sábado, 27 de abril de 2024

Chocotorta argentina

Já é difícil emagrecer na perimenopausa, mas com hóspede que adora um doce fica praticamente impossível. Mas decidi que essa chocotorta argentina será o último doce que farei enquanto Vivi estiver aqui. 
Creamcheese e doce de leite na mesma proporção, biscoito de chocolate levemente embebido no café. É isso. Um pouco doce além da conta, mas bom. 

Povo de livros

Alguns estudiosos dos livros sagrados se referem às três principais religiões monoteístas como "povos do Livro", neste caso a Bíblia, referência central do judaísmo (o Velho Testamento), do cristianismo (principalmente o Novo Testamento) e do islamismo (da leitura feita por Maomé, o Alcorão). Séculos depois, Guttemberg revolucionaria a leitura não só dos livros sagrados, mas de todos os livros, ampliando seu alcance em toda parte. O que não quer dizer que tudo passou a ser lido, pois, antes de tudo, é preciso haver leitores, quem domine as ferramentas do ler.
É triste que hoje, ainda, haja tanta gente que não possa ter o privilégio da leitura - por conseguinte, de imaginar mundos, de ter pensamento crítico, de conseguir defender suas ideias, de fazer a revolução. Ainda é privilégio mesmo, no sentido daquilo que poucos alcançam, uma lástima. Quantos Fabianos ainda há no mundo!
Sempre me maravilho com saber ler, sortuda que sou. Outro dia falei do maravilhamento com saber andar de bicicleta, mas ler é algo, para mim, que suplanta toda maravilha. Já falei disso aqui, mas eu mesma preciso às vezes lembrar que sou parte do povo de livros, assim, no plural, porque são muitos os nossos textos sagrados. Na última semana, foi Dia Internacional do Livro, mesmo dia de São Jorge, senhor das demandas, que nos reveste com suas armas e cores e palavras. 
Então esta semana também fui, pela primeira vez, à Bienal do Livro Bahia, no Centro de Convenções de Salvador. Fazia anos que eu não ia a uma bienal; agora é principalmente o espaço de encontro de jovens e crianças com autores, o que é perfeito. Não rolou fazer networking, o forte é a venda de livros já faz tempo. Mas tudo bem, comprei livros, paquerei outros tantos, atentei para as novidades, inclusive para as editoras que não conhecia, como Malê e Paralelo 13S. Também participei de um evento na Caixa Cultural, num dia com Itamar Vieira Jr. e Luciany Aparecida (que começou na Paralelo 13S), e ainda ganhei livro do mediador, Patrick Torres; no outro dia, com a jovem Roberta Gurriti e o simpaticíssimo Stefano Volp, cujo livro eu havia comprado na véspera, às cegas. Aprendi um tanto com os mais jovens, sobre tecnologias para lançar conteúdos, e com os mais velhos sobre o que é ser um autor negro e nordestino e quanto há ainda a conquistar - enquanto, nós, brancos ou quase, temos a percepção de que há "tantos" autores negros no mercado hoje em dia (isso rende outro post). Pelo menos em Salvador, a literatura feita por pessoas negras e tratando de personagens negras tem tido destaque - me saltou aos olhos o livro que mostra Machado de Assis menino negro, um avanço na forma de contar a história do gênio-bruxo do Cosme Velho. 
Amo ver as crianças e jovens encantados com os livros, com as possibilidades infinitas que eles trazem. E registrei o encontro de uma garota com o professor, provavelmente de Português - o entusiasmo dela ao correr para falar com ele, certamente para compartilhar a alegria de estar ali também. É impressionante a magia da leitura, em todas as fases de nossa vida, como ela nos faz lembrar que somos seres em transformação, em constante recomeço como nas palavras de Cora Coralina no marcador de página com que Guga me presenteou. Leia, plante uma roseira, faça doces. E recomece, sempre. 

Um salve a Jorge e a todos os guerreiros (sempre) de plantão

Porque a luta é diária.


domingo, 14 de abril de 2024

E la nave va

Os últimos trinta dias trouxeram um abalo mais forte, como o tremor que sacode de leve o prédio com a demolição de três casas da rua, uma triste promessa que enfim se cumpriu. Embora o barulho não seja enorme, eu e os vizinhos temos sentido a vibração da escavadeira enchendo de entulho os dez caminhões perfilados na nossa rua, antes tão sossegada. 
O segundo abalo foi o do já esperado mas sempre surpreendente aviso da minha demissão. Foram dez anos de parceria, mas todo fim é melancólico, não é mesmo? Meu segundo melancólico fim em menos de um ano, haja resiliência. E esse fim com mais impactos econômicos que o primeiro também me leva a logo me despedir deste apê que ora treme. 
Mas quase tudo foi bom nos últimos trinta dias. Comecei a tão desejada dança contemporânea na tradicional Escola de Dança da Funceb, que tem até gato residente, além de ficar no amado Pelô. Por fim, conheci o novo MAC, casarão lindo na Graça com acervo contemporâneo de arte e que estava recebendo o BazaRozê no dia. Já de olho em planos para futuro próximo, fui fazer um curso de projetos culturais no MUNCAB, com o ótimo Aléxis Góis. Almocei com Vivi no Boteco do Piri, que serve comida deliciosa e sofisticada em sua simplicidade - coxinha de polvo e feijoada de frutos do mar foram nossas pedidas mais do que acertadas, com direito a abraço do Piri no final. No mesmo dia, fomos ver a maravilhosa Luana Xavier arrancar lágrimas e risos com a adaptação feita por Aldri Anunciação para o teatro do Pequeno manual antirracista, uma emoção-aprendizado que ainda vibra (por falar em abalos) dentro de mim.
Achei uma máquina de waffle no precinho, quase realizando meu sonho de morar numa padaria. Fui ao show de Arismar do Espírito Santo, Robertinho Silva e Carlos Malta na Caixa Cultural, e experimentei uma emoção que há tempos não vivia, num show de música instrumental, de estar no lugar certo na hora certa, vendo aqueles monstros da música se divertindo como meninos. 
Em função da minha demissão próxima, ganhei de meu irmão Hideki um livro para iluminar as ideias, o de meu amigo Natale em parceria com Cristiane Olivieri, Guia Brasileiro de Produção Cultural. Voltei a fazer pão casca dura, sem sova, que ficou ótimo, o que já me deixa feliz da vida. Enfim fui experimentar o arroz de hauçá, no restaurante Axego, saindo da aula de dança, em companhia de Liu, Igor e Sueli - que delícia de prato! Depois de um cafezinho no Marrom Marfim, ainda demos uma espiada na batalha de dança no Largo Tereza Batista, testemunhando o arraso dos dançarinos de vogue. 
Recebi Vivi em casa até que ela consiga outro apê, depois de problemas com a proprietária do que ela havia alugado. Penso que é uma oportunidade de eu devolver ao Universo toda a ajuda que já recebi por aí, e continuo recebendo. 
E senti minha ancestralidade aflorar mais um pouquinho assistindo à maravilhosa série Xógum, no Star+. Agora quero aprender japonês, entre tantas ideias que tenho alimentado e que mantêm minha nau em curso.

domingo, 10 de março de 2024

Os macho pira, e a gente caminha

No último 8M, saí para cortar as madeixas. Já tinha visto várias mensagens lindas sobre o Dia Internacional das Mulheres, especialmente de mulheres, obviamente - dos homens, normalmente, aquele "vocês são fortes mas delicadas, embelezam o mundo, tome uma flor" blábláblá. Daí, o motorista de Uber, que vinha bem na conversa, falando dos malês, da Maria Quitéria, do Dois de Julho, de racismo, de como a educação para mais pessoas possibilitou que os jovens negros ocupem mais espaços etc., me solta essa quando já tínhamos chegado ao shopping: "Feliz dia da mulher! Mas esse empoderamento feminino, na verdade, está acabando com os relacionamentos". Deve ter sido o meu choque que me fez demorar uns segundos a mais no banco do carro ou foi porque o homem se transformou numa metralhadora e acabei perdendo mais de cinco minutos com o discurso de macho ferido, casado há 29 anos, que não entende por que a esposa ainda está insatisfeita se ele, tão disposto a ajudar, assumiu o "papel" que era dela e ficou em casa para ela trabalhar. Só sei que nesse bololô entraram Anitta e Beyoncé, que pregam empoderamento mas "não se dão o respeito", e golpes em aplicativos de relacionamento contra os pobres machos fragilizados por nosso empoderamento. Apesar do choque, fui abrindo a porta do carro e, pezinho já para fora, disse a ele que essa conversa era longuíssima, que ele e esposa deviam fazer terapia, rever combinados porque não existe essa de "papéis" de cada um mas sim papéis que são dos dois, mas que ele devia saber, na verdade, que "as mulheres estão exaustas". Ainda desejei sorte, embora imagine que a esposa está mais para futura ex que qualquer outra coisa - e espero que ele aceite isso sem violência, e que isso o faça refletir sobre a própria postura e entendimento da vida e do mundo.
Impressionante como os homens ainda tentam nos culpar pelo fracasso do modelo patriarcal! É porque não queremos mais esse modelo que eles estão infelizes - ou seja, se alguém tem que ficar infeliz, que sejamos nós, mulheres. Só quem sentiu a infelicidade bloqueando qualquer possibilidade de existir, de respirar pode se colocar contra esse tipo de situação. 
Comentei com minha cabeleireira, assim que cheguei ao salão, sobre o episódio. E ela disse que, mesmo sem conhecer a esposa do motorista, não poderia jamais lhe dar razão, só poderia ficar ao lado dela. Achei de uma beleza reconfortante essa fala. A luta é de todas nós, sempre, todo dia, inclusive contra o machismo de mulheres. E então revi, entre as postagens do 8M, a imagem histórica de Rose Zehner organizando as operárias na fábrica da Citroën, na França, em 1938, registrada por Willy Ronis e só publicada nos anos 1980. E me vieram ao coração tantas mulheres que engrossaram as fileiras nas últimas décadas que o desenho saiu fácil, representando latinas, negras, palestinas, indígenas, orientais, trans, mulheres de todo tipo e de todo canto. Todas no mesmo caminho contra a opressão, porque a nossa natureza é a liberdade, e só podemos ser livres de fato se todas forem. 

quarta-feira, 6 de março de 2024

Bar da Monica, uma pequena aventura na Gamboa

Mais uma vez na Gamboa, desta vez no Bar da Monica, com Vivi. Embora nas mesmas paragens, um rolê completamente diferente do Re-restaurante de dona Susana. Explico.
Quando fui ao restaurante de dona Susana, com Marise, era só entrar na comunidade, pelo caminho do casario colorido pela galera do Musas, seguir a multidão e logo estava lá. Achei que o caminho para o Bar da Monica fosse mais ou menos o mesmo, só andando um pouco mais à frente. Ledo engano. Perguntamos aos moradores que íamos encontrando como chegar lá, e cada pessoa dizia uma coisa. Entendemos, de todo jeito, que tínhamos de subir escadas, e não descer, como quem vai até dona Susana. Até que uma senhora disse que tínhamos de subir até voltar para "a pista", ou seja, a Avenida Contorno, e então "atravessar". Atravessar para onde, meu pai? Para a rua Carlos Gomes? Nesse momento, e porque não víamos visitantes, tudo era muito ermo, resolvemos voltar até o lugar de onde partem os barquinhos. 
Sim, para se chegar ao Bar da Monica, o mais comum, pelo que vimos, é via barco. Descemos uma escadaria imensa até a praia pequena e pedregosa, e perdemos uns bons minutos vendo a suposta organizadora da saída de barcos brigar com os barqueiros antes que pudéssemos tomar um barco e sair. Gleison, o barqueiro, disse, todo sorridente, que era só chamá-lo, a qualquer tempo, que ele iria nos buscar (pagamos 20 reais por pessoa pela ida e volta). 
Quando chegamos, o bar estava completamente lotado, por volta das 10h30. Daí percebemos a grande diferença para o restaurante de dona Susana - o bar da Monica é praticamente uma barraca de praia, então, como se estivéssemos na praia, o pessoal chega cedo e fica até altas horas. Se não fosse por Sadan, o garçom com maior boa vontade do lugar e, oficialmente, o melhor organizador do espaço, não teríamos arrumado nem uma cadeira. Ele colocou uma mesa com guarda-sol para nós lá em cima, perto da cozinha, e lá pelas 15h, quando nem sonhávamos com mais nada (até porque já tínhamos dado nosso mergulho), nos convidou a ocupar uma mesa bem na frente do mar - que não era a mais bem localizada, porque, como ficava diante da escada do "píer", tinha uma barreira humana diante dela, gente fotografando, gente olhando, conversando, sentando em cima da mesa. A zoada também era grande, com todas aquelas pessoas concentradas sob a cobertura, com caixas de som e que tais. 
E a comida? Pedimos moqueca mista, ela veio com meia dúzia de minúsculos camarões e duas postas de cavalinha. Nem de longe se compara à de dona Susana, e é mais do que o dobro do preço. Mas ninguém ali se importa, porque o atrativo do lugar é o lugar, é o mar diante de todos, a possibilidade de poder dar um mergulho, ou vários, entre um aperitivo e outro. No meu caso, até descolei um macarrão emprestado, por coincidência de uma amiga da minha professora da academia, imagine. 
Vale a pena? Vale muito. Mas os locais já sabem: é para chegar cedo, passar o dia, de preferência apostando em petiscos, e não no almoço. Sim: chegar de barco, e não se aventurando pelo labirinto da comunidade, deixando a aventura para a travessia marítima. 

terça-feira, 5 de março de 2024

Rio Vermelho de amor

Sempre tive a maior simpatia pelo Rio Vermelho, a começar pelo nome. Ainda por cima, é um bairro charmoso, cheio de lugares para visitar. Foi um dos lugares que busquei quando decidi me mudar para Salvador, mas a demanda intensa deixa os aluguéis nas alturas. A praia não é incrível, como não são as praias de Salvador em sua maioria, mas o visual é lindo. Ainda por cima, é o cenário da festa de Yemanjá, que agrega todas as gentes em fevereiro. Este ano, voltei à festa por terra - a primeira vez foi há 27 anos, quando eu entendia menos ou nada da cultura baiana, e naquela ocasião, depois de lançar flores ao mar, resolvi ir ao Pelourinho, e no caminho conheci uma senhorinha cuja sacola ajudei a carregar e que me convidou para uma festa no Rosário, privilégio sagrado. 
Desta vez, na trilha do sagrado, fui a pé de Ondina ao Rio Vermelho, acompanhada da querida Suely, no meio do mar de gente, onde conseguimos encontrar Cris. Tudo na Bahia é mar, e o mar de gente está em toda parte. Lançamos nossas rosas, pé na areia, e descobrimos o serviço essencial de lavapés - dois rapazes na escada de acesso à praia derramavam água fresca nos pés dos ofertantes, e ainda enxugavam e calçavam os pés de cada um, recebendo em troca "o que quiséssemos dar". Ouro daria, se ouro tivesse! 
No ano passado, viemos à festa pelo mar, o que foi lindo de ver também. Mas estar no meio da multidão tão diversa, tão alegre, é incomparável, com pessoas de todas as idades, de bebês vestidas de baianinhas a senhoras octogenárias dançando na rua com alegria contagiante. Só foi difícil almoçar por ali, tudo completamente tomado - aliás, este verão foi impressionante a quantidade de pessoas em Salvador, em qualquer lugar. Tivemos de almoçar em Ondina por não encontrar lugar no Rio Vermelho; só tínhamos conseguido sentar num bar-corredor, com garçons simpáticos e muito atrapalhados e um som que impossibilitava qualquer conversa, então almoçar ali nem pensar. 
Mas eis que, uma semana depois, voltei ao Rio Vermelho para encontrar Marisa e Harley, recém-chegados de Alagoas (ai, que saudade deu!). Fomos tomar um sorvetinho, bater papo e dar um rolê ali mesmo na Casa de Yemanjá. Só aí me lembrei de que os mosaicos lindos da casa foram feitos por meu amigo Ed Ribeiro, pintor dos orixás, que conheci nas andanças com Liu e Igor na Vitória, confirmando a tendência do Rio Vermelho de ser um lugar de encontros e afetos.

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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