domingo, 9 de setembro de 2012

Meninos, eu não vi - Teatro Cego

Ou melhor, vi. Ou melhor, senti. E por isso vi, de outro jeito, de olhos fechados.
As questões relativas à visão sempre me interessaram bem de perto. Provavelmente por conta da miopia, descoberta aos 11 anos pela professora de Estudos Sociais (sim, tive aula disso!). Depois, pela visão diminuta da minha mãe, perdida pouco a pouco para o diabetes. Sempre pensei que não ver seria pior que não falar (é sério; para a mudez sempre haveria o antídoto da escrita). Por isso as histórias de perda de visão, cegueira etc. me tocam tanto. Li o Ensaio sobre a cegueira aos prantos (o contexto ajudou, claro), fiquei hipnotizada por Janela da alma, de João Jardim e Walter Carvalho. Ganhei um premiozinho de melhores crônicas (mais um conto, na verdade) escrevendo sobre Paulinho (na época nem pensei na história do apóstolo homônimo, perseguidor de cristãos que fica cego e de cujos olhos caem escamas), uma criança míope como eu fui e que de repente precisa usar óculos (um acessório que lhe parece inútil quando ele tem à mão todo o colorido do universo literário). Uma amiga, quando soube dessa croniqueta, me apresentou o doce Miguilim (cuja história também li entre lágrimas). E, por fim, escrevi um pouco sobre essas questões de ver no blog vizinho:

http://seroquesoa.blogspot.com.br/2010/02/os-olhos-de-saramago.html
http://seroquesoa.blogspot.com.br/2009/12/amplidao.html

Mas a experiência do último sábado foi inédita. Quando convidei o namorido para assistir a uma peça feita por atores cegos, ele não botou muita fé. Perguntou: "Mas por que mesmo você quer assistir a essa peça?" Eu disse que seria uma experiência sensorial diferente, porque a peça se passava toda no escuro (algo já experimentado com sucesso na Argentina). "Ah", ele respondeu, menos animado ainda.
Só para aumentar a emoção, quase perdemos a hora da peça, porque confundi o horário com o de outro evento. Já estava conformada em comprar ingresso para outro dia, mas o motorista de táxi se solidarizou comigo e voou para o teatro.
Na verdade, a peça acontece em uma sala na Vila Madalena, a Sala Crisantempo. Infelizmente, só ficará até o final do mês em cartaz (eu soube dela na semana passada, folheando o Guia de Teatro). Então, quem puder, vá ver. Ou não ver, como já disse, porque tudo se passa realmente no mais puro breu. Entramos na sala em fila, tocando no ombro da pessoa à frente. Um "lanterninha" nos conduziu ao nosso lugar. Todo mundo acomodado, a escuridão completa se instalou.
E tiveram início cheiros, sons, gemidos do viúvo rodrigueano. Eu assisti de olhos fechados. E vi tudo o que aconteceu. Ao final, quando as luzes se acenderam, a surpresa com os donos das vozes. Só para não esquecermos como as aparências muitas vezes enganam. Claro que não posso dar detalhes da peça, para não estragar a surpresa.
O namorido? Também adorou, e engrossa comigo o coro de recomendações.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Gourmandise XXV - O primeiro pão com casca

Adorei: fiz uma receita de pão de alecrim e mel, do ótimo blog La Cucinetta (foi lá que vi as dicas preciosas sobre farinha para pães etc.), e produzi meu primeiro pão com casca de verdade. Os outros ficaram gostosos, mas macios por fora e por dentro, quase com a mesma textura.
Ou seja, a Ana Elisa, dona do blog e ilustradora, entende mesmo do assunto e, mais importante, compartilha a informação (eu sei, eu sei, ando repetindo muito isso, mas dou tanto valor a quem sabe proceder assim que não resisto a fazer o comentário). No curso da Masseria, o professor falou do uso do vapor , mas pareceu algo muito complicado de fazer em casa (colocar pedras numa forma, usar uma placa perfurada, essas coisas que soavam bem imodestas). Nos outros blogs que costumo consultar (e que já me ajudaram muito mais que a famigerada apostila do curso) não há essa dica. Do jeito que a Ana explicou, é muito fácil: colocar uma forma com água fervente sob a forma do pão, por 10 minutos, e depois retirar (o forno já deve estar aquecido a 230 graus).  Fiz e deu certo. E o pão é uma delícia!
Ah, sim: acabei de postar que agora vou maneirar na alimentação. Não se preocupem, não há nenhuma contradição nisso. Na verdade, continuar fazendo meu próprio pão (integral) tem tudo a ver com o projeto de me alimentar bem. Também é um pequeno passo na mudança de estilo de vida, da qual as ervas frescas em casa fazem parte.
Incrível como a vida começa a ganhar outro sabor.

domingo, 2 de setembro de 2012

Choque de realidade

Que eu já sabia do meu processo de engorda, isso ninguém pode negar. Aliás, para falta de sorte dos meus amigos, falo disso há alguns anos (no início, provavelmente, mais por perseguir outra autoimagem que pelo fato gritante que ora se apresenta!), um sinal claro de que não tomei nenhuma atitude eficaz para cessar as reclamações.
Pois nada como um choque de realidade para resolver as coisas e parar com a palhaçada: engordei 15 kg em dois anos! Nunca tinha pensado que podia chegar a esse ponto, embora tivesse um histórico de sobrepeso e obesidade na família - o lado paterno completo e pelo menos 25% dos irmãos. Tinha uma esperançazinha de ter puxado o lado materno (que sofre, todavia, de outras mazelas).
Como mantive a mesma faixa de peso por muitos anos, com atividade física intermitente e comendo sempre muito bem (em quantidade, não em qualidade), não faz muito tempo que fui visitar uma endocrinologista. Fiz isso quando comecei a engordar lenta, mas consideravelmente. Comecei uma reeducação alimentar, cheguei a tomar uma dosagem mais leve de sibutramina por um mês e meio e emagreci bastante. Mantive o peso por uns dois anos, até começar a trabalhar em uma editora, sentada por mais de 8 horas todos os dias.
De novo, a escalada do peso, e nada de atividade física. Comecei a fazer pilates, procurei uma nutricionista, e voltei a emagrecer. Por alguns meses e mesmo em um novo trabalho de muitas horas sentada, mantive o peso até receber o convite para ser editora de novo, com bem mais responsabilidades e sem horário fixo, praticamente full time (já perceberam que atribuo parte da culpa da engorda - minha, pelo menos - ao trabalho de edição, não é?).
Aí veio a cereja do bolo: engatei nas experimentações grastronômicas. Aliás, basta ver como principalmente neste ano o blog está mais voltado para gastronomia do que para comentários sobre shows e filmes. Sintomático.
Não pretendo parar de fazer algo de que gosto tanto, então voltei com a carga toda às atividades físicas, incluindo as mais prazerosas, como dança e artes marciais. Nem sempre consigo cumprir a meta da academia (que não curto de fato), mas tento me exercitar pelo menos 4 vezes por semana. E, é claro, preciso fechar a boquinha. Especialmente depois da visita a um novo endocrinologista (indicado pela Clau, bem mais sério do que a que visitei no início do ano), responsável pela notícia bombástica, a de que engordei OITO kg em QUATRO meses (a menos que a balança da médica anterior - ou a própria médica - estivesse completamente louca). E coisas que me pareciam inofensivas, como a fileira de chocolate meio amargo após o almoço, estão sendo abolidas, ou pelo menos repensadas. Ou, ainda, "reagendadas" - a mousse de chocolate, por exemplo, vai ficar para o final de semana.
Além disso, para tornar irreversível o processo de mudança, o resultado dos meus exames já mostrou os índices de colesterol explodindo. Se fiquei desanimada? Muito pelo contrário, acho que precisava de um desafio para tomar uma atitude pontual. Isso também quer dizer que mais uma vez a tônica do blog deve mudar: comidas mais saudáveis, volta a outros programinhas, redescoberta do mundo.
Novos voos, que bom!

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A morte do cerefólio (e a vida que segue)

Meu cerefólio morreu!
Quando eu o trouxe da Sabor de Fazenda, como a erva que escolhi replantar no curso de Jardinagem Gastronômica, ele tinha duas ou três folhinhas amarelas, mas parecia impávido. Como não gostou do lugar onde o coloquei primeiro, com sol direto, mudei-o para um mais sombreado. Logo vários mosquitos vieram habitar o vaso - borrifar pó de café na planta não fez nenhum efeito.
Numa última tentativa, coloquei-o atrás do vaso de ervas "mediterrâneas", para que tivesse meia sombra. E vi o cerefólio minguar implacavelmente, as folhas delicadas amarelando e pendendo para a terra. As salsas pedem bastante cuidado, mas dá para achar o termo perfeito - comprei umas mudinhas (sou insistente com as salsas) que transplantei para o vaso mediterrâneo, e pelo menos uma delas curtiu o lugar. Já o cerefólio, foi ele quem decidiu não ficar, desde o início. Estaria doente? Como saber?
Só sei que tenho aprendido muito na observação das plantas. E esse mudo contemplar acaba sendo bastante útil na observação pessoal - aprendo a falar menos (juro que é possível) e a olhar mais, lendo nos gestos e silêncios o que não se ousa/consegue/deseja dizer. Quando é preciso ensolarar, quando é preciso aquietar à sombra. Mais ou menos nutrição. Revolver o solo. Tirar ervas daninhas, folhas velhas para trazer o renovo. Entender que às vezes "não rola", e tudo bem - perdemos de um lado, ganhamos de outro. Alegrar-se com as pequenas conquistas/bênçãos diárias. Um trabalho incansável, mas que vale muito, muito a pena.
A vida que segue.

domingo, 19 de agosto de 2012

Gourmandise XXIV - Risoto sertanejo

Puxa, mais uma postagem sobre comida! Tenho falado muito disso este ano - no ano passado, falei mais de filmes e shows, no outro ano, sobre impressões cotidianas. As postagens, afinal, tem sido fiéis a cada "momento presente".
Esta, ainda por cima, é para falar de mais um risoto. Criei hoje, para o almoço. Já estava a fim de fazer um risoto com vinho tinto - que, claro, combinaria divinamente com alguma carne.
Tinha comprado linguiça toscana para acompanhar a raizada, receita que aprendi com o pessoal da Sabor de Fazenda. Algumas receitas que encontrei me pareceram meio sem graça - ou só tinham linguiça, ou tinham combinações pouco promissoras. Como também tinha ainda abóbora cabotchá, resolvi juntar tudo. No final, ainda me lembrei do queijo coalho que estava na geladeira.
O risoto ficou bonito e bem gostoso. Pelos ingredientes, me lembrou um pouco baião de dois e quibebe. Algo meio sertanejo. Altamente calórico, mas igualmente compensatório.
Ficou assim:

Ingredientes (4 porções)
1 1/2 xícara de chá de arroz arbóreo
1 litro de caldo de carne
1 xícara de vinho tinto
2 linguiças do tipo toscana grelhadas e cortadas em pedaços pequenos
1 xícara de chá de abóbora sem casca e cortada em cubos
1 fatia de queijo coalho (pode ser daqueles para churrasco; o da marca Tirolez é ótimo)
1/2 cebola roxa
1/2 xícara de chá de bacon cortado em cubos
2 colheres de azeite
1 dente de alho descascado e picado miudinho
1 ramo de alecrim

Preparo
Grelhe as linguiças, espere esfriar, corte-as e reserve. Prepare o caldo de carne - pode utilizar um potinho de caldo de carne Knorr dissolvido em 1 litro de água fervente. Refogue em 1 colher de azeite o bacon em cubos, junte a cebola roxa, em seguida o alho e a abóbora. Coloque 1 colher de água, junte à mistura um ramo de alecrim e tampe a panela por 5 minutos. A abóbora deve cozinhar um pouco, mas não perder a firmeza, pois depois cozinhará mais um pouco no arroz. Desligue o fogo e reserve.
Grelhe também a fatia de queijo coalho; quando tiver esfriado, corte-a em pedaços pequenos e reserve.
Em outra panela, aqueça 1 colher de azeite e acrescente o arroz arbóreo. Despeje sobre ele uma xícara de vinho tinto e espere evaporar o álcool. Junte então o caldo de carne e vá mexendo até o arroz engrossar, não deixando de acrescentar mais caldo quando a mistura começar a secar. Quando o arroz estiver al dente, acrescente o refogado de abóbora e mexa mais um pouco. Em seguida, junte a linguiça e o queijo coalho e mexa bem.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Gourmandise XXIII - Pães em aperfeiçoamento

Eu falei há algum tempo do tal curso de pães que fiz. Adorei etc. Foi muito legal participar da feitura, os pães são uma delícia. Incontestável.
Só que resolvi fazer o pão em casa, até porque os pães da boulangerie são bem caros. A apostila que ganhamos não ajuda em nada - é mais um roteiro de aula para o professor do que um passo a passo para o aluno (e tenho autoridade para julgar, não só porque já fiz muuuitos cursos, mas também porque editava materiais apostilados. Dããã!). Fui escavando na memória o que fizemos no curso, e claro que não me lembrei de tudo. Depois de muito tentar, nem fermento nem pão cresceram, e o resultado não me agradou: dois pães pequenos e massudos (fiz meia receita, mas daí a obter pães-anões...).
Escrevi para o pessoal da boulangerie, e li que, já que tenho ainda muitas dúvidas, "posso fazer o curso de novo" (???). Não gostei. (E esta semana não falei justamente do pessoal da Sabor de Fazenda como exemplo de gente que gosta de compartilhar o conhecimento?)
Fiz minhas pesquisas internáuticas, e cheguei a receitas complexas mas bem explicadas de levain naturel, pré-fermento, dicas de farinha adequada para pães (a Fleischmann tem uma de grano duro especialmente para isso). E, importantíssimo, pesquisei as conversões de medidas: nem todas as farinhas e demais ingredientes têm o mesmo peso, certo? Ou usamos as medidas-padrão (xícara, colher etc.), ou a balança digital (que tem a desvantagem de só conseguir aferir a partir de um determinado peso). O blog Gourmandise dá ótimas dicas de conversão de medidas.
E achei também um blog com uma receita de pão multicereais, no método direto (usando fermento biológico fresco), mais rápido. Acabei descobrindo que o tal blog é do Rogério Shimura, simplesmente uma das grandes autoridades (redundante?) em pães em São Paulo, um ex-colaborador do Alex Atala que em breve abrirá uma escola de panificação. Ele também tem um programa no canal Bem Simples, A confeitaria.
Segue o link com a receita do pão, que deu certo, ficou ótimo (a foto acima mostra que os pães cresceram; além de ainda mais gostosos, eles sairão mais bonitos na próxima):

http://rogerioshimura.wordpress.com/2012/02/01/pao-de-multicereais/

domingo, 5 de agosto de 2012

Manhã verde no meio da Pauliceia - Sabor de Fazenda

Sábado de manhã, e lá fui eu fazer mais um curso. Mas não "qualquer" curso. Esse era mais um dos que resolvi fazer na linha change your life, "coisas de que gosto, e ponto-final", porém também de caráter utilitário. Fui fazer um curso de jardinagem gastronômica na Sabor de Fazenda.
Tinha já ouvido falar do lugar há uns dez anos ou mais, quando li uma vinheta na Veja (quando ainda lia Veja) sobre um curso gratuito de temperos na Vila Maria. Estava começando meus experimentos na cozinha e me lembro de ter feito a inscrição, mas, por algum motivo, não consegui comparecer. Este ano, visitando o blog da Dri Haddad, vi a menção à Sabor de Fazenda e a suas proprietárias, Sílvia e Sabrina Jeha (a Dri deu um curso de papinhas orgânicas com a Sabrina). De imediato me lembrei do tal curso de temperos, e fui buscar novas informações. Dei de cara com o de jardinagem gastronômica e percebi que agora era tempo de fazer o curso, com mais prática culinária e muito mais interesse que antes.
Bom, o que dizer? O curso foi uma delícia, em um lugar "realidade paralela" em São Paulo, em meio a fábricas e grandes avenidas. Além da parte de reconhecimento (visual e olfativo) das ervas usadas na gastronomia, houve, na melhor linha do Eclesiastes, um momento para plantar, um para degustar, um para aprender a fazer. De comer de joelhos a raizada preparada com "azeite de todas as ervas para cozidos" (pode nome mais poético?). Salada com ervas diversas e inusitadas (para mim, para mim!), como azedinha. E, na minha opinião, the big surprise: o brigadeiro de capim-limão. U-A-U! (E também descobri que é pura sorte os meus temperos estarem vivos - preciso rever drenagem, tamanho e local dos vasos.)
Sabrina e Sílvia, e sua equipe toda, são, além de competentes, uma simpatia. Admiro sempre quem consegue (e gosta de) transmitir seu conhecimento com tanta leveza. E haja paciência para o nosso desconhecimento!




Minhas mudinhas da Sabor da Fazenda: tomilho-limão, orégano fresco, nirá, capim-limão e cerefólio. Turma reunida (eu já tinha ido embora, mas recebi essas fotos da Sabrina e resolvi postar aqui), turma na sala e a maravilhosa raizada em preparação, nham!

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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