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quarta-feira, 20 de julho de 2022

Matilha

Hoje é dia da amizade, uma data pra celebrar todo-santo-dia, porque se não fossem os amigos de sempre para nos lembrar quem somos, para nos desafiar, para tirar nossa cabeça de dentro d'água ou do buraco de avestruz, realmente não sei o que seria. 
Sorte de quem tem sua matilha. Eu tenho, e fiz questão de recuperá-la mesmo de longe. A importância dessa matilha para mim ficou mais clara, bem delineada, depois de finalmente eu ter terminado de ler, com muitas idas e vindas, o livro da Clarissa Pinkola Estés, Mulheres que correm com lobos
Quem me falou desse livro pela primeira vez foi Karen, há muitos anos. Confesso que tive o mesmo preconceito que algumas amigas têm ainda hoje, especialmente as mais intelectuais - achava que era mais um livro de auto-ajuda. Fiquei surpresa de Karen ter se interessado por ele, ainda mais com um nome piegas desses, e não entendi bem do que tratava o livro quando ela me explicou, embora lá no fundo, bem no fundinho, tenha ficado uma inquietação. Mas ainda não era a hora.
Em algum momento, esse livro voltou em alguma conversa, aí já necessário, fazendo todo sentido do mundo. Não me lembro se foi junto com a terapia, mas certamente foi quando se agudizou minha percepção de que o meu ser mulher neste mundo se chocava com os estereótipos femininos patriarcais; talvez tenha sido quando também comecei a bordar, porque coincidências não existem, o que existe são sincronicidades. O que importa é que o livro voltou, engrandecido, investido de clara importância como se claramente importante sempre tivesse sido. 
Como tudo que é importante, esse livro que trata da importância da mulher selvagem, da matilha formada por outras mulheres, da necessidade de romper os ciclos de opressão exige tempo para ser digerido. Não sei quanto tempo levei entre começar, recomeçar algumas vezes e, por fim, terminar a leitura. Ao fim, ainda descobri, por intermédio da postagem de uma amiga, que havia um podcast, iniciado em 2017, "Talvez seja isso", que destrincha o livro em uma leitura comentada por duas jovens gaúchas. Ouço o programa, agora já paramentada do conteúdo, enquanto bordo - não por acaso.
Para além da necessidade de renascer sempre a partir do que parecia morto, me salta aos olhos no livro e no podcast a necessidade de fazer parte da matilha, como já disse. Nunca me esqueço (e isso me aquece cotidianamente o coração) da importância das amigas em momentos bem difíceis da vida, mergulhada em dor, desamparo e dúvida quanto ao futuro. Sempre havia uma amiga - e eu incluo aqui irmãs, mãe, sogra - para iluminar o caminho, estender a mão, trazer um conselho sábio. Até trazer fogão, botijão, panelas e pratos para a amiga recém-mudada que não tinha quase nada. Ou ajudar em outra mudança, carregando computador, televisão e sabe Deus o que mais no carro. Ou chamar para um café no meio da tarde angustiada e oferecer os ouvidos mais que atentos. Ou, ainda, oferecer um Gatorade e bolachas para alguém febril e moribunda após uma infecção intestinal. Ou rir ou chorar junto, ou tudo ao mesmo tempo.  
A minha sensação é de estar sempre em débito. Minha matilha me dá muito mais do que eu ofereço em troca. Mas o que dou talvez seja o meu melhor, ao menos até aqui: meu amor e minha gratidão. Essa certeza eu acredito que elas têm. 

domingo, 18 de abril de 2021

Thelmas & Louises

Outro dia, revi Thelma e Louise (1991) na TV. Na minha memória, é um dos primeiros filmes com protagonistas femininas e a tratar de temas sensíveis para as mulheres, mesmo sendo dirigido por um homem, Ridley Scott. Assistindo-o hoje em dia, porém, parece até um pouco ingênuo, apesar da violência contra a mulher. Ou talvez seja pelo fato de, além de possuir um olhar masculino, o do diretor, o nosso olhar feminino ter mudado após 30 anos, e tudo o que vivemos ter ficado tão às claras.  
Não foi um acaso eu ter visto esse filme. Na verdade, procurei por ele, após ter criado com queridas de longa data um grupo de WhatsApp, Thelmas & Louises. Porque, para além das aventuras e desventuras vividas pelas maravilhosas Susan Sarandon e Geena Davis, a película, na minha opinião, fala sobretudo sobre amizade. Amizade entre mulheres, algo que tem sido redescoberto com a importância da sororidade nos debates feministas atuais. 
Conheci as cinco integrantes do T&L no trabalho. Lembro-me de um amigo de lá me dizer que eu era muito ingênua de pensar que colegas de trabalho formavam uma família - ele, inclusive, é um irmão para mim até hoje. Mas não se tratava disso: eu sabia que a maioria das pessoas só passaria por mim como águas heraclitianas, para nunca mais voltar. E que uma parte, apenas uma parcela mesmo, ficaria, desembarcaria no meu porto e fundaria cidades no interior, criaria memórias e que tais. Assim tem sido com as cinco, há quase 30 anos. 
Tão diferentes somos! Quantas combinações de qualidades diferentes há em cada uma, mas vejo em todas, em momentos diversos, humor, inteligência, sensibilidade, força e muita doçura. Sinto, mesmo à distância, a dor de cada uma, vibro com o sucesso de cada uma. Em nossas lives, vejo ainda as meninas que trabalhavam comigo, mas sobretudo com quem organizava amigos-secretos, festas de aniversário e à fantasia, com quem viajava, ria e compartilhava dramas, com quem aprendi tanto nesse longo aprendizado de ser e de ser mulher. Estão aí, elas. As mesmas meninas, o mesmo afeto. 

domingo, 7 de julho de 2019

Moda estandarte


Quando eu era menina, era moda usar macacão. Eu adorava. Tinha um apelo disco próprio da época. Eu tive um de tecido atoalhado verde-água que achava o fino. Tive um xadrez modelo mecânico de oficina. Já na faculdade, fui atrás de um mais curto e larguinho, de veludo cotelê creme. Mandei fazer um de shantung vermelho. Quando não encontrava os macacões, ia de salopete. Meu sonho era a jardineira jeans, mas achava que não me caía bem, por não ser alta e magra. 
O macacão saiu de moda por um bom tempo, e voltou há pouco, algumas vezes como uma peça elegante e sóbria. Mesmo despojado, sempre dá a impressão de uma roupa mais "arrumadinha". Isso para não falar da praticidade. 
No último rolê paulistano, acabei encontrando alguns que, além de elegantes-despojados, trazem ainda por cima uma bandeira linda. São peças do Atelier Luiza Pannunzio, que substituiu suas etiquetas de tamanho por elogios às mulheres, vejam só. Como não são estampados, são peças para durar, não associadas à grande indústria têxtil, e sim feitas de modo artesanal. Para arrematar, diretamente envolvidas com o pensamento de resistência e solidariedade femininas.  
É muito bom usar uma roupa que veste bem, envolve corpo e alma e grita aos quatro ventos a sua verdade - não a de uma marca, mas de uma pessoa. Um estandarte, que veste e revela. 

terça-feira, 16 de abril de 2019

O mimimi é o pretexto dos intolerantes e covardes

Mimimi é uma coisa meio sem dono. Se alguém começa a reclamar demais, logo se fala em mimimi, servindo para designar chatos de direita e de esquerda. Ultimamente, o pessoal da ultradireita se apropriou do termo para se referir aos defensores do politicamente correto.
De todo modo, até mesmo quem não se define nem de direita nem de esquerda, por osmose, tem falado em mimimi para se referir a questões fundamentais, seriíssimas, como as que envolvem violências contra mulheres, negros, pobres, nordestinos e público LGBTS. Debaixo do meu nariz mesmo ouvi outro dia uma série de falas impensadas:
"- Quer dizer que não pode mais falar que a coisa tá preta?"
"- Ah, eu acho muita neurose isso. Quer dizer que não pode falar mais nada? Esse povo exagera! Ficou tudo muito chato com esse politicamente correto!"
Dali se passou à esperada associação com o bullying de outros tempos: "Na minha época, era normal falar essas coisas, ninguém se ofendia". Ainda tentei argumentar que nunca uma pessoa branca poderá saber o que é se colocar no lugar de uma pessoa negra que sofre todo tipo de violência, então o que lhe resta é apenas respeitar a maneira como o outro se sente. Mas para ouvidos moucos não há muito o que fazer. Está tudo entranhado, e é preciso muita consciência (algo que "reprodutores" de pensamento naturalmente não têm) e vontade de mudança para arrancar as raízes do preconceito.
Eu mesma reproduzi esse discurso por algum tempo (a chatice do politicamente correto), mas logo caí em mim de que o politicamente correto era uma forma, talvez a única na contemporaneidade, de compensar o desprezo pela ética em si, um paliativo, como as cotas na universidade. Não são o ideal, mas já são alguma coisa. Hoje, graças ao politicamente correto, o ruído é maior, os brados contra a intolerância e a covardia são mais altos, que coisa maravilhosa!
Tenho aprendido muito realizando a pura escuta. Também lendo nas redes sociais o que pensam amigos diversos - mulheres, negros, LGBTS. Sei que o exercício da alteridade é limitado - jamais sofrerei o mesmo que negros e LGBTS -, mas é essencial. E porque tenho tantos queridos lutando contra intolerâncias é que me solidarizo e cerro fileiras com eles. Por isso, ouvir que suas lutas são "mimimi" me incomoda muito e me faz ver com outros olhos as ditas pessoas "normais", e me faz preferir outras companhias no caminho.

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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