domingo, 20 de julho de 2025

Descasar também é coisa de cinema

Assisti outro dia a um filme indicado por Dani, Mon roi, da diretora francesa Maïwenn. Poderia dizer que é um filme de terror - Georgio, personagem de Vincent Cassel, é um restaurateur charmoso e abusivo que se relaciona com a advogada Tony, vivida por Emmanuelle Bercot. Ele decide tudo no relacionamento: ter um filho, o nome da criança, deixar a namorada/mulher no apartamento enquanto vai morar em outro onde recebe a ex. Georgio é claramente tóxico, mas sedutor, se faz de vítima, um puer aeternus típico, e Tony não consegue se desvencilhar, e até o fim ficamos presas ao filme, sem fôlego, à espera de que ela consiga ir embora. Terrível! Há quem diga que Maïwenn se inspirou na sua história com Luc Besson. 
Isso me fez pensar em outros filmes sobre términos difíceis de casamento após relacionamentos tóxicos. História de um casamento, de Noah Baumbach, traz o casal Nicole e Charlie, vividos pelos charmosos Scarlett Johansson e Adam Driver, vivendo o fim do casamento de forma progressivamente dolorosa. Nicole também abre mão de seus interesses em prol da relação - ela, uma atriz em ascensão, deixa tudo para cuidar da família com o marido diretor, que não abandona nem um milímetro de sua carreira. A advogada Nora, interpretada pela ótima Laura Dern, ajuda Nicole a enxergar a realidade. 
A esposa, filme de Björn Runge, traz Glenn Close no papel de Joan, mulher de Joe, premiado escritor que acabou de ser premiado com o Nobel de Literatura. É exatamente a ocasião em que Joan revê seu casamento, sua dedicação irrestrita que a levou a suplantar seu próprio talento e tornar o marido um escritor reconhecido. E decide abandonar o marido, no meio da cerimônia de premiação. Descobrimos, então, que era ela quem escrevia os livros de Joe, que também tem um ego gigante, como os companheiros das outras películas. 
Acabei hoje revendo A lula e a baleia, também de Noah Baumbach. Impressionante como esse filme de 2005, vinte anos portanto, é totalmente atual. Não há nada nele que possamos chamar de "datado", o que, no fundo, é triste: o machismo, a cultura patriarcal, o marido que manipula, que coloca para baixo para não se sentir inferior e que não suporta a ascensão da mulher - de novo, um casal de escritores. A personagem de Jeff Bridges, o marido, ainda procura alienar os filhos - o mais velho, que busca aprovação paterna, cede, mas o pequeno saca melhor a dinâmica familiar. Walt, o mais velho, tem o pai como exemplo e, ao ser desmascarado por usar uma música do Pink Floyd como sua, diz que sentia que poderia ter escrito a música - algo que seu pai provavelmente diria, no alto de sua arrogância. As mulheres são rotuladas por Walt e seu pai, homens que não amam mulheres. Mas Walt pode ter sua redenção, depois de se lembrar de ocasiões em que teve momentos especiais com a mãe e o pai nunca estava presente. E a mãe, Joan (outra Joan), vivida por Laura Linney, também já deu seu passo rumo a uma vida autônoma. 
A questão nesses filmes não é o dano do casamento em si. Todos eles tratam, na verdade, de homens narcisistas, que colocam as parceiras como apêndices, apoios de seu sucesso, e só. São incapazes de partilha, de se alegrar com as conquistas alheias. Cada vez mais temos visto a realidade de exaustão feminina nas telas - mas, diferentemente de Kramer vs Kramer, em que a mulher é retratada como a vilã que abandona o filho e o pai que, afinal, tem que fazer o básico e é visto como herói. 
Mesmo com tanto ultraconservadorismo hoje, seguimos dando um passo a cada dia, sem interromper a caminhada. Não importa quando, sempre é tempo de fazer o melhor. 

Também gregária

Gosto da minha companhia, graças à deusa. Mas também sou gregária. Se estou em grupo, participo. Claro que os diferentes grupos possibilitam isso ou não. 
Este semestre foi especialmente rico em vivências coletivas. As duas turmas que frequentei como aluna especial foram ótimas, e as aulas de fechamento de ambas seguiram a mesma linha. Senti muito afeto pelas pessoas e pude realmente fazer parte e me sentir ouvida. As imagens dos últimos encontros transbordam afetividade. Num deles, que seria on-line, algumas de nós resolvemos participar de forma híbrida, com café que teve lelê de fubá e acaçá, para fazer companhia às colegas que não puderam voltar para suas cidades - não preciso dizer mais. 
Como julho é meu mês, também me incluí em comemoração de aniversário na casa da ex-sogra, e ainda pedi bolo red velvet, perfeito! Que sorte a minha ter sido atendida! Depois, preparei um brunch em casa com amigos, dessa vez com bolo floresta negra, pães e frios, uma comilança com debates acalorados mas respeitosos. 
Uma fuzarca de vez em quando tem muito valor, ora se tem. Com comidinhas deliciosas, é puro exercício de comensalidade.   


 

Juliana e o direito de ir e vir a salvo

Fiquei tão consternada com a história de Juliana Marins, que morreu depois de cair em uma cratera na Indonésia que demorei a comentar qualquer coisa. Há muitas camadas nessa história - insegurança causada por turismo predatório (não da parte de Juliana, claro), insegurança das mulheres ao viajar, o tratamento dado ao acidente em se tratando de uma mulher latina e negra. A segunda autópsia, feita no Brasil a pedido da família de Juliana, mostra que ela morreu cerca de 32 horas depois da queda, na verdade, em uma segunda queda, escorregando pela cratera. Ela ficou mais de quatro dias ali. Morta havia mais de dois dias. Poderia estar viva se as medidas tomadas fossem as corretas. Claro que há muitos senões a ponderar. Mas o final da história de uma moça tão jovem, que sonhava em viajar o mundo com autonomia e segurança, foi terrível. 
Gostaria de ainda ver um mundo em que todas as Julianas possam ir aonde quiserem, sem medo de não voltarem para casa.  

domingo, 29 de junho de 2025

Jam no MAM, geleia à beira-mar

Por fim, fui. Ganhei uma cortesia de Samuel, colega da pós, e achei que era a hora. Realmente, é mágico estar à beira-mar, em pleno Solar do Unhão, ouvindo a passagem de som, vendo gente de todo tipo se ajeitando para assistir à miscelânea organizada, regida pelo ótimo Ivan Huol, criador do Microtrio e da Jam no MAM. Ainda por cima, teve um tom junino (e não choveu, presente de são Pedro), com direito a sanfona, que eu adoro. Teve Ângela Velloso, sampleando com a guitarra baiana, vixe, essa moça pode tudo! Bom demais. 
Carinho na alma com gosto de geleia, pois formiga estou.  

segunda-feira, 23 de junho de 2025

"Planejar para descaralhar"

Ontem, no perfil da Kiusam de Oliveira no Instagram havia um corte do programa Multipolar, do Michel Mamede, com a atriz Shirley Cruz. Eu não a conhecia, e fiquei encantada com o ensinamento deixado por ela, sobre a necessidade de "planejar para descaralhar", ou seja, chutar o balde com classe quando necessário. Ela contava o episódio de ter sido convidada para fazer uma cena em um filme da Anna Muylaert, que ela recusou, dizendo que a cena podia ser feita por qualquer atriz, e ela tinha muita energia a oferecer, um "útero para colocar na mesa". Como não se apaixonar? E a justificativa, segundo ela, é a de, apesar de precisar pagar boletos, ser necessário se impor - até quando ficaria fazendo "cenas"? Maravilhosa! O resultado foram alguns papéis como protagonista em filmes da própria Anna, inclusive o premiado e prestes a estrear A melhor mãe do mundo (prêmios de melhor atriz para Shirley, melhor roteiro e melhor fotografia no Cine PE e de melhor filme em festivais franceses). 
Hoje, em mais uma tentativa de receber por um trabalho feito há quase 3 meses, dei uma leve descaralhada. Já fui de descaralhar mais, mas a precarização dos trabalhos nos faz perder o élan, guardar as armas. No entanto, hoje resolvi que não, que ia dizer umas coisas. Da minha experiência e amor pela educação, do descaso e desorganização deles. Do cumprimento de prazos exíguos retribuído com falta de informações e adiamentos sem explicação. A resposta, muito pró-forma, veio só para ganhar tempo enquanto a editora faz o que quer. 
Em algum momento, provavelmente receberei o devido, mas a questão é fazer com que enxerguem a profissional por trás da troca de mensagens. Talvez não mude nada. Mas, para mim, é um primeiro passo antes de simplesmente dizer não, recusar o trabalho precário. Ainda chego a Shirley, mesmo depois dos 50. 
Nem sempre precisamos ser educadas não. Mas planejar é sempre bom, mesmo para chutar o balde.  
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sexta-feira, 20 de junho de 2025

Questões de classe(s)

Há alguns dias, fui assistir ao novo filme de Juliette Binoche, Entre dois mundos, do diretor francês Emmanuel Carrère. De cara, me lembrei de Dias perfeitos de Wim Wenders, por Carrère mostrar a rotina de trabalhadoras na limpeza de banheiros e cabines de navio. Claro, são duas propostas muito diferentes, o longa de Wim Wenders se assemelha a um haikai, tamanha sua capacidade de captar a poesia do cotidiano. O filme de Carrère pouco tem de poético, leva-nos num moto-contínuo de trabalho exaustivo junto com as mulheres contratadas por agências para limpar a sujeira alheia enquanto lidam com seus próprios dramas, a maioria deles produzido pela falta de recursos materiais e emocionais. Embora a gente torça para um real envolvimento da personagem de Binoche com suas colegas, a realidade fala mais alto, e ela não sobe novamente na balsa com elas depois de ter conseguido lançar seu livro, um sucesso, aliás, justamente a respeito daquelas trabalhadoras. A classe continua a determinar as distâncias, apesar do interesse "antropológico" da protagonista. 
Como se trata de um filme sobre as classes operárias, poderíamos lembrar também de Ken Loach, quase um E. P. Thompson das telas, outro britânico que traz os desvalidos para o centro da cena, nunca de forma redentora, mas dolorosamente solidária e sem atravessadores de ocasião. Mas, mesmo com a dureza da vida proletária traduzida pelos seus não atores, Loach mostra, como Carrère, que existem mesmo dois mundos separados, não mais proletários e patrões, mas explorados e exploradores. E ainda há quem queira reduzir tudo a questões de "identitarismo", quando o que temos é uma minoria interessada na manutenção da miséria para não abrir mão de seus privilégios. 
Que a arte, seja a de Carrère ou a de Loach, nunca nos deixe esquecer do que se trata.  

https://rollingstone.com.br/media/_versions/2025/05/binoche-conduz-reflexao-sobre-etica-e-invisibilidade-no-drama-entre-dois-mundos_widelg.jpg

Vento de maio, fogueiras de junho, fim do semestre

Semestre chegou ao fim. Tudo passando cada vez mais rápido. Mais conflitos no Oriente Médio, além do genocídio palestino. Maio trouxe muitas chuvas ao Brasil, especialmente no Sul, de novo. Pouco trabalho, mas pingando aqui e ali. Preocupações familiares. O desânimo é grande. Nunca foi tão necessário presentificar. Não ceder nem à ansiedade nem à depressão. Nunca foram tão necessárias a beleza e a solidariedade. Junho veio lembrar da necessidade de se aquecer, a si e coletivamente. Escolher sementes para o futuro próximo, ter consciência do caos para saber lidar. Manter-se no fluxo, não esquecer de respirar. 

domingo, 25 de maio de 2025

Não se entregue nunca

Desde que vi o anúncio do monólogo de Othon Bastos quis assisti-lo, ainda sem saber se viria para Salvador. Veio, e consegui ingresso para o ensaio aberto (não gratuito, mas 1/5 do valor do ingresso do Teatro do SESC - não há, penso, SESC como o de São Paulo, com valores tão acessíveis, e Salvador, com poucas casas de espetáculo, tem cobrado muito caro do público). 
Mesmo de um lugar muito distante do palco, na penúltima fileira do foyer, com joelhos encostando na cadeira da frente, valeu a pena ver esse ícone do cinema, da TV e do teatro aos 92 anos desfiando, por 2 horas, episódios de sua vida com a ajuda da Memória, interpretada por Juliana Medella, sabiamente escalada para dividir o palco mas também compartilhar deixas com o veterano. 
Houve momentos em que tive medo de que ele caísse ou se cansasse ou se esquecesse, de fato, mas ele foi aguerrido até o fim. Com sua voz potente, emocionou a todos, falando de suas primeiras experiências no teatro, como figurante mudo, de como o acaso o levou a grandes papéis, como Corisco em Deus e o Diabo na Terra do Sol, e como algumas vezes foi um "coadjuvante de luxo", caso de sua participação em Central do Brasil. Homenageou amigos, declamou trechos de peças, agradeceu à sua Bahia natal. Foi ovacionado por muitos minutos, merecidamente, plantando na gente a semente da não desistência, a sorrir em cada novo dia. Não tem sido fácil, Othon, mas sorrimos com o seu exemplo e seguimos. 

quinta-feira, 15 de maio de 2025

Antônio e José

Sempre que eu via Pepe Mujica, me lembrava de meu avô, embora seu Antônio fosse um tipo mais bonachão e Pepe, um observador filosófico da vida e do mundo.
Ontem, Pepe partiu, após uma longa luta contra o câncer. Faria aniversário por esses dias, 90 anos. Não pôde esperar. Avisou a todo mundo que em breve partiria, e assim foi, sem dramas, apesar da nossa tristeza. Honras de estadista, mas principalmente de homem do povo. Já faz falta. 
Hoje juntei os dois, meu avôhai e Pepe, Antônio e José. Se se conhecessem, ah, como seria incrível esse encontro! Dois gigantes que não perderam tempo se lamentando, cada um a sua maneira. Gente que faz falta.

domingo, 4 de maio de 2025

Olha a veia que salta, olha a gota que falta

Fui assistir no feriado do trabalhador à montagem de Gota d'água da Companhia Baiana de Teatro Brasileiro, no Teatro Martim Gonçalves. Outro dia, houve a Medeia negra no campus de Ondina da UFBA, mas não consegui me programar para assistir. O fato é que, para sorte dos que amam o teatro, a heroína trágica de Eurípides não perde nunca sua importância. 
Embora já tivesse assistido a Medeia, com Juliana Galdino em 2005, no SESC Belenzinho, e no filme de Pasolini, com Maria Callas, eu ainda não tinha visto, mesmo conhecendo o texto de Paulo Pontes e Chico Buarque, nenhuma montagem de Gota d'água. A atuação de Evana Jeyssen é visceral, como se espera de Joana-Medeia, mas é quase desesperada, no limite, sem perder, contudo, o controle corporal impressionante, como bem pontuou Liu. Evana e Augusto Nascimento dividem o palco, alternando os papéis de Joana e Jasão com o Coro de vizinhos e Creonte, num cenário enxuto, um círculo de areia, que é praia, rua, casa, tempo que escorre dos baldes-ampulhetas espalhados pelo urdimento, mas principalmente arena (feliz escolha etimológica) onde se dão os confrontos desamorosos. 
Fiquei tão mexida que fui rever Callas no filme de Pasolini e acabei encontrando uma versão japonesa, do diretor Yukio Ninagawa, encenada no Epidauro, imagine, na pura tradição do kabuki, portanto apenas com atores do sexo masculino. 
A trama da mulher que sofre por ser abandonada em um país estrangeiro depois de ter dado tudo ao amante tem muitas camadas, como dizemos hoje: ela é estrangeira duas vezes - depois de deixar Cólquida, a terra natal, para ficar com Jasão em Iolco e, então, quando fogem para Corinto depois de serem perseguidos pelos súditos de Pélias, rei de Iolco e tio de Jasão. Medeia é hostilizada por ser forasteira e por suas práticas de magia, que teriam ajudado Jasão a conseguir o Velocino de Ouro e a matar Pélias, que disputava com o sobrinho o trono de Iolco. Jasão, embora ele também estrangeiro, arranja casamento com a filha do rei de Corinto, Creonte, e abandona Medeia com seus dois filhos. Creonte exige que ela vá embora, ou seja, que siga sem lugar no mundo, desterrada. O final, nós conhecemos, e sempre há o desconforto, justificado, diante da decisão de Medeia, que tira de Jasão a única coisa que ela lhe dera que ainda o interessava - os filhos, a dinastia.
É um fato raro que mães matem os filhos - embora aqui e ali haja uma notícia assim, nada que se compare à quantidade assustadora de homens que matam ex-mulher e filhos -, e Medeia não trata apenas disso, embora seja o que nos choque à primeira vista. Para muitos, talvez essa trama ainda seja apenas uma reação extrema da mulher traída. Hoje, mais que nunca, o que vejo nela é a opressão feminina em pleno "século do ouro" ateniense. Impossível ouvir Chico Buarque, já que o mencionei, cantando "Mulheres de Atenas" e não ter um ranço dos atenienses machistas, que dominavam as mulheres como também os estrangeiros e os escravos, nenhum deles visto como "cidadão". Impossível assistir a Medeia e não pensar em como, até hoje, mulheres, por mais poderosas que sejam, dependem de que os poderosos de fato ditem os rumos de sua vida, limitando o exercício de sua cidadania. Na verdade, uma gota da raiva de Medeia/Joana, sem sequer derivar para a violência, é o suficiente, vem a calhar para mudar a realidade das mulheres. A gota que falta.

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segunda-feira, 28 de abril de 2025

Pastel de choclo

Como a banana-da-terra, milho também é uma maravilha. Mesmo não sendo o alimento mais digerível do planeta, é uma delícia. E tem essa identidade indígena indiscutível, dividindo o posto de alimento da terra com a mandioca/aipim/macaxeira. 
Nos países andinos, o milho impera. Eu, que já fui confundida com uma chilena, resolvi fazer esta semana o pastel de choclo, para variar o cardápio. Carne moída bem temperada, enriquecida com ovos cozidos e coberta com um purê de milho. Perfeição. Já que não vou ao Chile tão cedo, que venha ele a mim.

sexta-feira, 25 de abril de 2025

Nhoque delícia de banana-da-terra

Banana-da-terra é tudo de bom. Frita, assada, no microondas, como cartola, purê para acompanhar frango ou peixe, cobertura para escondidinho ou torta de carne de sol ou fumeiro. Só isso já seria incrível, mas daí a gente recebe uma receita de nhoque de banana-da-terra e parmesão, puro umami. A consistência é perfeita, o sabor é perfeito. Nunca mais deixarei de ter banana-da-terra em casa.

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Eu sonho, tu vês

Na semana passada, fui cortar cabelos na companhia de Liu. Ela quis ir comigo porque eu não conhecia o lugar ("uma portinha", disse ela), na região da Avenida Sete. Eu achei ótimo, porque é sempre maravilhosa a sua companhia. 
Depois de deixar com Roni o menor valor que já paguei por um bom corte na minha vida, fomos almoçar nos Barris e jogar conversa dentro. Entre tantas coisas, contei um sonho recorrente com ondas gigantes, eu me protegendo atrás de uma porta após ter avisado todo mundo da chegada das ondas. Falamos também sobre a importância de criar, da arte na vida humana.
Qual não foi minha surpresa ao receber na manhã seguinte uma colagem representando meu sonho! Ela incluiu a onda de Hokusai, a porta, tudo com um senso espacial e estético notável. Mais um talento descoberto, o que é sempre uma alegria. 
Esse episódio tem tudo a ver com minha sensação nas aulas da pós, da necessidade do apoio coletivo, e com o que Cely sempre falava, lembrando os versos de João Cabral, sobre "tecer a manhã". Não é possível construir a realidade que queremos por outra via que não a coletiva, com cada uma e cada um contribuindo com seu ponto na tessitura. Eu sonhei, mas foi Liu quem enxergou dessa vez. A coletividade é esse sonhar e enxergar e construir junto.

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Alegria e tristeza de Chico

Na semana passada, fui assistir à maravilhosa Angela Velloso, acompanhada do papis Duarte Velloso, no Cinesom, cantando Chico Buarque. Angela aplicou sua verve jazzística às músicas de Chico e ficou tudo lindo. Chico, o geminiano tímido com ares traquinas, ficaria feliz da vida. Certamente não gostaria de saber, contudo, que, quando Duarte Velloso puxou um "sem anistia", não recebeu de volta o coro comme il faut, como seria de se esperar de uma plateia que sabia todas as músicas de Chico Buarque, sendo a maioria delas de cunho político. Eu fiquei escandalizada, imagine o poeta - passaria de um estado de euforia para enorme tristeza em segundos. 
Mas tudo bem, Angela, Duarte e Chico - nós, que rejeitamos a anistia para golpista, ainda estamos aqui.


terça-feira, 8 de abril de 2025

Emocionada

Mal começaram as aulas no Neim e já devo ter chorado uma meia dúzia de vezes, ouvindo aquelas histórias tão diversas e tão conhecidas. O que dizer, então, da professora Alba Motta, do alto de seus 93 anos, pioneira do núcleo, que venceu as dificuldades de locomoção para compartilhar conosco, com voz muito baixinha, suas histórias? E da presença da pequena Aya no salão da congregação da Faculdade de Direito, um espaço ainda não tomado pelas feministas? A melhor imagem dessa emoção são as mãos que se buscam na troca de afetos, na foto feita num dia intenso, dia de usar azul para vencer as demandas todas. Pelo menos por hoje, venci, vencemos. 

domingo, 6 de abril de 2025

Coisa de mãe?

Quando fui morar sozinha, minha mãe começou a cultivar um hábito que só se interrompeu quando mudei de estado - me presentear com panos de prato e linhas de costura. Não sei exatamente por que, mas imagino. As canetas, inclusive com meu nome gravado, tinham sido um hábito da época do colégio, mas ela me deu uma caneta chique quando me formei. 
Ela encontrou, este ano, um jeito de me presentear de novo, não com panos de prato, que talvez não valessem o custo dos correios, mas com jogos americanos, crochetados por sua talentosa irmã caçula. Enviou as seis peças de um lindo azul com duas canetas, para não perder o hábito, e numa caixa bonita de presente, com cores combinando. Já estou usando, claro. 
Eu já devo ter dito que sempre me senti mais mãe da minha mãe do que filha. Testemunhei a dificuldade dos meus irmãos na relação com ela, um ressentimento mais ligado à imagem cristalizada de maternidade vendida até hoje. Apesar da dificuldade que minha mãe tem em expressar afeto, que eu atribuo a uma questão cultural mas também familiar, sempre pensei em todo o esforço que ela fez por nós, sobretudo materialmente, não vendo limites, até se prejudicando, para nos manter vestidos, alimentados, equipados para os estudos. 
Quando ela ficou comigo por quase um mês tive acesso a outras camadas da sua personalidade, dos seus silêncios, da sua forma de reagir a violências na vida. Agora há ainda o envelhecimento, que a torna mais frágil, mas não menos teimosa em alguns aspectos. Mais e mais eu vejo em mim parecenças com ela, que, como as herdadas de meu pai, tenho que administrar. É interessante como me vejo mais herdeira de meus avós, muito mais por ter aprendido e apreendido coisas com seus exemplos, mas de meus pais vêm outras coisas, a que, mesmo não desejadas, é preciso dar um destino. 
A única coisa de que tenho certeza nesta vida é que temos que aprender a enxergar o que as relações nos trazem, de que forma se tecem os afetos e, mais importante, o que fazemos com eles. O jogo americano já está sobre a mesa, já me acompanha nas refeições e sempre me faz lembrar tudo o que minha mãe fez por nós, que, mesmo não sendo o que se esperava dela, era o melhor que ela podia fazer - o que, levando em conta o quanto as pessoas estão dispostas a dar de si, é muitíssima coisa, é maravilhoso.

A dona da voz

No ano passado, quando estive com Carlos, entre tantos assuntos da nossa conversa nunca longa o bastante, falamos sobre voz. Acho que o assunto começou porque ele comentou sobre minha capacidade de manter múltiplos interesses distintos do trabalho, como cantar. Daí passamos à questão da impostação da voz, da importância que isso sempre teve para nós, por motivações diferentes, mas com o mesmo fim: sermos ouvidos. 
Pequena ainda, devo ter percebido o efeito de falar alto e claramente nas primeiras declamações em público, depois na peça escolar. Mas, no decorrer da vida, ao mesmo tempo que ouvia que deveria trabalhar com a voz, havia quem dissesse que eu falava muito alto, que eu precisava me conter. Se, para Carlos, era importante impostar a voz para se colocar no mundo, no meu mundo feminino era preciso o contrário, não demonstrar força. Por bastante tempo, acabei reservando a potência somente para as situações em sala de aula.  
O canto, contudo, sempre esteve ali. Sem pretensões de brilho, mas por uma necessidade da alma. E quando cheguei a Salvador foi uma das coisas que me ocorreram retomar. A pesquisa Google me indicou os cursos de extensão da UFBA; entrei em contato, havia perdido a inscrição. Fui fazer outras coisas, mas este ano priorizei me inscrever na EMUS, a escola de música da universidade. Depois de preencher o formulário, achei que não iriam me chamar para o teste, pois a tudo respondi com não - sabe cantar, sabe tocar, sabe ler partitura?
Contudo, recebi um email falando dos dias e horários dos testes. Quando chegou a data, pensei em não ir. Mas, arianamente, fui. Na minha vez, fui tomada pelo nervosismo, que só aumentou quando vi a banca de três jovens professores e eles me perguntaram "o que eu ia cantar pra eles". Eu não tinha preparado nada, imagine o disparate. Daí cantei o que me ocorreu, Lenine por Virgínia Rosa - que eles, aliás, não conheciam. 
Para resumir a história, depois de eu ter descido a Centenário meio chorando, meio cantando, fui aprovada para uma turma, que, depois descobri, só tem mulheres mais velhas. Pelo que disse a jovem professora, egressa da Paraíba, ela esperava fazer uma espécie de coral conosco, pois era parte da sua experiência anterior, um coral da terceira idade. Contudo, ela logo viu que não seria possível, pois cada uma das cinco maduras tinha uma expectativa, menos a de ser cantora de coral. Essas aulas têm tudo para serem interessantíssimas, portanto. 
Além do mais, o prédio da EMUS me lembra os puxadinhos do Anglo. A decadência é compensada pelo trânsito de jovens, velhos e crianças em busca de algo mais belo que o cotidiano. Cada um em busca de sua voz, de seu som, de seu timbre único, belo e incomparável. 
(P.S.: compartilhando essas experiências com Carlos, soube que ele também começou a cantar, uma lindeza!)

segunda-feira, 31 de março de 2025

NEOJIBA no aniversário de Salvador

No dia 29 de março, Salvador completou 476 anos. Ela é ariana. Isso explica muita coisa. É muita efervescência, muito "bora ali" para que fosse diferente. Não quer dizer que seja fácil. Mas, mesmo com os poréns que toda cidade tem, e Salvador tem índices sociais difíceis, mesmo assim, eu me adaptei muito bem, e até recebi o que para mim foi um elogio de um motorista de aplicativo: "a senhora já é baiana". Como soa diferente do "jeito baiano de ser" de uma certa ex-chefe minha!
Calhou de, exatamente no aniversário da cidade, eu ir, com Liu, assistir pela primeira vez à apresentação do NEOJIBA, o núcleo de orquestras jovens e infantis criado pelo maestro Ricardo Castro em parceria com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos da Bahia. Não tenho nem palavras para descrever. 
Com certeza é emocionante ver a OSBA em ação, mas assistir àqueles jovens tão compenetrados e, ao mesmo tempo, divertindo-se enquanto tocam, como os contrabaixistas em coreografias e sorrisos, é de levar às lágrimas. Pensar em quantos jovens são retirados das ruas e na oportunidade de fazer valer a justiça social, isso não tem preço. Por isso, a apresentação, que começa com Carlos Gomes, passa pelo soturno Sibelius, depois a alegria Broadway de Bernstein, tinha mesmo que terminar com a apoteose de Martín Fierro de Ginestera. Pura beleza, pura beleza. 
E Salvador é assim também - som de mar e pássaros, fortes contrastes, muita intensidade, muita música e multidão, festa, luta, identidade. Só tenho a agradecer por ela me receber tão bem.

domingo, 30 de março de 2025

Sonhos não envelhecem, a gente sim

 
Uma vez na Bahia, eu já tinha pensado em estudar na UFBA, mesmo quando morava a mais de 50 km de distância; já tinha descoberto um dos núcleos interdisciplinares, quando nem me imaginava morando na capital. 
Quando me mudei para Salvador, me vi ao lado do campus da universidade, sem ter planejado isso. Claro que disse para mim mesma que teria de fazer alguma coisa ali, nem que fosse só frequentar a feira agroecológica (o que de fato comecei a fazer, só para esquentar os motores). Depois comecei a frequentar a escola de dança, e por fim me matriculei como aluna especial do Poscultura. 
Este ano, consegui me matricular no Neim - eu tinha enviado uma mensagem há uns cinco anos, perguntando como fazer para integrar o grupo do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Mulher. Como fui ficando escolada no calendário da universidade, pude me inscrever para o processo de aluna especial na época certa. E lá fui eu, fazer duas disciplinas, marmita rosa na bolsa, voltando com uma coleção de livros de presente.
A primeira aula foi muito emocionante, especialmente por ouvir tantas histórias de mulheres retornando ao ponto onde pararam - pelos motivos já sabidos, família, trabalho, cuidar do outro -, o que não ouvi muito no curso anterior, com maioria masculina - e não há acaso nenhum nisso. Uma colega do Rio comentou comigo que achava que já conhecia todas as novas companheiras, eu respondi que é porque já conhecia mesmo - sendo tão diversas, temos tanto em comum que até chegamos a esse mesmo lugar. 
Eu me vejo de cabelos mezzo brancos, mezzo escuros, o inevitável envelhecimento, voltando à sala de aula, agora valendo, com o friozinho na barriga do primeiro dia de aula de sempre. Fiquei encantada com as falas de esperança, luta, revolução, afeto, justiça, e quase comecei a chorar no meio da aula - e chorei, quando uma jovem colega compartilhou sua história de primeira pessoa a se formar na família, sua descoberta de um lugar na capoeira e agora recém-aprovada no mestrado, afe! Haja coração, haja coragem para seguir andando, porque os sonhos aí estão, vivos, à nossa espera como flores no caminho, sem se aperceberem da cor da nossa pele, da cor dos nossos cabelos. Bituca, Márcio e Lô sabem de tudo, os danados.

sábado, 15 de março de 2025

Brownie de matchá e chocolate branco

Na minha última viagem a São Paulo, fiquei impressionada com a quantidade de preparos com matchá, além do onipresente pistache (que nem aguento mais ver, a propósito). Até floresta de matchá, versão de floresta negra feita com o chá verde em pó. Amei tudo que provei, então trouxe o chá, que achei caro, aliás.
Mas o tempo foi passando e eu não tinha nem mesmo aberto o pacote. Outro dia vi uma receita de Rita Lobo de um brownie de matchá com chocolate branco e então me animei. Fiz hoje - além de lindo e fácil de fazer, ficou uma delícia. Logo congelei a maior parte, já organizando minhas futuras marmitas. 

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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