domingo, 18 de abril de 2021

Thelmas & Louises

Outro dia, revi Thelma e Louise (1991) na TV. Na minha memória, é um dos primeiros filmes com protagonistas femininas e a tratar de temas sensíveis para as mulheres, mesmo sendo dirigido por um homem, Ridley Scott. Assistindo-o hoje em dia, porém, parece até um pouco ingênuo, apesar da violência contra a mulher. Ou talvez seja pelo fato de, além de possuir um olhar masculino, o do diretor, o nosso olhar feminino ter mudado após 30 anos, e tudo o que vivemos ter ficado tão às claras.  
Não foi um acaso eu ter visto esse filme. Na verdade, procurei por ele, após ter criado com queridas de longa data um grupo de WhatsApp, Thelmas & Louises. Porque, para além das aventuras e desventuras vividas pelas maravilhosas Susan Sarandon e Geena Davis, a película, na minha opinião, fala sobretudo sobre amizade. Amizade entre mulheres, algo que tem sido redescoberto com a importância da sororidade nos debates feministas atuais. 
Conheci as cinco integrantes do T&L no trabalho. Lembro-me de um amigo de lá me dizer que eu era muito ingênua de pensar que colegas de trabalho formavam uma família - ele, inclusive, é um irmão para mim até hoje. Mas não se tratava disso: eu sabia que a maioria das pessoas só passaria por mim como águas heraclitianas, para nunca mais voltar. E que uma parte, apenas uma parcela mesmo, ficaria, desembarcaria no meu porto e fundaria cidades no interior, criaria memórias e que tais. Assim tem sido com as cinco, há quase 30 anos. 
Tão diferentes somos! Quantas combinações de qualidades diferentes há em cada uma, mas vejo em todas, em momentos diversos, humor, inteligência, sensibilidade, força e muita doçura. Sinto, mesmo à distância, a dor de cada uma, vibro com o sucesso de cada uma. Em nossas lives, vejo ainda as meninas que trabalhavam comigo, mas sobretudo com quem organizava amigos-secretos, festas de aniversário e à fantasia, com quem viajava, ria e compartilhava dramas, com quem aprendi tanto nesse longo aprendizado de ser e de ser mulher. Estão aí, elas. As mesmas meninas, o mesmo afeto. 

domingo, 11 de abril de 2021

Aquele empurrãozinho na criatividade

Outro dia, uma amiga de faculdade recém-reencontrada nas redes sociais comentou que ela sempre precisa de estímulos externos para criar algo. Que ela não era naturalmente talentosa ou criativa, que para escrever um texto precisava de um acontecimento pitoresco, que executava as coreografias de dança direitinho mas sem brilhantismo etc. Identifiquei-me completamente com ela. Não sei criar coisas do zero. Era meio atrapalhada no flamenco, embora amasse estar ali no meio daquelas palmas e sons de tacones. Escrevo textos mais burocráticos que criativos. Preciso de modelos para desenhar. 
Depois fiquei pensando que a criatividade, na maioria das vezes, também se cria. Como ser mulher, não se nasce criativo, talvez "torne-se". Eu já comentei que, quando necessário, me meto a aprender algo para dar conta de um projeto. Normalmente, aprendo o básico. Não me lembro de ter algum aprendizado muito aprofundado. Enfim. 
De posse da necessidade, arregaço as mangas e mergulho as mãos na demanda. Vencedora das demandas, isso sei que sou. Missão, motivação, o empurrãozinho que me leva a criar. E assim ideias ganham corpo, como o convitinho para o chá de fraldas das gêmeas de Gleice. Aquarela e colagem. Aquarela, o quanto baste, e colagem, para suportar o desenho insuficiente. Sobre branco, sempre ele, a me dar espaço, a me permitir respirar. O espaço em branco, o próprio lugar da criatividade. 

Guiozas da Tchu, a revanche

Da única vez que fiz guiozas, elas ficaram boas, mas meio pesadinhas e feiosas. Agora, só agora, descobri que tem a ver com os tempos de sova e descanso e a forma de abrir a massa. Provavelmente, a outra vez, abri a massa inteira e usei cortador. Quem me deu as dicas agora foi de novo a Tchu, que manja muito das massas e, principalmente, de comida oriental. 
É preciso misturar farinha e água quente na proporção 2 para 1 (usei 300 g e 150 mL). Depois de agregar bem, deixar descansar 10 minutos dentro de um saco plástico para então sovar mais um pouco e então deixar descansar pelo menos 30 minutos dentro do saco. Na hora de abrir - o ideal é já ter o recheio pronto, e desta vez usei shimeji fresco, nirá, cebola, repolho, tudo picadinho e temperado com sal, shoyu e óleo de gergelim e levado a refogar -, é preciso furar a bola de massa no meio e então ir formando um círculo como se fosse um donut grande. Daí se corta o donut de massa duas vezes, para criar duas minhocas, como quando a gente faz nhoque. Corta-se cada minhoca em pedaços pequenos, girando a 90 graus a cada corte, para manter a seção do corte mais redonda. Achata-se com a mão cada pedaço, que é aberto com rolo. Um a um. Imagine a diferença que faz todo esse processo.
Então é só rechear e fazer as famosas dobras (aqui já bateu aquela impaciência e fiz cada guioza de um jeito, mas a massa é tão boa que até que tudo bem, ficou infinitamente melhor que da outra vez). Marido foi contrário a fritar as guiozas, então aproveitei para estrear, após uns 6 anos, minha panela de bambu. Protegi cada andar com papel manteiga furado a faca, para passar o vapor e não deixar as guiozas grudarem no bambu. Acoplei tudo em uma panela já com água e levei para cozinhar pelo tempo médio de 8 minutos. 
Para acompanhar, preparei um molho com shoyu, óleo de gergelim, gotas de limão, nirá picadinho e um pouquinho de molho de ostras. Ficou tudo delicioso. "Profissional", disse Guga. Acho que esse é o elogio máximo que poderia receber. 

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Tem gente com fome em meio ao genocídio

Tenho cá pra mim que toda a extravagância jupiteriana chocolateira foi para aplacar a tristeza com o Brasil chegando a 4 mil mortos por dia, mais de 330 mil pessoas em um ano. Porque realmente não sabemos o que será. Ainda rolou brownie a pedido do marido, uma comilança pascoalina sem fim nos últimos dias do fechamento de trabalho. 
Mas também já decidi que no lugar desse tipo de "consolo" vou me organizar para ajudar outras pessoas a terem o que comer, a última fronteira entre o humano e o desumano. Dá pra cozinhar pra galera? Não, com pandemia não dá. E também estamos longe dos grandes centros, onde costuma haver sempre quem se mobilize para preparar e distribuir comida a quem precisa. Que podemos fazer? Doações para esses projetos preciosos. Quanto? Quanto pudermos, enquanto pudermos. 
Volto a dizer da importância da luz que essa pandemia jogou sobre a iniquidade nacional. Sempre soubemos que assim era. Mas, como disse minha amiga Liu, a questão agora é: o que eu posso fazer para ajudar? Porque a luz pandêmica também mostra como somos privilegiados em comparação a quem não tem o básico. 
Não sei se estamos testemunhando por fim o declínio capitalista de que falava Marx. Temos visto, porém, os efeitos extremos de viver em uma sociedade capitalista, baseada na exploração de uma pessoa por outra, ou de muitas pessoas por poucas. Enquanto, durante a pandemia, aumentou o número de bilionários no país, cresceu em quase 10% o número de pessoas em pobreza extrema, que não tem o que comer nem a quem recorrer, porque o Estado brasileiro, coerente com a desigual sociedade brasileira, dá completamente as costas aos miseráveis. Para o Estado e o atual governo, quanto mais pobres morrerem, tanto melhor - é uma forma sórdida de se resolver o problema da pobreza, por meio da eliminação, por uma torta seleção "natural". 
Gente com fome, o auge da iniquidade. Tantas, tantas pessoas. O horror arrancou o véu só pra que a gente visse atrás dele todas essas pessoas. Tantas, tantas. Que a gente possa aprender a realmente dividir o pão, iniciar a mudança. 

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Sandes cubanos, sorvete de chocolate perfeito e extravagância chocolateira

Na semana passada, fiz os sanduíches cubanos do filme Chef, com o Jon Favreau. Usei lombo fatiado e marinado em suco de laranja e limão, cominho, alho, azeite durante um dia inteiro, presunto de Parma, queijo minas padrão, picles agridoce e mostarda amarela. Não deu tempo de fazer pão, então usei pão francês do supermercado mesmo. Grelhei lombo (podia ter cortado mais fino), tostei o pão besuntado em manteiga, montei o sandes com lombo, presunto, queijo, picles e um fio de mostarda e levei, de novo besuntado em manteiga derretida, ao George Foreman. Ficou uma delícia, a marinada é um perfume só - mas cortaria mais fino o lombo e deixaria mais um dia marinando. Uma observação importante: esses sandes, embora chamados cubanos, parecem ser criação de expatriados que vivem em Miami, tipo o nosso bauru, inventado por um paulista.
De sobremesa, o melhor sorvete de chocolate que já fiz. Usei 200 mL de leite condensado caseiro, 200 mL de creme de leite, 100 mL de leite de coco, 1/2 xícara de chocolate em pó 70% cacau. O leite condensado foi feito com 50 mL de água quente, 60 g de xilitol e 60 g de leite em pó. Perfeição.
E, pra continuar na farra chocolateira, fiz uma extravagância. Lá no querido grupo ECDE dei de cara com os chocolates Monjolo, feitos com cacau baiano pela Luana Vieira, de Barão Geraldo, Campinas. E um ovo de Páscoa de chocolate branco com limão siciliano, gengibre e castanha de caju. E barras rústicas. E um creme de cupuaçu com amendoim e cupuaçu cristalizado, de comer rezando - comi o pote todo em 3 dias, já que marido não curte muito cupuaçu, pra minha sorte (aliás, o creme também é produzido na Bahia, em Olivença). O ovo de Páscoa de 200 g é caro pros nossos padrões, equipara-se em preço a um da Kopenhagen. Mas vale cada centavo - sério, os melhores chocolates que já comi foram estes da Monjolo, que, ainda por cima, são lindos (confesso que tive um certo preconceito de classe quando vi a sofisticação toda, e logo pensei que o pensamento e a ação de esquerda não pode ser restringido por isso, especialmente no contexto capitalista em que vivemos). Só houve o incidente de o pote de creme de cupuaçu ter amassado o ovo. Também a barra rústica não era o sabor que eu queria - são dois, e eu achava que tinha indicado o de frutas secas, mas Luana também não perguntou, e acabou enviando justamente o outro, com frutas secas e flores. E ela tinha prometido enviar uns bombons de presente, mas não rolou. Pontuei tudo isso com ela, que me prometeu enviar outro ovo e a barra correta. A ver. 

quinta-feira, 25 de março de 2021

Frozen yogurt de whey protein e tortinha do McDonald's na airfryer

Duas receitas no final da semana passado: frozen yogurt com whey protein no lugar do leite em pó e com um pouco de xilitol e tortinha do McDonald's de minha amiga Luciana Tchu. 
O sorvete, sem muito segredos: troquei o leite em pó por whey, adicionei um pouco de xilitol, a coalhada que tinha feito, um pouco de baunilha. Bati na sorveteira e pronto. Ficou um pouquinho flocado na consistência, mas o sabor é ótimo, quase tão perfeito quanto o frozen costumeiro.
Quanto à tortinha, cismei de experimentar primeiro uma receita de massa semifolhada da Rita Lobo, mas não deu certo. Ficou muito quebradiça, imprestável. Daí, depois de um quase acesso de raiva, retomei a receita da Tchu, pá-pum, e na hora do jantar tivemos uma tortinha deliciosa preparada na airfryer. Imagino que no forno fique ainda melhor, inclusive quanto à aparência. Aliás, a forma ficou meio atropelada porque eu estava no meio de uma chamada de aniversário de minha amiga Marise. Enquanto conversava com as outras bruxas, fui abrindo massa de torta e finalizando lasanha de berinjela. Daí a tortice da torta. 

domingo, 21 de março de 2021

A obra que podia ter sido

Terminei de ler Torto arado, do Itamar Vieira Jr., esta semana. Tinha muitas expectativas quanto ao livro, que descobri pouco depois de ter sido lançado, já premiado em Portugal mas ainda sem o Jabuti subsequente. Comecei animada, querendo saber a história das duas irmãs quilombolas que vivem no coração da Chapada Diamantina. Itamar é geógrafo e começou a escrever o romance ainda jovenzinho. Depois tornou-se funcionário do Incra, e pôde se aproximar, por conta do trabalho, dessas populações interioranas. 
De fato, há muitas descrições de paisagens naturais - mas pouca exploração dos hábitos cotidianos. Fala-se um pouco do que acontece no terreiro, fala-se dos alimentos que os moradores da região encontram na seca e na enchente. Mas há poucos aromas, poucos gostos, poucas cores. Inevitável pensar em autores que exploram a luminosidade extrema em paisagens assemelhadas, como Graciliano, Jorge Amado, até Camus, com seu Meursault cego pela luz do sol. Graciliano e toda a geração de 30, assumida referência de Itamar, que conseguem nos guiar pelos desertos, nos fazem ter sede, fome, ilusões de ótica. 
O que mais me incomodou, porém, foi, como sempre, a construção das personagens, mais especificamente a forma como falam com o leitor. Uma das irmãs se interessou por estudar, a outra se interessou pela lida na terra. No entanto, ambas se expressam em sua apreensão da realidade de forma muito sofisticada. Claro que a sabença não está só no saber dizer, mas principalmente na forma como se pensa. Mas, mesmo no pensar, a linguagem acompanha o pensante, ou é o que costuma acontecer. Não é o que acontece no livro. A linguagem pensante de ambas tende ao rebuscado, inclusive com pouco do vocabulário local. As expressões locais, tanto da Chapada quanto da Bahia, pouco integram os pensamentos das irmãs. Poderia ser uma história de qualquer lugar. 
Alguém pode alegar que uma boa história é uma história de todo lugar. Sim, mas neste caso é tão importante o lugar em si - tudo gira em torno do pertencer àquela terra - que é estranho que ele não se entranhe completamente no falar-pensar das personagens. 
Por fim, surge uma terceira voz narrativa, a de uma entidade. Descobrimos, sem que tenha sido dada nenhuma pista anterior, que o elemento sobrenatural explica a morte de um algoz da comunidade quilombola. A ideia é ótima, aliás, o argumento geral do romance é todo ótimo. Mas daí chegamos ao título do post, sobre o que poderia ter sido a obra, e não foi, pelo menos para mim. Talvez para o autor tenha sido suficiente, acredito que foi sim. Para mim, foi como dar muitas braçadas, mesmo sem muita esperança, sabendo que ia morrer na praia. E morri, eu, leitora, à beira-mar, cheia de sabão na boca. 

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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