Mal começaram as aulas no Neim e já devo ter chorado uma meia dúzia de vezes, ouvindo aquelas histórias tão diversas e tão conhecidas. O que dizer, então, da professora Alba Motta, do alto de seus 93 anos, pioneira do núcleo, que venceu as dificuldades de locomoção para compartilhar conosco, com voz muito baixinha, suas histórias? E da presença da pequena Aya no salão da congregação da Faculdade de Direito, um espaço ainda não tomado pelas feministas? A melhor imagem dessa emoção são as mãos que se buscam na troca de afetos, na foto feita num dia intenso, dia de usar azul para vencer as demandas todas. Pelo menos por hoje, venci, vencemos.
terça-feira, 8 de abril de 2025
Emocionada
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domingo, 6 de abril de 2025
Coisa de mãe?
Quando fui morar sozinha, minha mãe começou a cultivar um hábito que só se interrompeu quando mudei de estado - me presentear com panos de prato e linhas de costura. Não sei exatamente por que, mas imagino. As canetas, inclusive com meu nome gravado, tinham sido um hábito da época do colégio, mas ela me deu uma caneta chique quando me formei.
Ela encontrou, este ano, um jeito de me presentear de novo, não com panos de prato, que talvez não valessem o custo dos correios, mas com jogos americanos, crochetados por sua talentosa irmã caçula. Enviou as seis peças de um lindo azul com duas canetas, para não perder o hábito, e numa caixa bonita de presente, com cores combinando. Já estou usando, claro.
Eu já devo ter dito que sempre me senti mais mãe da minha mãe do que filha. Testemunhei a dificuldade dos meus irmãos na relação com ela, um ressentimento mais ligado à imagem cristalizada de maternidade vendida até hoje. Apesar da dificuldade que minha mãe tem em expressar afeto, que eu atribuo a uma questão cultural mas também familiar, sempre pensei em todo o esforço que ela fez por nós, sobretudo materialmente, não vendo limites, até se prejudicando, para nos manter vestidos, alimentados, equipados para os estudos.
Quando ela ficou comigo por quase um mês tive acesso a outras camadas da sua personalidade, dos seus silêncios, da sua forma de reagir a violências na vida. Agora há ainda o envelhecimento, que a torna mais frágil, mas não menos teimosa em alguns aspectos. Mais e mais eu vejo em mim parecenças com ela, que, como as herdadas de meu pai, tenho que administrar. É interessante como me vejo mais herdeira de meus avós, muito mais por ter aprendido e apreendido coisas com seus exemplos, mas de meus pais vêm outras coisas, a que, mesmo não desejadas, é preciso dar um destino.
A única coisa de que tenho certeza nesta vida é que temos que aprender a enxergar o que as relações nos trazem, de que forma se tecem os afetos e, mais importante, o que fazemos com eles. O jogo americano já está sobre a mesa, já me acompanha nas refeições e sempre me faz lembrar tudo o que minha mãe fez por nós, que, mesmo não sendo o que se esperava dela, era o melhor que ela podia fazer - o que, levando em conta o quanto as pessoas estão dispostas a dar de si, é muitíssima coisa, é maravilhoso.
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A dona da voz
No ano passado, quando estive com Carlos, entre tantos assuntos da nossa conversa nunca longa o bastante, falamos sobre voz. Acho que o assunto começou porque ele comentou sobre minha capacidade de manter múltiplos interesses distintos do trabalho, como cantar. Daí passamos à questão da impostação da voz, da importância que isso sempre teve para nós, por motivações diferentes, mas com o mesmo fim: sermos ouvidos.
Pequena ainda, devo ter percebido o efeito de falar alto e claramente nas primeiras declamações em público, depois na peça escolar. Mas, no decorrer da vida, ao mesmo tempo que ouvia que deveria trabalhar com a voz, havia quem dissesse que eu falava muito alto, que eu precisava me conter. Se, para Carlos, era importante impostar a voz para se colocar no mundo, no meu mundo feminino era preciso o contrário, não demonstrar força. Por bastante tempo, acabei reservando a potência somente para as situações em sala de aula.
O canto, contudo, sempre esteve ali. Sem pretensões de brilho, mas por uma necessidade da alma. E quando cheguei a Salvador foi uma das coisas que me ocorreram retomar. A pesquisa Google me indicou os cursos de extensão da UFBA; entrei em contato, havia perdido a inscrição. Fui fazer outras coisas, mas este ano priorizei me inscrever na EMUS, a escola de música da universidade. Depois de preencher o formulário, achei que não iriam me chamar para o teste, pois a tudo respondi com não - sabe cantar, sabe tocar, sabe ler partitura?
Contudo, recebi um email falando dos dias e horários dos testes. Quando chegou a data, pensei em não ir. Mas, arianamente, fui. Na minha vez, fui tomada pelo nervosismo, que só aumentou quando vi a banca de três jovens professores e eles me perguntaram "o que eu ia cantar pra eles". Eu não tinha preparado nada, imagine o disparate. Daí cantei o que me ocorreu, Lenine por Virgínia Rosa - que eles, aliás, não conheciam.
Para resumir a história, depois de eu ter descido a Centenário meio chorando, meio cantando, fui aprovada para uma turma, que, depois descobri, só tem mulheres mais velhas. Pelo que disse a jovem professora, egressa da Paraíba, ela esperava fazer uma espécie de coral conosco, pois era parte da sua experiência anterior, um coral da terceira idade. Contudo, ela logo viu que não seria possível, pois cada uma das cinco maduras tinha uma expectativa, menos a de ser cantora de coral. Essas aulas têm tudo para serem interessantíssimas, portanto.
Além do mais, o prédio da EMUS me lembra os puxadinhos do Anglo. A decadência é compensada pelo trânsito de jovens, velhos e crianças em busca de algo mais belo que o cotidiano. Cada um em busca de sua voz, de seu som, de seu timbre único, belo e incomparável.
(P.S.: compartilhando essas experiências com Carlos, soube que ele também começou a cantar, uma lindeza!)
segunda-feira, 31 de março de 2025
NEOJIBA no aniversário de Salvador
No dia 29 de março, Salvador completou 476 anos. Ela é ariana. Isso explica muita coisa. É muita efervescência, muito "bora ali" para que fosse diferente. Não quer dizer que seja fácil. Mas, mesmo com os poréns que toda cidade tem, e Salvador tem índices sociais difíceis, mesmo assim, eu me adaptei muito bem, e até recebi o que para mim foi um elogio de um motorista de aplicativo: "a senhora já é baiana". Como soa diferente do "jeito baiano de ser" de uma certa ex-chefe minha!
Calhou de, exatamente no aniversário da cidade, eu ir, com Liu, assistir pela primeira vez à apresentação do NEOJIBA, o núcleo de orquestras jovens e infantis criado pelo maestro Ricardo Castro em parceria com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos da Bahia. Não tenho nem palavras para descrever.
Com certeza é emocionante ver a OSBA em ação, mas assistir àqueles jovens tão compenetrados e, ao mesmo tempo, divertindo-se enquanto tocam, como os contrabaixistas em coreografias e sorrisos, é de levar às lágrimas. Pensar em quantos jovens são retirados das ruas e na oportunidade de fazer valer a justiça social, isso não tem preço. Por isso, a apresentação, que começa com Carlos Gomes, passa pelo soturno Sibelius, depois a alegria Broadway de Bernstein, tinha mesmo que terminar com a apoteose de Martín Fierro de Ginestera. Pura beleza, pura beleza.
E Salvador é assim também - som de mar e pássaros, fortes contrastes, muita intensidade, muita música e multidão, festa, luta, identidade. Só tenho a agradecer por ela me receber tão bem.
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domingo, 30 de março de 2025
Sonhos não envelhecem, a gente sim
Uma vez na Bahia, eu já tinha pensado em estudar na UFBA, mesmo quando morava a mais de 50 km de distância; já tinha descoberto um dos núcleos interdisciplinares, quando nem me imaginava morando na capital.
Quando me mudei para Salvador, me vi ao lado do campus da universidade, sem ter planejado isso. Claro que disse para mim mesma que teria de fazer alguma coisa ali, nem que fosse só frequentar a feira agroecológica (o que de fato comecei a fazer, só para esquentar os motores). Depois comecei a frequentar a escola de dança, e por fim me matriculei como aluna especial do Poscultura.
Este ano, consegui me matricular no Neim - eu tinha enviado uma mensagem há uns cinco anos, perguntando como fazer para integrar o grupo do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Mulher. Como fui ficando escolada no calendário da universidade, pude me inscrever para o processo de aluna especial na época certa. E lá fui eu, fazer duas disciplinas, marmita rosa na bolsa, voltando com uma coleção de livros de presente.
A primeira aula foi muito emocionante, especialmente por ouvir tantas histórias de mulheres retornando ao ponto onde pararam - pelos motivos já sabidos, família, trabalho, cuidar do outro -, o que não ouvi muito no curso anterior, com maioria masculina - e não há acaso nenhum nisso. Uma colega do Rio comentou comigo que achava que já conhecia todas as novas companheiras, eu respondi que é porque já conhecia mesmo - sendo tão diversas, temos tanto em comum que até chegamos a esse mesmo lugar.
Eu me vejo de cabelos mezzo brancos, mezzo escuros, o inevitável envelhecimento, voltando à sala de aula, agora valendo, com o friozinho na barriga do primeiro dia de aula de sempre. Fiquei encantada com as falas de esperança, luta, revolução, afeto, justiça, e quase comecei a chorar no meio da aula - e chorei, quando uma jovem colega compartilhou sua história de primeira pessoa a se formar na família, sua descoberta de um lugar na capoeira e agora recém-aprovada no mestrado, afe! Haja coração, haja coragem para seguir andando, porque os sonhos aí estão, vivos, à nossa espera como flores no caminho, sem se aperceberem da cor da nossa pele, da cor dos nossos cabelos. Bituca, Márcio e Lô sabem de tudo, os danados.
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sábado, 15 de março de 2025
Brownie de matchá e chocolate branco
Na minha última viagem a São Paulo, fiquei impressionada com a quantidade de preparos com matchá, além do onipresente pistache (que nem aguento mais ver, a propósito). Até floresta de matchá, versão de floresta negra feita com o chá verde em pó. Amei tudo que provei, então trouxe o chá, que achei caro, aliás.
Mas o tempo foi passando e eu não tinha nem mesmo aberto o pacote. Outro dia vi uma receita de Rita Lobo de um brownie de matchá com chocolate branco e então me animei. Fiz hoje - além de lindo e fácil de fazer, ficou uma delícia. Logo congelei a maior parte, já organizando minhas futuras marmitas.
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sexta-feira, 14 de março de 2025
Bentô, peloamô!
Há pelo menos três coisas imediatas que identifico em mim como herança japonesa (há muito mais, claro, mas falo do que vem logo à mente quando penso nisso e que é socialmente associado aos japoneses): amor por karaokê, encantamento por marmitas, os bentôs, e o apreço pelo yakusoku, o comprometimento com a palavra empenhada.
No caso das marmitas, elas são as lancheiras da maioridade, e eu semprei amei lancheiras. Depois dos livros, talvez o melhor objeto da infância, especialmente com o suco de caju memorialístico. Além de guardarem o alimento, lancheiras e marmitas são portáteis, e eu adoro coisas portáteis, que me remetem ao deslocamento, ao poder estar em qualquer lugar. Além do mais, os bentôs são sempre lindos. Eu só precisava de uma desculpa boa para ter um só para mim - e ela veio junto com a aprovação como aluna especial novamente na UFBA - vou ter que passar um dia inteiro lá - e no curso de canto da EMUS. Me sinto volviendo a los diecisiete, com a diferença de que sou eu quem faço a comida.
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