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quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Na guerra contras as identidades, a maioria perde

Um dos efeitos indesejados do sucesso do filme Ainda estou aqui, de Walter Salles Jr., foi evidenciar ainda mais o ataque contra as pautas identitárias. Em meio à premiação de Fernanda Torres como melhor atriz de drama no Globo de Ouro (com direito a aplausos entusiasmados e em pé de Tilda Swinton), houve comentários negativos, inclusive do Chavoso da USP, sobre o valor do filme, já que retrata pessoas brancas, de classe média alta, enquanto pessoas negras sofrem o terror todo dia, até hoje. 
Como discordar dessa constatação, de que pessoas pobres e negras sofrem muito mais que pessoas brancas e com mais recursos? O problema é encampar a luta por quem sofre mais em vez de se unirem todos contra o opressor comum - capitalismo, patriarcado, a zorra toda. Cujos líderes seguem felizes enquanto nos atacamos uns aos outros. A iniquidade não vai acabar com lutas internas. E ainda mais quando pessoas da própria esquerda ou minimamente mais liberais veem as pautas alheias como frescura. Vejo isso no meu círculo, e sinto uma tristeza enorme, mas também uma preguiça de debater. É nesse desencontro que a extrema direita se fortalece, e as desigualdades sociais seguem cristalizadas.
Até o fato de Walter Salles Jr. ser rico serviu de argumento demeritório. Mas que bom que ele resolveu empregar o dinheiro dele (não, ele não usou a Lei Rouanet) para produzir um filme com ESSA história, sobre AQUELE período. E que valor imenso teve Eunice Paiva, para além de esposa do ex-deputado Rubens Paiva, na constituição da Comissão da Verdade para apuração das mortes dos desaparecidos políticos e também junto aos povos indígenas. Que bom que as lutas que escolheram foram pela maioria da população, e não somente pelos integrantes de seus quadrados. Se negassem as existências, as identidades alheias - as ALTERIDADES -, perderíamos muito mais e nem nos daríamos conta.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

E Bacurau, afinal?

Por fim, assistimos a Bacurau, de Kleber Mendonça Filho, diretor dos ótimos O som ao redor e Aquarius
Houve um furor na época do lançamento, e vi muitos amigos divididos entre achá-lo incrível e nada de mais. Eu sabia, de orelhada, que um tal Lunga fazia justiça contra os opressores e lavava a alma dos espectadores. 
Bom, pelo jeito, sou da turma do nada de mais. Embora o filme tenha sido lançado em agosto de 2019, quando o horror bolsonarista já estava instalado no país, e a película tenha lá seu quinhão crítico, ninguém estava preparado para a distopia que cresceria cada vez mais, incrementada por uma pandemia que só gera incertezas quanto ao futuro. Talvez isso tenha me dessensibilizado para a violência presente no filme - são tantas mortes, tanta violência, tanto descalabro no cotidiano nacional que a sanguinolência de algumas cenas de Bacurau não me impressionou. Também não há preocupações estéticas, mas isso é do cinema de Mendonça - uma pena, porque a região sertaneja, no Rio Grande do Norte, onde o filme foi feito daria uma fotografia incrível nas mãos, por exemplo, de um Walter Carvalho ou Affonso Henrique Beato. A crítica, no final das contas, me parece limitada ao que os gringos/ricos/brancos fazem contra os brasileiros/pobres/mestiços. E a matança promovida por Lunga, ao melhor estilo "vingança dos cangaceiros", é tão pá-pum que nem prepara a gente para aquela torcida, como acontece por exemplo em blockbusters como John Wick, quando tudo o que a gente quer é que o protagonista vivido por Keanu Reeves detone quem matou seu cachorrinho, só para começar. Marighella, dirigido por Wagner Moura, talvez fosse bem mais importante, mas, embora lançado em 2017, até hoje não foi distribuído por aqui, por puro boicote bolsonarista - também há os liberais incomodados com a figura de Marighella, talvez um pouco real demais, aumentando assim a simpatia de esquerda pelo violento mas fictício Lunga.
Um pouco antes de vermos Bacurau, assistimos à animação stop motion Ilha dos cachorros, de Wes Anderson, já um dos meus diretores favoritos há algum tempo. Além da lindeza da produção, da trilha sonora, do roteiro impecável, a crítica social ali é tão patente e atual, sem que seja preciso perder o estado de encantamento que o cinema proporciona, que fiquei muito grata ao diretor pela experiência. Fiquei muito mais impactada do que com o filme de Mendonça Filho.
Enfim, acontece. Mas sugiro que assistam aos dois. Certamente, Bacurau, mesmo não integrando minha lista de favoritos, entrará para a história do cinema nacional como um dos filmes que incomodaram, o que já é bastante no atual contexto. 

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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