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sexta-feira, 13 de outubro de 2023

"Girl" ou o quanto desconhecemos a dor do outro

Poucas vezes vi um filme tão contidamente doloroso como Girl, do jovem diretor belga Lukas Dhont.  Apesar das críticas ao fato de o ator protagonista não ser uma menina trans, mas um garoto cisgênero, a performance desse jovem, Victor Polster, é irretocável, no sentido de nos levar junto na sua travessia de luta por ser quem é, sofrendo silenciosamente violências grandes e pequenas numa sociedade aparentemente progressista como a belga. Polster é bailarino, então suas cenas de dança são vertiginosas na busca da perfeição e de um lugar naquele mundo. Tem um quê de Cisne negro nessa vertigem do movimento e também na busca pela transformação - no caso de Girl, a transformação da protagonista em si mesma, naquilo que nasceu para ser, uma mulher, e uma mulher que dança.
Neste momento preciso, no Brasil, a comunidade LGBTQIA+ sofreu um baque na garantia de seus direitos. Justamente os direitos de existirem, de constituírem família, de simplesmente serem. Apesar da vitória de Lula, sabíamos que a luta não findaria, e a ultradireita continua seus ataques obscenos contra os direitos humanos. Apesar da insipiência argumentativa, eles detêm o capital financeiro que direciona as leis. E o mundo parece cada vez mais do avesso quando vemos parte da humanidade zelosa em promover a infelicidade alheia. 
Isso tudo, os ataques reais e os ataques que a personagem de Girl sofre (mesmo com todo o apoio familiar, as jovens bailarinas exigindo que ela mostre seu membro, e toda a pressão para que não se misture às outras meninas, chegando ao fim trágico da mutilação), me fazem lembrar da fala de Rubem Alves no documentário Eu maior, sobre a tragédia grega e a compreensão de Nietzsche acerca dela, de que os gregos não se entregavam à inevitável tragédia da vida porque cultivavam a beleza. Hoje está mais difícil pensar na beleza em meio ao horror cotidiano, até porque a arte e a natureza, portadoras dessa beleza, também têm sido violentadas. 
Talvez por isso tudo a dor silenciosa em Girl soe como a mais perfeita tradução para esse sofrimento que muitas e muitos de nós não conhecemos, mas que justamente por isso não devemos ignorar. Nisso é que residem a empatia e a verdadeira compaixão, e são elas que nos fazem verdadeiramente humanos.
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segunda-feira, 3 de julho de 2023

Vida que segue

Ando com uma fotofobia gigante. O apartamento é tão claro, e o sol incide sobre a parede externa do prédio, que reflete sobre a tela do computador, meus óculos e tudo. Deve ter a ver com idade, pode ser astigmatismo aumentado, enxaqueca por compressão da cervical, saída de um espaço menos claro, e preciso mesmo ir ao oftalmologista, mas me parece também metáfora da vida - uma claridade renovada, reconquistada, diante da vida. 
Saio por aí e olho tudo com atenção redobrada, mesmo de óculos escuros. Vou ganhando a cidade do jeito que sei fazer - palmilhando, fruindo, conversando com os locais, colhendo informações, histórias e gentilezas. Já há quem me trate como local, mesmo me sabendo estrangeira. E também ganho companhia na rua, como o doguinho caramelo cotó que foi me acompanhando até o ponto de ônibus.
Zenzito, que pirou na primeira semana, já conquistou também os novos espaços - menores que os anteriores, mas os gatos nos ensinam sempre a arte da adaptação, da flexibilidade, da não invasão. Ele ainda tem a linda vizinha Ayla, que vem sempre contemplá-lo algumas vezes por dia. Talvez promovamos, eu e a dona de Ayla, o encontro dos bichanos qualquer dia. 
A rosa do deserto já mostra que gostou do novo espaço, exibindo novos botões a cada dia. Logo outros vasinhos devem lhe fazer companhia. 

terça-feira, 7 de março de 2023

O maravilhamento do aprendizado

Aproveito essa imagem da marca Aragäna, que conheci outro dia, para falar do meu maravilhamento com o fato de poder andar de bicicleta. Eu nem me lembro como aprendi, mas certamente foi junto com meus irmãos, revezando o uso das duas bikes, observando como eles faziam, provavelmente sendo ajudada por eles na primeira pedalada. Quando hoje pedalo, volta e meia sou tomada pela epifania do movimento milagroso que é ficar sobre as duas rodas, deslizando, o vento no rosto, uma liberdade imensa de ir aonde quiser. 
Mesma coisa sinto quando penso na magia que é saber ler, saber escrever. Quando aprendi? Não me lembro. Mas que coisa maravilhosa é poder juntar letras e palavras e assim formar imagens, conseguir se expressar, poder defender suas ideias! Uma das coisas mais tristes que existem, na minha opinião, é alguém ter suas possibilidades de mundo roubadas por não ter direito à alfabetização. Por isso, choro sempre diante de Fabiano, de Vidas secas, em seu embate com o Soldado Amarelo, com o patrão que lhe rouba o salário. Por isso, me importa tanto que todos tenham acesso à educação de qualidade, para que possam acessar a mágica do conhecimento, do mundo e de si. 

terça-feira, 26 de julho de 2022

Uma cena feliz pra esquecer chateações


No dia do meu aniversário, fomos dar um rolezinho na praia. Estávamos ali, tomando nosso sol na areia, quando chegou um guri empurrando sua bike. Para dentro d'água, porque queria brincar com as outras crianças, mas não queria deixar a bike de fora da brincadeira. Ele chegou a subir na bicicleta na água, a pedalar enquanto a bike afundava um pouquinho. Aquela cena deu um frescor ao dia. Como é importante acreditar na nossa ação no mundo, e como vamos nos esquecendo disso à medida que crescemos! E também como é fundamental abandonar uma ideia quando ela não funciona. 
Lembrei do guri hoje, quando respondia a uma pessoa sobre questões de trabalho, eu e essa pessoa discordando diametralmente quanto a um combinado. Marido também trouxe uma luz: disse que eu não podia me responsabilizar por tudo no trabalho, me esfalfar para que tudo desse certo. E é verdade verdadeira - não preciso convencer uma pessoa a trabalhar se ela não quiser, se ela se sentir desconfortável com a proposta de trabalho. Logo eu, que detesto insistir com as pessoas, que acho desrespeitosa com elas e comigo a insistência. 
"Let it go", diria Elza em Frozen e demonstra o guri com sua bike, numa feliz cena praiana. 

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Uma batida e alguns aprendizados

Ainda não consegui retomar o pedal. Adentrando o segundo ano da pandemia, ou terceiro, a depender do ponto de vista, uso a bicicleta para ir aqui ou ali rapidamente, mas não para um treino mais longo. 
E tão destreinada estou que, saindo do shopping, deixei de olhar para o lado quando desviava de um motorista que não me via e continuava manobrando o carro na ciclovia e acabei batendo num outro carro que passava. Por uma enorme sorte minha, a motorista vinha bem devagar, eu bati quase de lado e ela foi muito amável e compreensiva diante da minha consternação. Fiquei nervosa com o outro motorista, nervosa com o que poderia ter acontecido de mais grave e envergonhada de eu mesma ter sido tão desatenta e ainda arranhar, mesmo levemente, o carro de uma pessoa que não tinha nada a ver com isso. Ela se certificou de que eu não tinha me machucado, passou álcool nas minhas mãos, o segurança do shopping ajudou a colocar a corrente da bike no lugar, e eu voltei pra casa, coração aos pulos. Por sorte, muita sorte, só ralei as mãos e bati um joelho e um cotovelo, de leve.
Tudo isso pra aprender a não perder a atenção jamais enquanto pedalo e a não deixar minha indignação com os irresponsáveis me tornar uma irresponsável também.  

segunda-feira, 24 de maio de 2021

O espaço em branco

Há alguns (na verdade, muitos) anos, quando fiz uma oficina de ilustração de livros infantis com o Odilon Moraes e o Fernando Vilela, me vi no meio de um grupo supertalentoso, de artistas iniciantes e profissionais, com domínio maior ou menor de técnicas diversas. Eu estava lá de absolutamente atrevida que sou, beirando o sem-nocionismo, ou porque simplesmente me encanta estar no meio de gente talentosa e interessante e inteligente. A ideia era trabalhar um tema comum - o circo - para criar, individualmente, um livro ilustrado. Já fui logo avisando que não era artista, que não desenhava bem e tal. 
Escolher o que fazer, para mim, foi algo bem fácil. Não poderia ser outra coisa além de O grande circo místico, de Chico Buarque e Edu Lobo. A canção "Ciranda da bailarina" é cheia de imagens poéticas e engraçadas, e foi ela então a convocada para a tarefa. 
Com o ascendente em Áries, normalmente eu topo a parada para depois pensar em como é que vou executar. Como disse, o desenho, sobretudo no meio de um grupo de artistas, não era minha primeira opção. A pintura, menos ainda. E, no entanto, a oficina era de ilustração. O que fazer? O que me salvou foi a colagem. 
Penei com o Fernando, que não se interessava, nos momentos de orientação, em ver meu projeto de livro, ainda muito incipiente. Mas que se surpreendeu com a apresentação final e fez um comentário revelador: de que eu sabia trabalhar muito bem com o espaço em branco, que o espaço em branco era parte da própria linguagem. De fato, as colagens conversavam com o branco da página o tempo todo. A partir desse comentário, percebi como gosto dessa possibilidade do espaço em branco, dos vazios debaixo do risco do meu desenho minimalista, das minhas colagens (como a que fiz para as gêmeas de Gleice). Pensando bem, confirma o meu senso de "incompletude" de que outro dia falava minha orientadora. 
Ainda acerca do espaço em branco, o querido Wagninho me enviou há algum tempo umas imagens de bordados feitos pela sueca com ascendência sámi Britta Marakatt-Laba, compondo uma espécie de tapeçaria de Bayeux dos bordados, mostrando uma longa narrativa, toda em linha preta sobre branco. Uma das coisas mais bonitas que já vi. Porque, embora ache lindíssimo o que fazem as meninas Dumont, preenchendo todos os espaços do tecido com cores e pontos, me fascina a capacidade de desenhar com a linha. Mas pode ser também porque não sou muito boa em preencher os espaços - a aquarela que o diga. 
Transferindo para a página em branco do texto, seria como deixar coisas por dizer, à imaginação do outro. Uma história por construir. 

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

A necessária incompletude

Então ontem defendi meu TCC. Fiz um roteiro, fiz powerpoint, e na hora não consegui usar nada. Tinha pensado em gravar, para enviar à minha mãe, mas descobri que minha versão do Meet não possibilitava a gravação. Fiz uma explanação confusa, me estendi muito, não consegui dizer o que queria dizer. Enfim. E me lembrei da minha defesa do mestrado, somente eu, a banca e meu amigo James, porque a USP estava em greve. E a garganta travada na hora da apresentação. Ontem não travou, mas volta e meia me faltavam as palavras, porque também agora isso é um problema da idade, quase vinte anos depois.
Mas vieram os queridos e queridas - Guga, Gui, Liu, Kate, Lu, Rafa, de encontros tão diversos na vida. E Cheron, minha avaliadora, elogiou texto e sugeriu publicação, com as devidas correções. Então foi muito bom.
A surpresa veio de minha orientadora, Cris, que disse que é difícil e é fácil orientar alguém como eu. Difícil porque, segundo ela, leio muito, já vi muito, escrevo muito e tal. Fácil porque, também segundo ela (e acho que concordo), tenho consciência da minha incompletude, não acho que não há mais o que saber. E ela reconheceu em mim o mesmo gosto que ela tem pela revolução. Foi muito bom mesmo.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Cem dias depois, o que fica?

Na verdade, faz quase 120 dias que estamos em quarentena. E o que isso nos trouxe até agora? Para além da redução de atividade física e contato social e do aumento do cansaço, das comilanças e das incertezas quanto ao futuro: muitas reflexões. Sobre o que é ser pobre, preto, mulher, gay, índio, nordestino no Brasil. Sobre de que lado é possível estar nesta pandemia e depois dela, se dos que desejam que muitos possam mais ou dos que querem continuar fazendo parte dos poucos. Sobre o fato de o Brasil ter problemas de identidade desde sempre - já que aqui a alienação, de si e do outro, é a regra - e que por isso os brasileiros não se enxergam como povo, mas sempre como indivíduos com mundo particulares que mimetizam o estrangeiro, e por isso é tão difícil implantar a democracia, se não há quem se veja como parte de um todo maior e próximo a si, nem quem deseje lutar por seus iguais, partes também desse grande todo. 
Manuel Bandeira já dizia que o que fazíamos era macaquear a sintaxe lusíada. É só transpor essa ideia para a imitação brasileira da cultura gringa nas camadas média e alta da população. O mais é o povo, que está se lascando na pandemia, mas também sobrevivendo graças à sua própria solidariedade. Faz tempo que os pobres sabem que não podem contar com o governo para nada. Ao menos a pandemia fez cair as escamas dos olhos de uma parcela da população, do grupo dos que se importam. 
Claro que sabíamos da desigualdade - eu me incluo neste grupo, pois, mesmo tendo tido uma longa vivência periférica, nunca me faltou um prato básico de comida nem um teto nem escola -, mas havia um véu entre nós e ela. Mais adivinhávamos do que víamos. Pois o véu foi arrancado, e o horror não nos deixa outra alternativa senão tomar posição. Contra a iniquidade, a indiferença, as violências de todo tipo. 
Ainda bate um desânimo grande, porque a distopia governamental não tem fim, o vírus está lá fora, a iniquidade cobra seu preço, e mesmo assim não sabemos o que terá sobrado do mundo quando deixarmos o bunker. 

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Congelados, soja, Chauí e a importância do pensar

Acho que até o final da quarentena, sabe Deus quando será, terei me tornado a louca dos congelados.  Ando querendo cozinhar, branquear e congelar tudo o que tem no armário. Quando vi que a ricota ótima que comprei estava prestes a expirar, fiz com ela um recheio para uma massa verde - cozinhei rapidamente, resfriei e congelei. Ia fazer quibe para congelar, então cozinhei toda a quinoa que tinha - mas soube por minha sogra que a proteína de soja é uma roubada; projeto quibe de soja, portanto, abortado. Mas daí tem a lentilha - que junto com a quinoa rende almôndegas, projeto novo da semana. Já estão na fila o feijão fradinho, o arroz branco e o milho para canjica. As bananas que vão amadurecendo rápido também são picadas em rodelas e congeladas. Dá pra congelar até repolho cortadinho, uma beleza. E o pesto, então? Não fico mais sem. 
Até comprei uma bombinha para sugar o ar das embalagens plásticas, mais barata e mais ecológica que aquelas seladoras Polishop e congêneres; deve chegar na semana que vem, entonces o congelamento será pleno.
Além do ótimo curso de congelamento de alimentos do Senac, que me deu todas essas dicas, resolvi fazer, por indicação da minha amiga Simone, um curso sobre pensadoras da Casa do Saber (umas posições em Gêmeos no mapa astral explicam). Simone falou especialmente bem do curso da Marilena Chauí (na foto acima, de Bob Sousa) sobre Gilda de Mello e Souza e Clarice Lispector. 
Nos últimos tempos, só me voltei para as pesquisas em gastronomia e leituras algo repetitivas de trabalho. Pouca literatura, quase nada de textos "de humanas". Putz, foi ver a Chauí no tal curso para eu me lembrar como isso é importante, essencial para mim. Como me emocionava ao ouvir algum professor dividindo seu conhecimento, falando com clareza, a coisa mais linda que há. Como me faz falta ler Clarice e tantas e tantos, ler pensadoras e pensadores tantos e tão competentes.
Temos sido soterrados por tanta tacanhice, ignorância, inverdade, que essa luz do conhecimento em nós acaba se apagando um pouco, por contato. Mas é de novo emocionante vê-la voltar a brilhar diante da palavra bem empregada, do tema fundamental, da importância do pensar para a existência. Voltamos a existir, somente por essa luz.

terça-feira, 28 de maio de 2019

Aprendendo com os erros na receita de cookies

Fiz duas vezes a receita de cookies triplo chocolate do Lucas Corazza. Na primeira vez, os cookies ficaram mais rasos do que eu gostaria; o gosto, porém, ficou perfeito. 
Na segunda vez, a massa ficou muito mole e se espalhou completamente pela forma. Como sobrou metade da massa no congelador, resolvi (a pedido do marido) assar mais cookies hoje. O fato de o preparo estar congelado, portanto mais firme, me animou a tentar. 
No final das contas, não houve jeito, os cookies se espalharam na forma de novo. Mas deixei mais tempo no forno, e eles ficaram gostosos. Guga chamou a atenção para o gosto de sal. Estou chegando à conclusão de que o bicarbonato que acabei colocando a mais influenciou o sabor e a textura espalhada. Também acho que no processo de crémage deu algum chabu - talvez açúcar de menos, ou a qualidade do açúcar. A manteiga estava na textura correta, então não acho que tenha sido "culpa" dela. 
Tudo isso só vem confirmar como a confeitaria é uma ciência exata. É muito mais fácil salvar um pão (embora este seja sujeito a tantas variáveis) do que um doce. Só me resta, portanto, continuar praticando, fazendo muito cookies, mas com a matrícula na academia sempre renovada.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Oficina de férias

Mais uma oficina de colagem, desta vez só com papéis. A ideia era que o papel fosse usado para desenhar no lugar do lápis, mas rolou um mix, e tudo bem.
Lulu chegou e pôde participar com a prima. Desta vez, até titio Guga fez sua colagem, já que tinha prometido às meninas.

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Da retina para o papel

No ano passado, rolou uma oficina de bordado aqui em casa, com Luli e Tina. Como Luli ainda não chegou, Tina pediu para vir "costurar" comigo. Expliquei a ela que não sou boa com costura, mas com bordado, e ofereci uma alternativa de criação artística, com colagem, usando tecido e papel. Mostrei alguns exemplos do que já fiz, falamos de seu interesse em ser estilista e botamos a mão na massa.
Ela logo decidiu o que ia fazer e me perguntou se eu não ia começar o meu trabalho também. Pensei, pensei. Diante de nós, as árvores, folhas, o gato descansando. E a paisagem de todo dia colada na retina colou-se no papel.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Ciabatta que vira focaccia e outras mutações

Como já comentei, comprei farinha Bagatelle para minhas experiências. Usei no pão de campagne, na suposta ciabatta (que acabou virando focaccia) e no meu tradicional pão integral, enriquecido com damasco e castanha-do-pará. Faz muita diferença!
Outra diferença que sempre sinto depois de um curso é com relação aos utensílios - forno, masseira, câmara fria e tal. É quase uma covardia a comparação. No caso da ciabatta, embora tenha feito tudo certinho, a massa ficou puro líquido, e por acrescentar farinha para deixá-la mais densa ela se tornou outra coisa. Já no ambiente de curso, a ciabatta feita foi simplesmente a melhor que comi na vida.
O pão de campagne não dourou nem de longe como na cozinha profissional, mas a textura ficou ótima, melhor na primeira vez (fiz duas vezes a receita), quando deixei a massa por mais horas na geladeira.
Por fim, no caso do pão integral, sem mudar nada no processo que já seguia, a textura ficou muito mais macia e o pão, alveolado, simplesmente pela qualidade da farinha.
Resumo da ópera: ingredientes de boa qualidade e maquinário adequado fazem toda diferença na vida de quem cozinha.

domingo, 12 de agosto de 2018

Evolução culinária

Outro dia, precisei responder a perguntas sobre minha experiência culinária, o que me fez lembrar do caminho percorrido, senão tão longo, mais intenso do que eu pensava. 
Há seis anos, fiz um curso de cozinha, bem prático mesmo, minha estreia em uma cozinha profissional. Foi na Hotec, faculdade de gastronomia e hotelaria que fica em São Paulo. Com preços mais em conta que Anhembi-Morumbi e Senac, tem uma pegada bem "chão da fábrica". Aprendemos a cortar legumes, porcionar ingredientes, fazer mise-en-place, trabalhar em equipe e correr pela cozinha sem cair e sem esbarrar nos outros, além de lavar muita louça, é claro. Os pratos não eram sofisticados, mas gostosos, de modo geral: massas já prontas com molhos diversos, feijoada, canja de galinha, arroz primavera e outros que agradam à maioria das pessoas. 
Já havia sido um salto de tecnologia para quem havia assistido a aulas-shows na Casa Arno e feito um curso de pães em um dia na Masseria (embora neste já colocasse a mão na massa). Quando fiz o da Hotec pensei comigo mesma que jamais teria um restaurante, a julgar pelas horas em pé, correndo de um lado para outro. 
As coisas, porém, foram ficando mais interessantes quando fui, dois anos depois, fazer o curso do Luiz Américo Camargo, de pães artesanais com fermentação natural, na escola do Rogério Shimura, a Levain. O nível se elevou na cozinha de panificação e confeitaria, com um professor célebre, embora padeiro amador, caso do Luiz Américo. Antes das aulas eu já havia feito um curso on-line de pães artesanais na Eduk, com Márcio Kimura e Sauro Scarabotta, do restaurante Friccó, e tinha até feito o meu próprio levain, além de já ter lido o livro do Luiz Américo, Pão Nosso. Ou seja, já estava pronta física e psicologicamente para a correria, além de não estar boiando totalmente no assunto.
Depois passei, no ano seguinte, pelo Senac, uma referência nacional no tema gastronomia, no curso de massas e molhos. Enfim aprendi a usar o cilindro de massas, embora ainda precise praticar muito. Ou seja, das massas prontas do curso na Hotec passei a saber fazer minhas próprias massas frescas. 
Tive o privilégio, em Salvador, de fazer um curso com Elíbia Portela, a conhecida culinarista que tornou mais popular o pão delícia, patrimônio soteropolitano. Em seguida, voltei à Levain para um curso básico intensivo de pães, 40 horas fazendo mais de 20 tipos de pães. Muito diferente do que fizemos no Ateliê do Boulanger, mas totalmente válido no feitio de pães mais populares, mais ao jeito brasileiro, ricos em ingredientes, macios mas com menos gordura que os franceses. 
Como já disse aqui, resolvi fazer o curso no Ateliê justamente por indicação de um colega da Levain, e achei fantástico, realmente o nível mais alto a que cheguei num curso de pães. No caso da gastronomia em geral, estou às voltas com uma especialização em gastronomia e cozinha autoral, modalidade EAD oferecida pela PUC-RS, chique no último, como se diz no interior. 
Uma coisa levou a outra, pela prática, pela curiosidade, pelo prazer em cozinhar. Certamente porque é algo em que me reconheço, que reúne criatividade e serviço. Claro que o reconhecimento só é possível quando o que fazemos encontra eco em nossa alma. Daí para o aperfeiçoamento é um caminho natural e sereno. 

sábado, 11 de agosto de 2018

Pão, um infinito aprendizado

Quem me falou do Ateliê do Boulanger foi meu amigo Guerra, que fez comigo o curso básico de panificação na Levain. Eu tinha reparado que os pães dele estavam cada vez mais maravilhosos no Instagram e fiz um comentário a respeito. Ele logo me revelou o caminho das pedras: um curso especializado em panificação francesa. Fui atrás de mais informações e, quando foi possível, resolvi fazer desde o Nível I, já que a grade é muito diferente da de panificação básica da Levain, a começar pela técnica empregada, a fermentação bastante lenta das massas. 
Em dois dias de curso, fizemos baguette, ciabatta, pão de campagne, tourte de meule, pão integral, brioche, brioche nanterre, pão viennois, utilizando pré-fermentos e farinha francesa. Somente no segundo dia assamos os pães. E juro que nunca comi uma ciabatta como a que preparamos. Valeu cada centavo (sim, porque não é um curso barato). 
O grupo de alunos costuma ser pequeno - oito, no nosso caso -, os professores são padeiros franceses, a cozinha só tem utensílios e máquinas de primeira linha. A primeira coisa em que reparei foi o tipo de balança usada, em nada parecida com a minha e com a utilizada na própria Levain... 

sábado, 13 de janeiro de 2018

Saúde, esporte e educação

Recebi esta semana os dois livros sobre pães que comprei na Amazon, com preço ótimo - o do Michel Suas, que costuma ter preços proibitivos, e o de Sandra Canella-Rawls, com uma pegada mais científica, que adoro (e já comecei a ler, e é uma delícia). O estudo tem me chamado insistentemente; me faz muito mal estacionar no conhecimento.
E as coisas fluem de tal jeito quando começamos a nos movimentar que me apareceu outro dia um anúncio de pós em gastronomia. Já quero, já vou, em prol da minha saúde mental.
Por outro lado, a saúde física tem cobrado seu preço - tenho apresentado alguns sintomas de pré-diabetes ou de síndrome metabólica, ainda não tenho certeza. Já comecei, antes de conseguir marcar uma consulta médica, a reduzir o açúcar, e até testei o primeiro bolo com xylitol - maçã com canela e gengibre, bom. Se tiver que ser. Tenho aproveitado a deixa para diminuir a ingestão de lactose e farinha branca. Claro que tenho momentos de crise de abstinência, mas aos poucos devo me acostumar com as diversas substituições e milhares de outras possibilidades alimentares.
A hipótese de ter herdado a doença familiar também me fez apertar o pedal, e até me faz gostar mais da musculação. Também achei uns treinos bacanas no site daredbee.com. Mentiria se dissesse que adoro acordar cedo para malhar, como diz meu marido. Só depois de uns 20 minutos é que penso: ah, que bom, agora lembro por que estou aqui, é porque me faz bem! Sempre preferi as atividades mais lúdicas ou mais interiorizantes - dança, judô, tai-chi-chuan, pilates, até ioga.
E a vida segue no melhor estilo tudo-ao-mesmo-tempo-agora: castração de cachorro, rearranjos da cozinha, saúde, estudos, autoescola. Como costuma ser, para não cairmos na mesmice nunca.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Curso de pães à distância e bisnaguinhas frescas

Como só devo fazer mais cursos presenciais de panificação ou confeitaria no ano que vem, a depender da minha agenda de reuniões, acabei buscando opções on-line.
Claro que uma das mais recorrentes nas buscas é a cartela de cursos da Eduk. Já tinha assistido a algumas aulas ao vivo e gratuitas na plataforma, como de pães italianos, de confeitaria com a Carole Crema, de fotografia básica, Lightroom, produção de fotos de comida. De todas, aproveitei alguma coisa.
Agora a Eduk tem pacotes mensais para acesso a todos os cursos. O único senão é que eles cobram um ano inteiro no cartão de crédito, mesmo parcelando-o em 12 vezes - ou seja, não é como serviço de streaming, que posso pagar enquanto uso e depois cancelar a qualquer momento. Mas, de todo modo, no meu caso, acho que será útil de qualquer modo.
Estou assistindo ao curso do Eduardo Beltrame, Panificação 2. Já peguei algumas dicas ótimas (ele não recomenda aquecer água para o fermento sob nenhuma hipótese, por exemplo) e estou relembrando algumas técnicas de modelagem, até mesmo de sova. O primeiro teste foi com a receita de bisnaguinhas - que poderiam ter ficado mais gordinhas e curtas, mas estavam ótimas. Só por isso o curso já valeu a pena.
Vou aproveitar que há nomes como César Yukio, Carole Crema e Lucas Corazza para aprimorar as receitas.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

A importância da concentração

Voltando do pedal com o marido, outro dia, me estabaquei na calçada, tolamente. Fui fazer graça em resposta a um comentário dele e, quando me dei conta, o pneu já tinha raspado na guia e eu voei por cima da bike. Até então eu estivera superconcentrada no meu pedal, na minha respiração, e bastou uma distração pra eu ganhar uma raladura dolorida no cotovelo e rasgar minha jersey de mandacarus.
Hoje já não tenho dúvidas de que estar concentrada, inteira, presente no que faço é o melhor estado, que traz os melhores resultados. Pro trabalho, pra cozinha, pro pedal, pra arte, pra vida. Quantas comidas de bola, queimaduras na porta do forno, tombos, pontos malfeitos, más escolhas seriam evitados?
Claro que nem sempre é possível estar 100% ali, por ter alguma preocupação, por estar esgotada ou de saco cheio. Aí, talvez, o melhor seja fazer outra coisa, nem que seja por 10 minutos. E tentar voltar à concentração. Respirar, zerar os pensamentos e concentrar-se. Experimentar a plenitude do momento, experimentar estar integralmente em contato consigo mesma. É muito, muito bom.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

O bordado e as gerações

Quando cismei de bordar, como já disse aqui, foi por uma premência interna, já lá pelos 40 anos. Ou seja, nada a ver com pressões e padrões sociais - não TINHA que aprender a bordar para ser uma mulher prendada, valorizada pelos dotes casadoiros etc. Fui bordar porque queria, e no vaivém de linha e agulha descobri muito sobre mim.
Agora bordar e costurar estão na moda, como parte de um retorno a saberes antigos, talvez também por questões práticas relacionadas à crise financeira nacional e mundial, o faça-você-mesmo movido por necessidades econômicas.
Mas o que dizer quando uma menina de 6 anos se interessa muito por bordar? OK, teve algum contato com costura na escola bacana onde estuda e onde há alguns professores com ideias libertárias, tal e tal. Lulu teve algumas noções de costura, saber pregar botão e agora está às voltas com a confecção de um manto "pessoal", algo claramente inspirado no trabalho de Arthur Bispo do Rosário. E veio me pedir para ensiná-la, eu que pouco sei, mas que muito amo ensinar o pouco que sei, nunca perdendo uma oportunidade de aprender enquanto ensino.
Bueno, ontem, dez minutos antes do horário combinado, lá veio ela, meio esbaforida, pelo caminhozinho que traz à nossa casa: "tia Sol, tinha me esquecido da minha aula de bordado!" Porém, chegou adiantada, e logo foi se apropriando de linha, agulha e tecido. Pouco depois, chegou Tina, de 8 anos, mais interessada em pinturas, mas ainda assim disposta a acompanhar a prima no curso de bordado.
Tinha arrumado a mesa do lado de fora para bordarmos, mas logo começou a ventar e chuviscar forte, então entramos e elas se acomodaram na bancada da cozinha. Expliquei como colocar a linha na agulha, que elas poderiam escolher com quantos fios bordar. Pedi que fizessem um desenho no tecido, as duas fizeram... árvores. Expliquei como usar o bastidor, e lá se foram as duas, concentradas no alinhavo, conversando e filosofando enquanto bordavam.
Que o bordado continue entrelaçando as gerações, tecendo caminhos, narrativas e momentos como este.

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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