domingo, 24 de setembro de 2023

Retomada da cozinha

Principalmente nos últimos dois anos peguei um bode tão grande de cozinhar que, após a mudança, fiquei um mês comendo mal e erraticamente. Cedi a tentações e facilidades do supermercado muitas vezes (biscoitinhos, pãezinhos cheios de conservantes, sorvetes).  
Ter assistido às três aulas gratuitas da Marina Linberger, já disse aqui, me inspirou a criar meus cardápios semanais, o que tem sido de uma ajuda imensa no dia a dia. Uso os domingos para cozinhar de quatro a cinco pratos, que rendem várias porções, às vezes para duas semanas. Ainda preciso reabsorver o consumo de saladas, mas já tenho feito legumes confitados, para começar.
A semana na Chapada Diamantina me ajudou muito a comer melhor, mesmo almoçando sanduíches - no café da manhã e no jantar compensávamos com comida bem variada. Esses dias, porém, às voltas com alguma ansiedade ligada a família e trabalho, houve momentos que até aquecer a comida parecia um custo. Até encontrei um nhoque de batata no supermercado e preparei ao molho de limão para jantar (e deve render mais 2 porções durante a semana).
Mas estou voltando a gostar de cozinhar, aos poucos. Daí saiu de novo bolo de cacau com tâmara (herdada dos lanches no Pati), saiu o inédito crumble de uva (com uva vitória do São Francisco, perfeita), maçã, nozes e aveia da Rita Lobo, bem como o fricassé de frango feito com sobrecoxa, também receita de dona Rita Panelinha. 
Mesmo com dificuldade de abrir mão de sucos e doces, sigo pelo menos no caminho da comida de verdade, com pouquíssimos ultraprocessados (exceção feita à batata palha do fricassé, of course). 

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Deu Pati, alto astral

Desde que ouvi falar do vale do Pati, quis conhecê-lo. Do marido, ouvi que era muito difícil para mim, e isso só o tornou mais desejável. Mas só agora é que pude realizar o desejo. 
As condições eram as mais favoráveis? Nunca são, nunca espero que sejam. Só me basta uma brecha para ir em busca. Comentei com amigos queridos que queria ir, eles também queriam, fomos dando forma ao desejo em comum e o sonho virou projeto. Quando já tínhamos combinado tudo, veio a notícia de uma possível demissão, e a viagem se tornou ainda mais urgente.
Lá fomos nós, munidos dos equipamentos listados por nossa guia, Renata. Saímos de Salvador para Palmeiras, de lá para a vila do Guiné, numa típica estrada de terra no coração da Chapada Diamantina. Chegamos à noite, pois ainda ficamos parados na BR por causa de um acidente perto de Santo Estêvão. Na Pousada Donana, um casarão ricamente decorado com madeiras e ferros de demolição, uma comidinha quente nos esperava. No outro dia, de manhã, seguimos de carro até o início da subida do Aleixo, atravessamos os Gerais do rio Preto e descemos a insana rampa. Ali ainda não sabia usar o cajado, e o medo de escorregar era grande. A descida parecia não ter fim, mas teve, e rumamos pra famosa Igrejinha, hoje uma espécie de arraial com vários quartos e banheiros, além de espaço para jantar e café da manhã e gengidrinque, bebida onipresente no Pati. 
No dia seguinte, rumamos pra casa de dona Raquel, na minha opinião a mais fofa das visitadas, tocada por sua filha Lia e o marido Altemar, e de lá fomos conhecer as cachoeiras Bananeiras e dos Funis. Também foi cansativo, ainda mais carregando roupa molhada, e a chuva que tinha caído à noite já deixou os caminhos enlameados e escorregadios. Para mim, o grande aprendizado de perder o medo de andar em pedras, caminhos de rios etc. desde a queda do bote em Brotas. Renata achou que não daríamos conta de subir o Morro do Castelo (na verdade, da Lapinha) ou fazer a trilha do Calisto, por isso a ida para as cachoeiras. Acabamos voltando para a casa de dona Raquel já à noite e precisamos usar lanterna para caminhar. O jantar ótimo e o clima alegre da casa compensaram tudo, e dá-lhe gengidrinque e alfajor caseiro.
Cedinho fomos para a antiga Prefeitura, ao lado da casa de Jailso e Marta, da família de dona Raquel (a Racheland é um sucesso). Desisti de sair e fiquei sozinha para ajustar meu diapasão interno, o que foi ótimo. Mais tarde, ficamos observando as estrelas no céu absurdamente lindo do vale, e até estrelas cadentes vimos. A especialidade local são o vinagre de banana e o licor de banana clarificado feitos por Jailso; claro que trouxe um frasquinho de vinagre para enriquecer meus pratos.
Partimos para a trilha do encontro dos rios Pati e Cachoeirão, mais maneira, em plena Mata Atlântica. Rolou terapia e visita de libélulas azuis, sinal de bom augúrio. Somente então, depois de banho nos pocinhos com hidromassagem, rumamos para a casa de seu Eduardo, tropeiro lendário - a casa é cuidada por seus filhos Domingos e Vítor. Aliás, a diferença entre as casas cuidadas por homens e as cuidadas por mulheres é evidente - há mais capricho, apreço pelos detalhes nos pousos liderados por mulheres, desde papel higiênico de qualidade e espelho e sabão líquido nos banheiros a jardim de flores e ervas. Mas todas as casas são muito limpas e organizadas. A casa de seu Eduardo é a mais rústica; a comida é boa mas não se compara às da Racheland. O gengidrinque pode deixar de pileque. Até recarregar o celular é mais difícil ali, embora em todos os lugares a energia elétrica seja bastante controlada, e em nenhum lugar haja rede de celular (só carregávamos os nossos para usar a câmera, e eu tentava manter o Garmin no ponto). 
No sábado bem cedinho partimos para o maior desafio: atravessar a fenda do Cachoeirão, subir os Gerais do Cachoeirão e depois os do rio Preto, num caminho mais longo que o da vinda, e então descer o Aleixo. Houve um momento em que achei que minhas panturrilhas iam estourar na subida sem fim de pedras e pequenos abismos. Atravessamos corredores de tiriricas, servimos de alimento para mutucas, andamos 10 horas quase sem parar. A água foi rareando e também ficando menos fresca. Tomei um gel para dar uma animada. Pensei que levar isotônico pode ser muito útil, além de hidrosteril (que esqueci). Uma vista mais incrível que a outra, mas muitos turistas nos dois mirantes, quebrando o clima de contemplação com muito ruído. O Garmin morreu no caminho. Quando chegamos enfim à descida do Aleixo, me pareceu muito mais fácil, e até foi rápido descer. O cajado e os tensores nos joelhos foram fundamentais. Fiquei orgulhosa de ter preservado os joelhos. Saí só com trapézio dolorido, além das picadas mil e uns roxos nas pernas, principalmente das batidas da pochete. Fiquei orgulhosa de nós, de termos ido até o fim mesmo sem todo "preparo".  De prêmio, encontramos pizza fresquinha na Pousada Casarão, em Palmeiras, feita pela simpaticíssima Cida. 
Sim, o caminho se faz ao andar. É preciso sempre dar o primeiro passo. Se estivermos em boa companhia, fica mais fácil e ainda melhor.

À la garçon

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Eu sei que pelo menos isso é verdade

Revi semana passada a excelente I know this much is true, série da HBO estrelada por Mark Ruffalo, que vive de maneira emocionante irmãos gêmeos, um esquizofrênico e o outro "normal". Tinha me chamado a atenção que o nome da série e do livro fosse igual ao refrão da canção True, do Spandau Ballet. Seria coincidência? Desta vez, assisti à série com atenção de quem testemunha, e acabei descobrindo também que a canção parece falar de alguém que está fora da realidade, como Thomas, o gêmeo esquizofrênico.
Estamos vivendo uma época tão extrema em tantos aspectos que a saúde mental de qualquer um pode se deteriorar. Tanto pode acontecer de alguém externar sua violência contra o outro, conhecido ou não, quanto uma pessoa pode ser dominada por paranoias. O que provoca tudo isso? Excesso de informação (mas pouco conhecimento), má alimentação, uso de remédios, hormônios descontrolados? A solidão das cidades, o ultracapitalismo que provoca frustração perene, a polarização política? O sonho do amor romântico destruído? Qual o gatilho? Pode ser simplesmente uma forte luz solar sobre os olhos - nestes tempos de aquecimento global, o que mais teria feito Meursault? Só sei que temos vivido mal, muito mal. 
Tantos queridos têm queixas de problemas financeiros e/ou de saúde, sua ou de outrem, muitas vezes saúde mental, especialmente depressão. Mas também de doenças sem diagnóstico, e também paranoia e esquizofrenia. Às vezes, acho que acabaremos todos enlouquecidos, porque estes tempos não são fáceis pra ninguém. 
E tanto pior fica o quadro com a falta de compaixão com quem precisa de ajuda real. Ninguém é obrigado a ajudar ninguém, sobretudo se não é da sua família (nuclear, de preferência, como frisaram para mim outro dia). Mas é nisso que reside a compaixão, em não precisar ajudar e mesmo assim fazê-lo (que melhor exemplo que o do padre Júlio Lancellotti na cracolândia de São Paulo?). Talvez seja até mais fácil ajudar para quem não tem obrigações morais familiares - vemos o peso que sente Dominick, o gêmeo normal, em ter a vida inteira o samba atravessado por Thomas. Apesar dos pesares, Dominick consegue ter uma vida, casou-se, separou-se, fez faculdade. Talvez se fossem mulheres gêmeas, a coisa fosse um pouco diferente - sim, não consigo deixar de pensar na (maldita) herança cuidadora que se abate sobre as mulheres, mas isso é só mais um comentário no meio desse mar de incompreensões, do outro e de si. 
Como somos frágeis! Essa é a única verdade a que consigo chegar. 

Dentro-fora, fora-dentro

Faz só dois meses e meio que estou em Salvador, mas parece que faz anos! Para além da intensidade dos últimos tempos, com separação, viagem, mudança (pra não falar de cuidados de saúde com pets e família), tem acontecido esse reencontro com tantas preciosidades: artes plásticas, música, cinema, teatro, lugares, pessoas, aprendizados, organizações diárias. 
Conheci a feira de mulheres batalhadoras BazaRozê, que aconteceu na Biblioteca Central dos Barris, e trouxe algumas coisas lindas e gostosas pra casa, até Zenzito ganhou um peixe pra chamar de seu. No meio do agito da Flipelô, fui ver a exposição "Brasil do Futuro", organizado por Lilian Schwarcz no Solar do Ferrão e fiquei muito emocionada de voltar a pisar no solo tão querido e conhecido das artes plásticas. Rolou show de Paulo Carrilho em tributo a Ney Matogrosso na companhia de Jô e Edu, na Saladearte. E ainda teve volta ao teatro, o do Sesc Casa do Comércio, com a ótima Alma imoral, baseada no livro do rabino Nilton Bonder e interpretada pela incrível Clarice Niskier (até encontrei minha vizinha lá!). 
Teve confecção própria de calça e almofadas, com base no aprendido no curso de costura, teve volta de plantas na varanda, ter conseguido instalar uma cortina na sala. Teve enfim a organização de marmitas no domingo, inspirada no curso que não vou fazer da Marina Linberger (inviável nas atuais circunstâncias, mas também porque achei que poderia criar meus próprios cardápios) - consigo deixar pelo menos 14 porções de comida prontas na geladeira ou congelador (até aqui, rolou moussaka, nhoque de abóbora, nhoque de batata doce, chilli beans, curry de frango, karê, escondidinho de frango, dal de lentilha, salada de grão de bico e cenoura com especiarias, legumes confitados, arroz marroquino, quibe de abóbora e ricota, torta de atum low carb, massa de pizza, iogurte natural). E teve até criação de um novo sorvete, inspirado na Almaléa, sorveteria no Rio Vermelho que ainda não conheci mas cujo delicado sorvete de canela com suspiro já pedi no Ifood - o que criei foi inspirado num de ricota com geleia e praliné; o meu tem ricota, iogurte, stevia, geleia de frutas vermelhas (comprada) e praliné de castanha de caju com cardamomo, canela, café e gergelim da Rita Lobo, uma coisa de outro mundo (só trocaria a stevia por açúcar mesmo, porque desconfio que ela deixa os preparados meio arenosos). 
Tudo isso, alegrias e aprendizados, rola numa mente a mil por hora. São o meu bálsamo no meio da vertigem. Mais que nunca, necessários para me manter sã e garantir minha integridade, dentro e fora.

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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