Eunice Paiva, para além de esposa do ex-deputado Rubens Paiva, na constituição da Comissão da Verdade para apuração das mortes dos desaparecidos políticos e também junto aos povos indígenas. Que bom que as lutas que escolheram foram pela maioria da população, e não somente pelos integrantes de seus quadrados. Se negassem as existências, as identidades alheias - as ALTERIDADES -, perderíamos muito mais e nem nos daríamos conta.
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