quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Da série "Milagres cotidianos"

No táxi, ansiosa para chegar logo à segunda agência dos correios antes de seguir para outro compromisso. O taxista para na faixa de pedestre (o que já é um milagre) à espera da travessia da mãe e da filha que acabou de sair do colégio. A mãe faz uma cara cômica de indecisão, enquanto a pequena de 8 ou 9 anos vai puxando a mãe pelo braço e com a mão livre faz para o taxista o gesto "do pedestre" (tipo patientez, patientez!) infinitamente.
Me perco olhando para ela, e acho que já estou sorrindo quando ela me vê. Parece até que diminui os passos antes de chegar à outra calçada; olha bem para meus olhos, sorri também e me faz um gesto de OK/afirmativo/curti. Parece que sabe que preciso continuar acreditando, e ela me ajuda a acreditar.

Che non posso più!

Assisti de novo a Noites de Cabíria do Fellini. Acho Giulieta Massina uma fofa, algo entre o clown e a moça ingênua que se acha muito esperta. Me lembra Esperando Godot, de alguma forma, mas não deve ser por acaso, já que Fellini é tão teatral. E a língua italiana ajuda a derreter de vez o coração quando, no momento de maior desespero, enganada pela centésima vez e prostrada no chão, Cabíria pede ao falso noivo que a mate: "Che non posso più!"
E no entanto (aqui diferente de Godot) ela desfila em meio aos músicos e jovens que encontra no caminho, o coração se enchendo novamente de esperança quando uma moça lhe sorri e diz: "Buona sera!"
Essa moça que sorri é um desses anjos que surgem na forma de desconhecidos. Só para dizer: aguenta mais um pouco, as coisas vão melhorar.
Eu acredito nisso. Ancora.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Cazuza na veia

I.
Mas ficou tudo fora de lugar/Café sem açúcar/Dança sem par/Você podia ao menos me contar/Uma história romântica

II.
Eu acredito nas besteiras/Que eu leio no jornal/Eu acredito no meu lado/Português sentimental/ Eu acredito em paixão e moinhos/Lindos!/Mas a minha vida sempre brinca comigo/De porre em porre/Vai me desmentindo/Será que eu sou medieval?/Baby, eu me acho um cara tão atual

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Gordice de final de semana

Bolo de caixinha com cobertura de brigadeiro tradicional (com leite Moça e chocolate dos padres Nestlé). Vinte minutos depois de servir ele já estava assim:

"Atividade recente"

Acho engraçado o nome dessa seção no Facebook, mostrando quem eu adicionei, o que eu curti, aonde fui. Será para aumentar a sensação de "realidade" nessa rede virtual? O grau de intimidade dos companheiros facebookianos? Com certeza, segue a linha "no que você está pensando?". Aliás, que pergunta perigosa! Quantos desastres podem ser evitados quando calamos nosso pensamento - e no entanto cada vez mais as pessoas se sentem obrigadas a dizer qualquer coisa, a ter alguma opinião sobre tudo.
Bom, mas para não ser uma completa chata-de-galocha resolvi atender ao convite FB e pensar nas minhas "atividades recentes" (numa divisão meio revista feminina):

BEAUTÉ
- repaginei minimamente o guarda-roupa, admitindo que tem coisa que nunca mais voltarei a usar, seja pelo manequim, seja pelo "status" da minha alma hoje
- cortei os cabelos, retoquei/troquei o tonalizante (um mais rojo, seguindo conselho do eterno cabeleireiro há 15 anos)
- experimentei uma cor de esmalte que não é da família dos vermelhos (mas também não é o amarelo que tanta polêmica causou na época da TV Cultura!): Urban Grey, do Boticário - curti! (taí a foto, "curtindo")

SANTÉ
- descobri que é mais saudável (e simples, e leve) cuidar do outro que cuidar das coisas/assuntos do outro
- estou aprendendo a respirar e por isso avanço no tempo gasto na bicicleta, na esteira ou no cross-trainer - saio do treino cor-de-rosa e feliz
- agora sei que adoro me esticar
- também descobri que me aprofundar em algo tem mais a ver com concentração que com perfeição - isso conferiu nova leveza a dançar, fotografar, bordar

CUISINE
- perdi o medo da panela de pressão depois de comprar uma com válvulas de segurança - a gastronomia caseira agradece
- por isso fiz a receita de lentella da família dos sogros da minha cunhada - provei no Natal e amei; a minha lentilha ficou quase desmanchando (muito tempo de molho), mas o sabor ficou ótimo

COUTURE
- chorei ouvindo Geraldo Azevedo ao vivo, no Sesc Pinheiros - lindeza e simplicidade que ainda tocam meu coração, que bom!
- li meu primeiro Rubem Fonseca, A grande arte, indicadíssimo por Guga, e adorei
- aliás, voltei a ler com mais constância, e há vários na fila
- adotei algumas séries de TV (com temática psicológica ou policial, sempre), como Hannibal, Grimm e Sherlock
- me surpreendi com um filme dirigido por Angelina Jolie, Na terra de amor e ódio (2011) - sobre a Guerra da Bósnia; recomendo!
- por conta do guia da Espanha, retornou meu interesse pela Guerra Civil Espanhola - e assisti a um filme delicado (apesar de algumas cenas brutais) e feminino sobre o assunto, La voz dormida, de Benito Zambrano (2011)
- outro filme ótimo, brasileiro: O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho (2013), sobre a violência patente e latente nas grandes cidades
- em compensação, o novo do Almodóvar (Os amantes passageiros, 2013)... legalzinho...

TRAVAIL
- muito trabalho - e para não cair na cilada da dor incomensurável nas costas, tenho ido à academia o mais que posso (não tanto, mas já ajuda)
- para dificultar um pouco, foi retomada a obra nos fundos do prédio (o pior é a britadeira, que parece vibrar dentro de mim) - bruxismo reativado e todo dia de protetor auricular, ai, meus sais...

VOYAGE, VOYAGE
- estou curtindo (mais que o presenteado!) há mais de dois meses a viagem que vai rolar daqui a pouco mais de um mês
- ando inspirada para escrever meus guias de viagem/flanagem

E mais um monte de coisas borbulhando dentro de mim, como uma poção mágica num caldeirão...

domingo, 18 de agosto de 2013

É dia de feira!

 Um frio daqueles! Mas resolvemos ir à feira. Levei câmera, porque acho as feiras muito fotogênicas.
E apesar do céu cinzento a natureza mostrou suas cores. E os feirantes queriam porque queriam posar para as fotos...

terça-feira, 23 de julho de 2013

O mundo de solidões de Daniel Galera, e nosso também

"No fundo, é uma história sobre a solidão", me disse Guga. Estávamos conversando sobre o livro Barba ensopada de sangue, de Daniel Galera. Ele tinha acabado de comprar tudo o que achou do autor gaúcho depois de ler o romance de 2012, e me emprestou o dito, como costuma fazer quando se entusiasma muito com um livro.
A pilha de empréstimos às vezes cresce, e o namorido fica meio chateado por achar que não partilho do seu encantamento literário. Mas não é de propósito: é que preciso estar no espírito para ler determinado livro. E foi o que aconteceu com o volume de 422 páginas devorado em 3 dias.
É, sim, uma história sobre solidão. E porque trata de solidão me parece verdadeira e absorvente, como as melhores histórias. Na minha opinião, todas falam de solidão e busca. Afinal, não é assim toda vida humana? Lo creo.
A trama em si não tem nada de simples, embora me pareça totalmente verossímil. O professor de natação sem grandes ambições mas bom no que faz resolve morar numa cidade pequena. Vai em busca de uma história mal explicada sobre a morte do avô, pouco depois que seu próprio pai comete um suicídio tranquilamente anunciado. O protagonista que parece pouco intenso em termos emocionais se enfronha na vida (dele, mas que também é do avô, do pai) de forma quase violenta, instintiva, corajosa e irracional. O que quase contrasta com suas teorias intelectualizadas sobre a vida e a subversão que faz do budismo - ele se diz pouco intelectual em relação à ex-mulher, que o trocou pelo irmão, escritor bem-sucedido. Desconfio, nesse ponto da narrativa, que ele tem uma imagem distorcida de si mesmo.
E aqui há uma sacada do autor, algo que me pegou pelo estômago,  mais que o foco narrativo em mudança constante, diálogos e personagens bem construídos: a dificuldade do narrador de fixar rostos e ter de usar truques para se lembrar de alguém, e o olhar no espelho e não se reconhecer. Tem algo de pessoano nisso, embora eu não tenha a menor ideia de "quem" sejam as referências de Galera. Aliás, as associações que normalmente fazemos com autores, artistas, filmes acabam sendo um desses truques de reconhecimento - não dos artistas, autores, filmes, mas de nós mesmos. Na minha cabeça iam pululando Marçal Aquino, Pessoa, Hatoum, Camus, o Rosa de A terceira margem do rio. Tudo inútil, porque não cabia mais ninguém na trama além de um protagonista sem nome.
Isso para não falar do suicídio. Tem gente que simplesmente não pode mais com a vida, e resolve dar cabo dela - eu não concordo, mas até entendo. Ou da necessidade de perdoar, importante sim, mas que muita gente confunde com "vamos fingir que não aconteceu", como quem finge ignorar as cicatrizes que cobrem um rosto. Enfim.
Se Daniel Galera não escrevesse tão bem, tudo isso já seria motivo para lê-lo.

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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