Ontem, dia de votação do pedido de impeachment de Dilma na Câmara dos Deputados, um show de horrores. Fomos acompanhando a votação, meio hipnotizados por tantos disparates e hipocrisia, e enquanto isso eu fazia minha primeira receita de cannoli.
Trouxe de São Paulo os tubos de alumínio (canotes) para preparar o doce (estava pensando nisso há muitos meses, desde que vi uma reportagem, já não me lembro onde, sobre os melhores cannoli de São Paulo). Como não tenho tido tempo durante a semana para fazer minhas experiências culinárias, acaba sobrando parte do final de semana para elas, e calhou ser o tétrico final de semana da votação na Câmara.
Bom, a primeira receita que testei não deu certo. Foi do programa do Rodrigo Hilbert no GNT, uma matéria a que tinha assistido, de um descendente de italianos que vive no Bexiga. O vídeo não estava mais disponível, mas segui a receita quase toda, com exceção de dois ingredientes que não tinha: vinho licoroso e cachaça.
Essa falta, parece, foi crucial na receita. Acabei adicionando água e um pouco mais de extrato de baunilha (já que este tem álcool) para dar liga. A massa ficou bem densa, mais até que uma massa de pão. Aliás, se pedia para sová-la durante 10 minutos (o que me pareceu estranho para uma massa mais delicada). Não se indicava descanso para ela, então logo comecei a abri-la com o rolo, cortar com aro e enrolar no canote.
Quando coloquei os primeiros cannoli no óleo quente, eles inflaram como pastéis e abriram, soltando dos canotes, um fiasco. E assim foi com a maioria. A massa também não era nem crocante, nem saborosa, embora tivesse chocolate em pó, canela e baunilha, além de farinha, ovo e açúcar.
Meus sogros esperavam a sobremesa quando chegamos com a notícia do insucesso. Assim que comentei com minha sogra que havia faltado a bebida, logo pensei que talvez justamente isso tornasse a massa crocante, o que ela confirmou. Como eu já tinha feito uma porção de creme patissière (só depois descobri que o recheio tradicional é ricota doce) e até doce de leite na panela de pressão, resolvi arriscar de novo, com outra receita. E agora com uma dose de pinga trazida do boteco vizinho.
Pesquisei mais umas quatro receitas diferentes, inclusive do "Cake Boss" Buddy Valastro e criei uma outra, com 30 mL de cachaça, 30 mL de vinagre branco, 2 colheres (sopa) de açúcar, 2 xícaras e meia (chá) de farinha, 10 mL de água, uma pitada de sal, uma outra de canela, gotas de baunilha, 2 colheres (sopa) de manteiga, 1 ovo. Misturei tudo até uniformizar e levei para a geladeira em plástico filme durante uma hora - a massa ficou bem mais mole, parecida com a massa de panetone. Tive mais cuidado em fechar as pontas da massa com clara de ovo e em apertar um pouquinho contra o canote.
O óleo estava megaquente, então carbonizei os três primeiros cannoli. Soltei-os dos canotes, enrolei mais massa e mandei ver. Preparei um prato com açúcar de confeiteiro, passei nele os cannoli prontos e então recheei com o creme patissière (que podia ser um pouco mais consistente, mas estava bem gostoso).
A questão agora é fazer mais vezes, testar outras receitas até chegar àquela textura crocante quase de pastel. E, claro, variar os recheios (nunca me esqueço do canudinho de doce de leite que eu e Karen provamos em Bichinho, Minas Gerais; talvez hoje achasse muito enjoativo, mas a memória afetiva é de que era um troço maravilhoso).
Mas que eles ficaram bem bonitos para uma primeira (segunda) vez, ah, isso ficaram.
segunda-feira, 18 de abril de 2016
quarta-feira, 6 de abril de 2016
Os sabores da vida
Como aprecio os sabores em geral, embora tenha lá meus favoritos, gosto do gosto cambiante da vida. Como o que se apresentou no casamento de Karen e Julio, em que eu e Guga fomos padrinhos - doce é não só testemunhar, mas compartilhar da alegria de pessoas queridas. Doçura também no livro que Guga me deu a caminho de São Paulo, em homenagem aos meus gatinhos: Gatos, de Patricia Highsmith, autora de O talentoso Ripley - já me interessei pelo modo de escrever dessa mulher que entende tão bem os felinos e a crueza humana.
No bate-volta por conta do casório, as risadas com os amigos reencontrados - serão elas agridoces? Não tenho certeza, mas sei que são deliciosas, tão repletas que são de lembranças, afetos e futuros.
domingo, 20 de março de 2016
A liberdade também leva embora
Desde então, a aceitação mútua foi irrestrita, e os dois gatinhos se tornaram meus companheiros de todas as horas. Zen mais falante, Chico mais voltado para a ação. Aqui no sítio, meu gatinho-cachorro vinha correndo quando eu o chamava, me acompanhava à horta e na hora de estender roupas. Gostava de dormir no colo de Guga. Trazia presentes toda noite - quando percebeu que não gostávamos das baratas, passou a trazer folhinhas. Parecia grato por ter recebido de uma hora pra outra tanto espaço, tanta liberdade. Ronronava ao roçar nas nossas pernas, contava o que tinha visto em suas andanças. Quando acordávamos, ele já estava em casa, e o chão, coberto de folhinhas que ele trazia no seu vaivém noturno.
Então, há dois dias, quando acordei, ele não estava em casa. Não apareceu quando abri as janelas. Não veio correndo quando eu chamei. E no calado do meu coração veio a certeza de que ele não viria mais.
Assim como ele foi explorar o quintal do vizinho nos primeiros dias, ele provavelmente foi espiar outras redondezas interessantes. O que aconteceu, não sabemos. Talvez um encontro infeliz com cachorros da vizinhança, talvez tenha se perdido, talvez então tenha sido achado por alguém, que o viu tão bonito e o levou consigo. Mais não quero aventar, porque fico triste. Ontem, cada passo que eu dava para espalhar cartazes com sua foto parecia me distanciar mais do meu Chiquito.
No fundo, eu sabia que isso poderia acontecer mais cedo ou mais tarde. Aqui, ou em outro lugar, já que pensava em me mudar de qualquer modo para um lugar aberto. No caso de Chico, a liberdade adquirida parecia grande demais para ele. Eu sempre procurei dizer a mim mesma, à guisa de pré-consolo, que o normal é que os bichos atendam ao chamado selvagem, que a qualquer momento (especialmente os gatos) podem ir embora. Mas dói.
E é na ausência de outro ser que sinto maior o preço cobrado pela irresistível liberdade.
quarta-feira, 2 de março de 2016
Uma horta que nasce e gente que aprende
Eu estava toda feliz acompanhando o despertar das mudinhas de ervas quando um dia deparei com um sapão dentro de um dos vasos - e pior, ele já havia passado pelos outros, esmagando todas as recém-nascidas.
O primeiro sentimento, claro, foi de cansaço-frustração. Em seguida, a resolução de começar tudo de novo, agora plantando diretamente no chão, no espaço que reservamos para a horta menor. Mas então percebi que os cachorros e os gatos, que gostam de correr por aquele espaço, também podiam esmagar as plantas. Pedi ao marido para cercar a horta para somente então semear de novo.
Agora falta apenas finalizar a porta, mas lá fui eu semear rúcula, couve, tomate, agrião, com ajuda de Guga. Ainda no esquema tentativa e erro (e acerto) para aprender a cultivar, vamos descobrindo também soluções para o dia a dia, como remédios sem veneno para evitar fungos e formigas (leite fresco, o santo bicarbonato - usado também para branquear roupas -, borra de café), de que maneira cercar a horta e até mesmo como proteger nossas botas de trabalho das aranhas e outros bichos (a touca descartável tem, afinal, uma utilidade utilíssima).
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Fora da ordem
Então eu vim. Cheguei de mala e cuia, carregando dois gatos debaixo do braço. Deixei os amigos antigos e novos espantados, por diferentes razões.
Os gatos logo se adaptaram, e trazem folhas, cigarras e de vez em quando baratas de presente, oh God! Zen fica extasiado diante das libélulas e Chico pratica arvorismo amador.
Quanto a mim, nem posso dizer que me "adaptei", embora seja uma pessoa naturalmente adaptável. Aliás, nem havia pensado sobre isso, somente quando fui indagada (várias vezes já). Só trouxe mesmo o que era meu, e as diferenças ficaram por conta das questões externas, alheias a mim. Ah, é difícil achar creme de leite? Usemos leite de coco. Difícil encontrar verduras no mercado? Plantemos as nossas. E para vencer distâncias? A pé, como sempre, ou de bicicleta. Os pés incham nas sapatilhas urbanas? Bora usar sandálias de couro típicas. E provar abacate, coco, limão, acerola, siriguela, caju tirados do pé. Quando sopra o vento fresco do final da tarde, sentar um pouco nas cadeiras da quase-varanda para ver o azul do mar no horizonte e o céu cor-de-rosa logo dando lugar às estrelas.
É, acho que, não fosse eu tão adaptável, a adaptação já teria tudo pra dar certo.
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Rearranjando as memórias
Gosto de trazer souvenirs de viagens. Gosto de ganhar souvenirs, um sinal de que alguém se lembrou de mim em outro lugar. Cada vez mais, escolho souvenirs que tenham a ver com meus espaços - não compro mais "qualquer coisa" só para dizer que estive em tal lugar. Prefiro até objetos que tenham outra utilidade além da de lembrar algo - assim, a memória de coisas queridas se integra ao cotidiano.
Quando fui organizar minhas miudezas-souvenirs, notei que se dividiam em subgrupos principais: proteção, recipientes e bichos. Eram pequenas coleções, e assim as distribuí entre os livros.
*
Enquanto reorganizava visualmente as memórias, lembrei de situações em que dividi experiências com alguém que tinha uma lembrança completamente diferente do que ocorreu - aquela coisa de uma única versão puxando a sardinha para o seu lado, que tem muito de memória seletiva. Eu também faço isso, confesso, ainda que sem querer. Edito, às vezes; olho como quem fotografa, deixando parte da imagem de fora.Depois me ocorreu que, como eu edito e fotografo, muita gente prefere reinventar suas lembranças. Recria-as mesmo, depois de algum tempo sugere uma nova versão para o que hoje é memória. Também é uma espécie de seleção, mas com descarte total, sem direito a "reserva técnica".
Porque lembrar não é algo automático. Lembrar exige coragem, principalmente quando as memórias não são das mais agradáveis. Podemos reorganizar, editar e até descartar, mas evitar o lembrar faz de nós seres incompletos. Quem somos, senão o que vivemos? O que vivemos, senão o que lembramos?
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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016
Tempo de plantar
Particularmente, tenho dedicado algumas horas da semana a fazer as mudas de ervas. Eu, bicho de cidade, ainda fico na maior expectativa de ver brotar as folhinhas dentro das caixas de ovos que fazem as vezes de sementeiras.
A maioria nem deu as caras, mas o manjericão, a couve e, especialmente, a rúcula e a abobrinha vieram para a luz. O tomate começa a lançar timidamente suas espículas. Não vejo a hora de a sálvia também mostrar a que veio.
Agora, porém, vem uma etapa delicada, que é a de transplantar as recém-nascidas para um recipiente mais alto, já que a sementeira-caixa de ovo é muito rasa e as plantinhas não terão espaço para estender suas raízes e assim se fortalecer.
No fundo, no fundo, tudo tão tênue. Sigamos plantando a espera, esperando o desabrochar. Tudo colhendo desse tempo precioso e resvalante.
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