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terça-feira, 21 de novembro de 2023

Afropunk, uma festa de futuros

No ano passado, tive muita vontade de ir ao festival Afropunk em Salvador, que teria, entre diversas atrações, Racionais e Liniker. Mas temia ir sozinha, ainda mais num lugar fora de mão como o Parque de Exposições, em Itapuã (no final das contas, nem é tão fora de mão, tem estação de metrô na frente). Então, este ano, Cris me chamou pra ir, topei na hora. Além da companhia ótima e da experiência inédita, ainda poderia ver Alcione e a bateria da Mangueira - e, com fôlego, Olodum e Baiana System, além de pequenas atrações intermediárias (pequenas mas com alcance próprio, porque todo mundo ali parecia conhecer de tudo).
Chegamos perto do horário anunciado para início, 16h e alguma coisa, mas houve um atraso de quase uma hora. Estava quente, mas o Parque de Exposições é enorme e super ventilado, graças aos céus, e assim não estivemos nem perto da tragédia que aconteceu no Rio de Janeiro, no show de Taylor Swift, em que a sensação térmica dentro do estádio chegou a 60 graus, milhares de pessoas se queimaram nas estruturas de metal e uma fã morreu no meio do show. 
O Afropunk estava bem longe da tragédia. Apesar das agruras da população negra, diariamente, alvo certeiro de tiros por todo o Brasil, e a Bahia tem liderado o extermínio de jovens negros pela polícia, aquele era dia da festa dessa juventude. Num primeiro olhar, eu diria que 95% do público era negro e 60% era LGBT. Minhas fotos não fazem jus ao desfile belo e orgulhoso que vimos à nossa frente, com centenas de tranças, cachos, quimonos, batas, abadás, turbantes, estampas, brilhos, conchas e búzios. Quanta gente linda naquele desfile da diversidade!
Minha maior surpresa foi a quantidade de gente se espremendo no momento do show de Alcione, maravilhosa, potente, sempre simpática. Achei que o ápice seriam o Olodum e o Baiana System, que não vimos porque era muito tarde, e tínhamos, eu, Cris e Julito, compromissos logo cedo. Mas até ali o ápice foi a Marrom, que deixou pequena até a bateria da Mangueira (e a galera não estava ali pelo samba-enredo, estava ali pela sofrência embalada pelo trumpete que a maranhense tanto gosta). 
Foi demais participar dessa festa, tão alegre, bem organizada e democrática. Bom demais ver essa juventude normalmente violentada tendo seu espaço, sua expressão respeitados, e dessa forma se empoderando e podendo vislumbrar o futuro. 

sábado, 5 de setembro de 2020

Já sei desenhar, agora só me falta pintar

Tô tentando dedicar umas horinhas no final de semana a pintar ou desenhar - bordar ainda não. Como disse, demorei um pouco a definir um projeto pro curso de aquarela, e acabei criando quatro personagens femininas. Depois veio a questão da paleta de cada uma. Amaterasu foi a mais difícil; precisei pensar primeiro num desenho para o quimono para daí definir as cores do entorno. Com essa ideia de criar uma estampa - outra coisa que amo -, pensei que talvez fosse melhor usar a aquarela em bisnaga, que parece ter um pigmento mais concentrado, não sei direito, lembrando até um pouco a tinta acrílica. 
E daí veio a realidade crua dar na minha cara: não sei pintar! Vou ter que treinar muito as pinceladas em planos maiores para enfim executar o projeto! Deve ser por isso que gosto tanto dos fundos brancos quando crio ilustras com colagem ou bordo, para evitar preencher o fundo com cor, algo que precisa de paciência (que não tenho em grande quantidade) e muita habilidade (que eu tenho pouca). 

domingo, 9 de agosto de 2020

Paus versus pais

Outra polêmica destes tempos pandêmicos e sombrios foi a que envolveu a campanha da Natura que coloca Thammy Miranda como exemplo de pai presente, junto com outros diversos pais, conhecidos ou não. Thammy aparece sempre em fotos com a esposa Andressa e seu lindo e feliz bebê Bento. Isso mesmo - Bento parece uma criança já felicíssima, cercada de amor, como deveriam ser todas as crianças.
Mas sabemos que não é assim. Centenas de milhares de crianças não conhecem seus pais, ou os encontram esporadicamente, ou são maltratadas e até abusadas por eles, ou sofrem com sua indiferença. Se nem toda mulher nasceu para ser mãe, com os homens acontece o mesmo - mas a sociedade não exige dos homens que participem tanto da criação dos filhos como as mulheres. Nem estou falando de pais e mães perfeitos, mas somente de gente que tope o compromisso, dividir as responsabilidades e tarefas cotidianas. Porém, no interior de uma sociedade machista como a nossa, muitos homens se limitam a ser paus, e não pais. 
E parece que é isso que importa - a representação da masculinidade, normalmente tóxica -, e não o comprometimento humano com o outro. Quando Thammy anunciou que estava participando da campanha da Natura, houve uma revolta dos machistas que não entendiam como uma mulher - eles não o reconhecem como homem trans - podia representá-los com o slogan "pai é quem cria". O que na verdade não podia representá-los é o próprio slogan, porque machistas convictos normalmente não são bons pais, não cuidam de ninguém a não ser de si mesmos. Setores conservadores da sociedade, especialmente da igreja, clamaram pelo boicote da marca. Acabaram vendo o efeito contrário, as ações da Natura subindo e a marca ganhando ainda mais projeção positiva.
Eu tive um pai nada presente, um pau autodeclarado, indiferente, arrogante e ciumento das atenções dadas aos filhos. Não queria nos legar nada, mas não pôde evitar a genética e até as heranças de seu desamor que transformamos como pudemos, cada um com seu cada um. Mas tive um avô, avôhai, seu Antônio Barbosa, gigante amoroso de olhos cinzentos, orgulhoso dos netos, conversador, justo. Não foi um bom marido para minha avó, mas esteve com ela até o fim na nossa criação. Pai é quem cria. Eu atesto, com amor. 

Bey, representatividade e skin tones

Daí que um dos grandes assuntos nos últimos dias foi a fala infeliz de Lilia Schwarcz sobre o álbum visual de Beyoncé. Eu nem conheço muito o som de Beyoncé, só estou ciente da sua importância para a representatividade negra ao redor do mundo, do seu papel de diva pop que há tempos substituiu Madonna, do seu trabalho sempre esmerado em canções, clipes e shows. Mesmo assim, quando li a crítica de Schwarcz, achei-a descuidada e arrogante, ao sugerir que a forma como Beyoncé queria representar sua ancestralidade africana estava errada, que ela devia "deixar a sala de estar". 
Ninguém deve negar a importância de Lilia Schwarcz para os estudos sobre escravidão e diáspora africana no Brasil e no mundo. É uma das mais importantes historiadoras contemporâneas sobre o assunto, inconteste. Mas daí percebemos no seu escrito o ranço branco e acadêmico de dizer ao "outro" como ele deve se comportar, como deve se sentir sobre seu lugar no mundo. Como estamos todos acostumados com os papéis dados a negros, mulheres, pobres, gays, causa espanto a reação às falas de quem sempre pôde falar com autoridade, diante do silêncio dos humilhados. Uma reação dos humilhados e também de muita gente que não quer mais coadunar com a injustiça - talvez uma coisa positiva da pandemia? E aí ocorre uma contrarreação, de brancos acadêmicos que se revoltam com os revoltosos - então os brancos não podem falar mais nada? Como assim, crucificar Lilia Schwarcz? Que atrevimento! E não é mesmo muito ruim esse "clipe" da Beyoncé, credo? E essa estampa de oncinha?
Então, depois de ler uma avalanche de críticas de todo lado, fui ver o álbum visual completo (não é só um "clipe", como muitos acadêmicos disseram), no link enviado por meu amigo Marcelo. E fiquei de cara. Quanta beleza, quanto glamour, quanto trabalho realizado com perfeição! Uma narrativa coesa, bem construída, elenco empoderadíssimo, um look mais lindo que o outro, Beyoncé oxunzando geral, conectada à natureza tão diversa da África, arrasando nas coreografias ou simplesmente reinando em seu trono pop. Fiquei apaixonada, querendo saber mais, de África e da obra de Beyoncé. Claro, a África não é só glamour, não é só consumo, não é só tribo. Mas é tão importante que haja uma mudança de paradigma trazida pela arte, que os negros construam sua visão de si, com todas suas nuances culturais, e não mais carreguem o peso de uma visão alienígena, cheia de preconceito.
Interessante pensar que somente por meio da indústria cultural, nesse episódio Bey x Lilia, o debate sobre o racismo sistêmico tenha alcançado a todas as esferas. Porque no Brasil ele acontece todo dia, toda hora. Na última semana, dois rapazes chamados Matheus foram vítimas de racismo: um deles motoboy, agredido por um sujeito também Mateus, num condomínio no interior de SP, o outro, covardemente encurralado por dois homens num shopping no Rio, quando havia ido trocar um relógio que comprara para o pai. Embora revoltantes, os episódios não chamaram tanto a atenção quanto a querela pop, e são tratados como fatos isolados no racista Brasil (mesmo com o ar de parábola que adquirem, com tantos Mateus reunidos).
O termo representatividade já tem sido contestado por alguns intelectuais, como algo que nega a individualidade. Talvez o mesmo que aconteça quando falamos em "nação", agrupando os desiguais e afastando assim o considerado outro povo. De qualquer modo, ainda acho que é o melhor termo para dar voz e rosto a um grupo, reconhecendo justamente sua especificidade e sua importância. Serve para que negros, mulheres, gays tenham voz e direitos e diferenças reconhecidos. Não para os pobres, que necessitam de uma revolução social que os tire justamente dessa condição, que não é identitária  nem atávica como os poderosos querem fazer crer. 
Somente depois de começar a pensar mais profundamente no racismo contra pessoas negras é que refleti sobre o preconceito sofrido por orientais. Nem ouso comparar, porque são graus muito diferentes. No entanto, cresci vendo o padrão branco como correto. Não havia bonecas japonesas - somente aquelas vendidas como souvenir na Liberdade ou trazidas do Japão por velhos parentes -, nada que se assemelhasse a nós. Durante minha infância, fomos poucos na escola. Somente no ensino médio descobri uma multidão de colegas iguais - e que discriminavam os outros, por sua vez. Até em termos de maquiagem, não havia nada muito específico para as peles amarelas. Quando fiz o curso de maquiagem com uma amiga da Bienal, ela descreveu minha pele como "esverdeada", que eu devia evitar usar verde, azul, vermelho. Fui descobrindo que tons assentavam melhor. Outro dia, li uma matéria sobre maquiagem para peles negras, como isso era importante para a representatividade das mulheres negras que não tinham um nude pra chamar de seu - e que uma marca nacional, Dailus, criou uma linha bem ampla de batons e esmaltes veganos cor de pele. Skin tones. Para todas. Me emocionei, também nunca tive.
Bom, fui atrás da Dailus. Comprei alguns batons, ainda não recebi. Mas achei um esmalte da marca na farmácia outro dia. Já amei. Já me sinto representada. Agora estou atrás de lápis de cor com diferentes tons da pele, para redesenhar o mundo enquanto a revolução não vem.

domingo, 7 de julho de 2019

Moda estandarte


Quando eu era menina, era moda usar macacão. Eu adorava. Tinha um apelo disco próprio da época. Eu tive um de tecido atoalhado verde-água que achava o fino. Tive um xadrez modelo mecânico de oficina. Já na faculdade, fui atrás de um mais curto e larguinho, de veludo cotelê creme. Mandei fazer um de shantung vermelho. Quando não encontrava os macacões, ia de salopete. Meu sonho era a jardineira jeans, mas achava que não me caía bem, por não ser alta e magra. 
O macacão saiu de moda por um bom tempo, e voltou há pouco, algumas vezes como uma peça elegante e sóbria. Mesmo despojado, sempre dá a impressão de uma roupa mais "arrumadinha". Isso para não falar da praticidade. 
No último rolê paulistano, acabei encontrando alguns que, além de elegantes-despojados, trazem ainda por cima uma bandeira linda. São peças do Atelier Luiza Pannunzio, que substituiu suas etiquetas de tamanho por elogios às mulheres, vejam só. Como não são estampados, são peças para durar, não associadas à grande indústria têxtil, e sim feitas de modo artesanal. Para arrematar, diretamente envolvidas com o pensamento de resistência e solidariedade femininas.  
É muito bom usar uma roupa que veste bem, envolve corpo e alma e grita aos quatro ventos a sua verdade - não a de uma marca, mas de uma pessoa. Um estandarte, que veste e revela. 

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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