domingo, 17 de julho de 2016

Resumo do dia


Então cheguei aos 44. Com muitos quilos mais, menos disposição, mais sedentária. Perdi boa parte das minhas roupas, o que me deprime sobretudo por ser eu uma pessoa que curte escolher suas vestimentas. Mas estou onde e com quem queria estar, fazendo o que queria fazer, com todo um horizonte de mais coisas a empreender. Para isso, claro, preciso investir na minha saúde - o que só eu mesma posso fazer -, fechar a boca, voltar a me exercitar. Lentamente vou voltando a isso.
Hoje, porém, dia dos 44, não foi dia de dieta: foi dia de moqueca e bolo de chocolate, amorosamente preparados por minha sogra. E dia de presentes carinhosos - galochas pink, livro de história da gastronomia, camiseta para praia, sabonetes de lavanda e baunilha. Só coisas que amo.
Uma chegada feliz, a desses 44. Que prometem, portanto.

Baden Cong a caminho


Demorei a me recuperar da partida de Chico - talvez nunca me recupere totalmente. Prometi a mim mesma não adotar mais nenhum gato. Andamos pensando em ter um cachorro - talvez um pastor alemão, talvez um boxer.
Então Bela acabou dando à luz seis filhotinhos. A ideia de ter um cão de raça foi sendo substituída pela adoção de um dos seis, mais precisamente do mais peludo e chorão deles - Cong. Que agora virou Baden Cong.
Na próxima semana, ele deve vir para cá, quando os irmãos seguirem para outros lares. Mas ele já nos conquistou com seu dengo, o jeitinho bamboleante de andar e sua mistura de urso de pelúcia e lobinho.

domingo, 3 de julho de 2016

Maruins e outros bichos

Venho de uma família de alérgicos. Rinite, sinusite, reação a alguns cheiros e a picada de insetos. Nada que mereça uma internação, mas não costumo passar incólume aos eventos. Acredito que a rinite e a sinusite sejam quase inevitáveis aos nascidos em São Paulo, como eu; desse modo, a saída de um lugar com poluição já reduziu boa parte das alergias.
Por outro lado, em nossa casa abundam os mosquitos. Os pernilongos tradicionais (graças a Deus, ninguém pegou dengue ou zika aqui) e os terríveis maruins (mosquitos-pólvora), que, se não transmitem as doenças dos primos maiores, deixam feridas na pele, tamanha a coceira que sua picada provoca. São tão pequenos que só percebemos sua presença ao sentir o ardor da picada. Resistem aos repelentes, entram por qualquer fresta e picam a qualquer hora. Aproveitei a chegada do clima mais ameno para agora só andar de calça. Mas nossos lençóis invariavelmente têm manchinhas de sangue.
Além dos mosquitos sempre presentes, desde que chegamos, tivemos a semana das cigarras, a dos besouros, a dos cupins/aleluias, a das libélulas. Às vezes, as desagradáveis baratas, algumas enormes, mas provavelmente menos nojentas que as da cidade. Vespas, marimbondos e formigas, quase sempre - aqui conheci a terrível caçarema, cuja picada queima como fogo.
Cada alteração no clima traz um tipo de inseto. Houve também dias de lagartas que viraram borboletas - uma lagarta caiu na minha cara enquanto eu dormia, e isso pesou fortemente na decisão de instalar o forro no quarto.
Uma coisa boa dessa observação dos insetos foi olhar para as aranhas de vários tamanhos e me lembrar do mito de Aracne. Outra coisa foi perceber que a existência dos insetos, mesmo quando inconvenientes, não me incomoda. Quando pequena, aliás, era fascinada por borboletas, por conta de ter lido e amado O caso da borboleta Atíria, de Lúcia Machado de Almeida.
O aprendizado com a natureza pode ser longo e complexo, mas é belo o mais das vezes.

Aracne arpillera II

Ainda não retomei o bordado, mesmo com o retorno de Aracne ao meu imaginário. Mas queria ilustrar minimamente o mundo fantástico que devia sair de suas linhas e agulhas, e assim recorri à colagem, que outras vezes me salvou do vazio ao querer dar vida a uma ideia.
A minha Aracne, como minha protagonista da "Ciranda da Bailarina", recebeu tecido, papel de origami, linha e aquarela. Como a bailarina, teve elementos orientais, mas com um toque indígena (tanta gente já me confundiu com uma índia, afinal), mais precisamente das arpilleristas chilenas, bordadeiras da resistência. (Pensava que se dizia arpilleras dessas mulheres que bordam a dor, mas esse é o nome da tela sobre a qual bordam - de todo jeito, mantenho assim o nome da minha Aracne). E o mito continua a falar comigo, sequioso de mais oferecer.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

domingo, 12 de junho de 2016

Os fios de Aracne

Me meti com bordados faz pouco tempo, como já disse aqui e no Ser o que soa. Isso me fez buscar no íntimo as histórias de Ariadne, Penélope e até Sherazade, essa bordadora de palavras.
Porém, mais no íntimo ainda, havia uma história antiga com o bordado: a história de Aracne. Talvez tenha sido pela evocação de Atena como protetora das bordadeiras e artesãos, quando escrevi sobre Ariadne e Penélope, talvez pelas pequenas e até grandes aranhas que aparecem aqui em casa, todos os dias. Por tudo isso, talvez, tenha voltado a imagem de Aracne, direto de uma pequena coleção de livros que minha mãe nos dera na infância, sobre o princípio das coisas ou algo parecido. Havia um sobre aranhas, que me fascinava, e ele principiava com a lenda de Aracne, mostrando sua disputa com Atena. Lá da infância, seus fios vieram me buscar.
Ora, Aracne era uma artesã lídia. Extremamente habilidosa, não havia quem se lhe igualasse nos bordados. Até se dizia que a própria Atena havia lhe ensinado a arte de bordar. Elogiada em toda parte, porém, ela cometeu o pecado da arrogância, dizendo a quem quisesse ouvir que devia seu talento apenas a si mesma, especialmente quando evocavam Atena, ou para fazer comparações, ou para lhe dizer de onde vinha, afinal, sua arte.
É claro que Atena ouviu essa blasfêmia. Em algumas versões do mito, havia se disfarçado para saber diretamente de Aracne o que ela pensava sobre seu dom. Despeitada, como todo bom deus grego, diante da petulância humana, Atena desafiou a artesã para um concurso de bordados.
Tendo como juradas as ninfas, deusa e artesã principiaram a bordar. Cada uma realizava um trabalho mais bonito que o outro, mas logo ficou evidente que o trabalho de Aracne era realmente melhor que o da deusa. Indignada, Atena destruiu o bordado da rival, para que as ninfas não o pudessem ver e assim considerá-lo melhor que o seu. A fúria da deusa também pode ter sido provocada pela temática dos bordados de Aracne: as torpezas cometidas pelos deuses.
Há quem diga que Aracne tentou se matar, e que Atena, com pena, transformou-a numa aranha, para que pudesse continuar bordando eternamente. Outras versões chamam a isso uma maldição da deusa - Aracne teria que bordar para sempre, sem descanso, na forma de um ser abjeto. Acho que isso tem mais a ver com um deus grego, a pena (no sentido de castigo) perpétua.
Seja como for, Aracne lança seus fios sobre minha memória, irremediavelmente apanhada até que possa dar forma a essa ideia. Criar é sempre a outra ponta do fio, a saída possível ou a transformação da teia em um mundo infindo de conexões, cores, texturas.

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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