terça-feira, 20 de junho de 2023

Mente quieta, espinha ereta e core ativado no vórtice

As últimas seis semanas foram uma loucura de acontecimentos e sensações. Depois da decisão de nos separarmos, com fechamento de trabalho, dia das mães, buscar um apartamento, fechar contrato, empacotar tudo (quase 30 caixas só de livros), viagem-relâmpago de trabalho, finalmente a mudança. Que deu direito a duas viagens do caminhãozinho contratado em Itacimirim (na última mudança, foram duas viagens de caminhão-baú mais várias de carro com meu irmão Ian), estantes retorcidas (que me devolveram em pé, mas levemente amassadas), mais uma viagem de carro com coisas que tinham ficado por lá, e cada dia da semana reservado para entrega de alguma coisa ou instalação da internet. Embora tenha me matriculado na academia local logo no início da semana, a alimentação ficou bem ruim por esses dias, com expectativa de chegada da geladeira e acertos na instalação do fogão. 
Mas não vou reclamar de nada (só dos preços pela hora da morte em toda parte). Quando começamos a nos movimentar, tudo flui junto com a gente. Apesar do aperto todo - viagem e mudança -, consegui manter o foco e a calma, apesar do cansaço. Ainda havia a questão da hospedagem de Kong, porque não quisemos arriscar deixá-lo com os pais de Guga, que teriam de não só alimentar mas dar um monte de remédios para o rabugento - conseguimos, por indicação de Joelma, uma hospedagem com um adestrador em Barra do Pojuca, por coincidência (ou não) irmão do nosso mecânico de bike. Deu tudo certo com Konguito. 
Deu tudo certo na viagem também, com reuniões sobre o futuro da empresa mas também um encontro fraterno com toda a equipe das unidades, almoço com amigos queridos, café com mainha e irmã, passeinho no Centro e almoço no melhor restaurante árabe da vida, o já visado por mim Syria, de um refugiado que antes teve o Vovô Ali, segundo meu amigo Renato a melhor esfiha de todas - e com a surpreendente massa folhada de pistache, um acontecimento. Ainda consegui cortar cabelos com meu cabeleireiro há 25 anos, e devo dizer que, quando as madeixas recebem um bom corte, elas ficam lindas mesmo em desordem. Também consegui comer pão na chapa em padoca tradicional, a Marajá, perto do hotel, nas proximidades da Famiglia Mancini, onde ficamos um dia antes de ir pro apart de Li. 
Desta vez, percebi muito policiamento no Centro, mas com certeza isso se deveu à Parada do Orgulho, que ia acontecer no final de semana. A paisagem continua tristemente desigual, com hipsters ocupando Copan e imediações enquanto moradores de rua vagam pela feira - um efeito da gentrificação é a carestia geral na região, como no velho Café Floresta, onde paguei 40 reais por dois cafezinhos e três broinhas. O canelé do Temumami, que há tempos queria provar, custa 10 reais e nem é tudo que eu pensava. 
Assim que voltamos de SP fui pagar contas e comprar geladeira e lavadora de roupas, e ainda terminar de empacotar coisas. Minha sogra veio me trazer no domingo, o carro tomado de coisas. Zenzito, que já havia ficado preso no banheiro em Monte Gordo, ficou no banheiro do apê até que a galera fosse embora. Deu uma surtada quando percebeu que não poderia sair, e a primeira noite foi horrível, com ele me acordando às 2h, miando e correndo, e só parando quando o prendi na mala de transporte às 4h. No decorrer dos dias, foi me acordando cada vez mais tarde, até que chegamos ao horário de 5h30, bem mais razoável. Agora ele criou a rotina de dormir dentro do guarda-roupa toda tarde. 
Na primeira segunda, fui me matricular na academia vizinha, uma espécie de Bioritmo, mas com treino menos personalizado - a vantagem são as aulas coletivas. Consegui treinar duas vezes na primeira semana, porque logo estava envolvida com entregas - de mudança, de Magalu, de estantes restauradas, instalação da Vivo, visita de faz-tudo que não fez tudo mas contou a vida inteira. Mas, mesmo sem poder sair pra me exercitar, um amigo de Marise que pedala aqui entrou em contato comigo, me inscreveu no grupo e lá fui eu pedalar 35 km com uma galera muito mais experiente. Quase morri, mas fui. Claro que eu era muito lenta para os padrões deles, e logo me indicaram um grupo feminino, "mais lento". Muito melhor que ter uma pessoa bem-intencionada mas rabugenta atrás de mim dizendo pra eu ir mais rápido, aconselhando a trocar a suspensão, a coroa, a subir a ladeira mais íngreme porque "se eu queria pedalar, tinha que treinar". Afe! Mas tenho que dizer que eles garantiram minha segurança o tempo todo, e em nenhum momento tive receio de pedalar ao lado dos carros. E foi assim que finalmente conheci a Ponta de Humaitá e pude tomar um sorvete na Ribeira, ainda passando pelo meio das casas (não sei se é muito legal pros moradores, mas enfim).
Para acompanhar todos esses eventos, tive que respirar fundo muitas vezes, aprumar o corpo e literalmente ativar o core, inclusive para carregar coisas e subir escadas e ladeiras sem parar. E funcionou. E deve continuar funcionando, que vem mais pela frente, até que o vórtice vire fluxo. 

segunda-feira, 29 de maio de 2023

Pra onde tenha sol, é pra lá que eu vou

Ganhei o primeiro presente para usar na nova casa - uns panos de prato lindos, de minha sogra, que ficou tristíssima com a separação. Afinal, foram muitos anos de convívio, e, mais do que sogra, ela foi minha maior amiga por aqui. Por isso mesmo, inexiste a possibilidade de distanciamento. Aliás, embora minha rede de apoio na Bahia seja pequena, ela é muito preciosa. 
Hoje assinei o contrato de aluguel do apartamento novo. As coisas têm vindo como um rio tranquilo mas de velocidade constante. Tive de visitar só quatro apartamentos para achar o que estava buscando (na última mudança, meio no desespero, mas com muita ajuda inesperada, visitei 12). O novo apê vai me deixar perto de alguns amigos, num bairro bacana, com facilidades para pedestres como eu (e já vi bikes no estacionamento). Com uma planta das antigas, muito bem conservado, num preço que hoje posso pagar. O locatário me fez lembrar muito do dono do meu apê na São João, dessas pessoas que valorizam a palavra empenhada. O corretor também é ótimo. 
Hoje até fez sol, um dia lindo, depois de muita chuva. Recebo com alegria essa luz no meu caminho. 

sábado, 27 de maio de 2023

Que coincidência é o amor?

Depois de 13 anos, eu e Guga resolvemos nos separar. 
Apesar da melancolia (e não dor, porque evoluí bastante nos últimos dez anos) desse final, vivemos o alívio de tomar uma decisão, de nos abrirmos justamente à incerteza da vida, que pode trazer coisas maravilhosas. 
E quando nos abrimos ao fluxo, como diz minha querida amiga Marisa, tudo acontece. E tudo muda mesmo, todo cambia, como na canção de Mercedes Sosa que Marisa me enviou há dez anos. Estou aprendendo a deixar que o antigo amor se torne uma boa amizade, até em respeito a tantas coisas vividas, boas e más. A não esquecer o que pode ter sido bom, a não jogar tudo fora, porque seria o mesmo que apagar minha própria evolução, negar minha caminhada. Isso não, isso nunca. 
Foi um longo caminho, noite adentro e também sob o sol. Buscando dar o melhor de mim ao mesmo tempo que enfrentava meus demônios, e aprendendo, sobretudo, o que realmente é importante na caminhada com o outro: dar as mãos, olhar nos olhos, sem jamais esquecer de si mesmo. E quando é tempo de soltar as mãos, soltamos. Respeitamos que os caminhos que se cruzaram sigam paralelos, sem se perder de vista enquanto valer a pena que assim seja. Podem recoincidir, ou não. 
Enchemos os pulmões de ar e seguimos, bravamente. 

domingo, 14 de maio de 2023

Queijadinha, escondidinho e galetes de aipim

Aipim é uma coisa que sempre tem em casa. Na casa de meus avós nunca faltou, mas normalmente como parte do café da manhã, à maneira de tantas casas nordestinas. Aqui em casa, acabou virando parte do almoço - eu prefiro como tira-gosto, fritinho, mas enfim.
Mas, justamente porque não gosto do mesmo formato sempre, separei uma parte para testar outras receitas. Achei no Panelinha receitas de queijadinha e de galetes. Também já queria há algum tempo fazer escondidinho comme il faut. Fiz as três receitas - só achei que a queijadinha podia ser mais doce (pode ser porque usei parmesão em vez de queijo meia-cura). 

Lutar diariamente pela democracia

A gente sabia que não ia ser fácil. As ameaças bolsonaristas ao longo de quatro anos, pioradas no ano passado, agora se configuram nos boicotes do Centrão e dos bozoloides que nem necessitam mais de seu mito para existir. 
Mas o pior é que o fascismo realmente se tornou uma realidade a enfrentar, não só aqui, claro. Muita violência gratuita e explícita todos os dias, especialmente contra mulheres, LGBT, negros e pobres. Mas ter gente do quilates de Flávio Dino, Sonia Guajajara e Sílvio Almeida no governo ajuda a manter a cabeça para fora d'água - seu combate sereno e peremptório ao fascismo nos aquece o coração, nos dá ânimo para prosseguir, apesar dos problemas de dentro e de fora. Voltamos a acreditar que há mais gente que repudia a iniquidade, que bom. 
Havemos de fazer como ensina Ivan Lins, na linda canção escolhida pelo governo chinês para receber Lula (outro momento de emoção proporcionado por esse governo, não perfeito, mas alvissareiro): apesar dos perigos, da força mais bruta, estamos na praça, fazendo pirraça, pra sobreviver. Pra sobreviver.

segunda-feira, 17 de abril de 2023

O pão do meu marido

Meu marido é um pão: todo mundo que conhece a gíria, sempre datada, para homem bonito, sabe disso. Mas o motivo do post é na verdade o pão feito pelo pão do meu marido. 
Sim, depois de muitos anos me vendo fazer pão ele resolveu realmente colocar a mão na massa, e não só pedir para eu ensiná-lo a fazer pão. Ele fez todo o processo, de pesagem, mistura, boleamento, produção do recheio das trouxinhas de maçã, acabou adicionando água a mais à massa, e ficou tudo uma delícia. A única coisa que fiz, além de passar a receita, foi pincelar um pouco de mel e água sobre as trouxinhas quando saíram do forno. 
O mais legal do aprendizado do pão é ver a alegria de quem aprende. Além da magia própria da transformação do alimento em comida, o pão é ainda mais encantador, com seu quê de surpresa e artesania. Impossível não se apaixonar. 

sábado, 15 de abril de 2023

Arte ao redor

Fico feliz demais em ter arte ao meu redor, inclusive trabalhos de alguns amigos que são maravilhosos artistas plásticos e fotos lindas feitas por Guga, que é um fotógrafo incrível. A maioria está na sala, que tem pé-direito bem alto. Mas tenho outras artes nos meus locais de trabalho, a cozinha e o escritório. Desde recuerdos de amigos, como azulejos ofertados por Wagninho e Welli e Lu, um bordado lindo que Marisa me trouxe do México e uma mandala feita por Jacob, um azulejo com poema de Gentileza, uma foto do saudoso Lilo Clareto, a placa feita por encomenda da Varanda Quadrada, o bordado volpiano da Artes da San e foto e bordado de minha autoria. 
É sempre essencial ter claro o que nos cerca. Nem tudo é fácil na vida, nem tudo é difícil, mas o que nos mantém em pé é o que importa, o que trazemos para dentro. A arte não é só essencial para mim, que sempre fui tão ligada a ela, mas para todas as pessoas - e chamo arte essa capacidade humana de criar e expressar-se, não apenas obras de artistas profissionais ou famosos. Criação é sinônimo de vida, e como é bom estar cercado de vidas o tempo todo, como é bom estar perto daquilo que expressa quem somos - um espelho íntegro para momentos em que nos sentimos partidos e também para reafirmar que estamos no caminho certo. 

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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