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sábado, 5 de novembro de 2022

Consciência de classe, consciência de si

Tenho tido muita preguiça de escrever. Preguiça não - uma espécie de paralisia estupefata. Com tudo que temos vivido nos últimos 4 anos, e muito piorado neste ano, quem é contra a injustiça teve que levantar a cabeça muito mais vezes para respirar. 
Mas não hoje. Dia 30 foi dia de eleição, do nosso sagrado direito e dever democrático de votar, de dizer nas urnas que não queríamos um fascista no poder. Que queremos uma vida melhor para todos. Hoje o fôlego tem de ser enorme e coletivo. Porque vencemos. Pudemos, depois de tantos anos, gritar a plenos pulmões o nosso alívio.
Foi por pouco, o que não invalida a vitória, mas acende o alerta. Já devo ter dito isso, mas repito como me espanta que as pessoas não privilegiadas votem no genocida. Desde a moça que vende Hinode e replica fake news sobre o governo de esquerda que certamente a beneficiou de algum modo, ao ex-colega de Federal que é umbandista e publica que agora os brasileiros terão de comer carne de cachorro com o governo do PT reeleito, passando por muitas variações de falas insanas vindas de membros de classes não favorecidas. Muita gente enganada pela falácia do pseudoempreendedorismo, da defesa da religião e do moralismo, querendo igualar-se à verdadeira elite do país, buscando pontos em comum e, na verdade, reproduzindo um discurso preconceituoso em todos os aspectos, contra negros, pobres, mulheres, LGBT, nordestinos, artistas, professores. Mas também muita gente que só esperava que aparecesse alguém que dissesse exatamente o que essa turba pensa, e aí temos mesmo uma falha de caráter. 
Não elenco aqui a elite desejosa de manter seus privilégios coloniais, mas os servis, os enganados e os cruéis de diversas classes, que ajudaram a engrossar esse caldo de vilania que nos acanhou e violentou todos esses anos. Essa turba que, logo após o resultado suado do domingo, mesmo com todas as tentativas de fraude e com o uso desavergonhado da máquina pública, saiu às ruas para protestar contra a democracia e pedir intervenção militar. Esses desfavorecidos iludidos é que me espantam muito mais pois não têm consciência da classe a que pertencem, não têm, portanto, consciência de quem são. Não podemos tirar o mérito do capitalismo e do ultraliberalismo, que ajudaram a cimentar as ilusões de consumo que prendem essas pessoas à caverna obscurantista, anulando a real percepção de si - e, no caso do que temos visto depois de domingo, do ridículo a que se têm sujeitado. 
A luta será contínua, para não permitir que o fascismo se instale novamente. Deveríamos seguir o exemplo da Argentina, que alimenta continuamente sua memória, sua consciência de si, negando-se a esquecer o passado, como no ótimo Argentina, 1985, com o querido Darín, sobre o julgamento dos comandantes da ditadura. E como disse uma pastora querida que conheci na minha época de igreja - uma das pessoas mais lúcidas naquele contexto -, só quem não se esquece de onde veio sabe aonde quer chegar. 
Porque sabemos quem somos, sabemos com quem queremos estar e com quem podemos contar. 

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

O Brasil não conhece o Brasil

Tive uns 3 dias de completa ressaca moral após o primeiro turno das eleições. O que mais me estarreceu no resultado do genocida foi constatar que há muitos brasileiros que preferem ignorar todas as ações contra a vida e os direitos humanos realizadas pelo belzebu em exercício. Ou talvez até as louvem. Ou seja, somos piores do que pensávamos, e não me saía da cabeça a música de Aldir Blanc, "Querelas do Brasil", a obra de um compositor vítima justamente do projeto de morte da atual presidência. Aldir, que morreu com insuficiência cardiorrespiratória provocada pela Covid, por falta de vacina, por abandono, por completa indiferença do genocida, que, claro, nem sequer lamentou a morte do artista genial, como faria qualquer chefe de Estado. 
Continuamos, portanto, até dia 30 de outubro, sem saber o que será da vida neste país. Tudo é tão tênue, tão frágil, tão inseguro, e isso se reflete em todas as instâncias da vida para além da política - no trabalho com parceiros escorregadios, na suspensão de projetos e esperanças, na possibilidade de perder Kong a qualquer momento (a veterinária disse que ele tem uma expectativa de vida de 2 anos). 
Olho para dentro da vida, e vejo a indefinição, a realidade gasosa/líquida de Marx/Berman e Bauman ditando nossos dias. Olho para fora e vejo, com horror, a violência, o ódio ao diferente, a indiferença diante da iniquidade, a normose como regra. Tenho cada vez mais dúvidas se conheci o país que habito, que me parece cada vez menos meu. 

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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