terça-feira, 14 de novembro de 2023

Pizza de couve-flor e torta rústica de abóbora

Duas experimentações que levam em conta o feitio de massas, no caso, de torta e de pizza. Para a torta rústica de abóbora, receita da Paola Carosella, a massa leva azeite no lugar de manteiga, e fica muito boa, ainda mais acrescida de sementes, como de abóbora, gergelim e chia. 
No caso da pizza, nada de farinha - é a receita famosa de pizza de couve-flor, preparada na frigideira. Fica muito gostosa - mas é preciso aproveitar alguma "oferta" de couve-flor, que se tornou uma das coisas mais caras do supermercado. Eu processei até o talo, embora algumas receitas indiquem usar somente a parte macia dos floretes, imagine!

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

"Girl" ou o quanto desconhecemos a dor do outro

Poucas vezes vi um filme tão contidamente doloroso como Girl, do jovem diretor belga Lukas Dhont.  Apesar das críticas ao fato de o ator protagonista não ser uma menina trans, mas um garoto cisgênero, a performance desse jovem, Victor Polster, é irretocável, no sentido de nos levar junto na sua travessia de luta por ser quem é, sofrendo silenciosamente violências grandes e pequenas numa sociedade aparentemente progressista como a belga. Polster é bailarino, então suas cenas de dança são vertiginosas na busca da perfeição e de um lugar naquele mundo. Tem um quê de Cisne negro nessa vertigem do movimento e também na busca pela transformação - no caso de Girl, a transformação da protagonista em si mesma, naquilo que nasceu para ser, uma mulher, e uma mulher que dança.
Neste momento preciso, no Brasil, a comunidade LGBTQIA+ sofreu um baque na garantia de seus direitos. Justamente os direitos de existirem, de constituírem família, de simplesmente serem. Apesar da vitória de Lula, sabíamos que a luta não findaria, e a ultradireita continua seus ataques obscenos contra os direitos humanos. Apesar da insipiência argumentativa, eles detêm o capital financeiro que direciona as leis. E o mundo parece cada vez mais do avesso quando vemos parte da humanidade zelosa em promover a infelicidade alheia. 
Isso tudo, os ataques reais e os ataques que a personagem de Girl sofre (mesmo com todo o apoio familiar, as jovens bailarinas exigindo que ela mostre seu membro, e toda a pressão para que não se misture às outras meninas, chegando ao fim trágico da mutilação), me fazem lembrar da fala de Rubem Alves no documentário Eu maior, sobre a tragédia grega e a compreensão de Nietzsche acerca dela, de que os gregos não se entregavam à inevitável tragédia da vida porque cultivavam a beleza. Hoje está mais difícil pensar na beleza em meio ao horror cotidiano, até porque a arte e a natureza, portadoras dessa beleza, também têm sido violentadas. 
Talvez por isso tudo a dor silenciosa em Girl soe como a mais perfeita tradução para esse sofrimento que muitas e muitos de nós não conhecemos, mas que justamente por isso não devemos ignorar. Nisso é que residem a empatia e a verdadeira compaixão, e são elas que nos fazem verdadeiramente humanos.
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quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Quase um brigadeiro - docinho de tâmara, peanut butter e cacau

Embora eu não tenha comprado o curso da Marina Linberger, eu a sigo nas redes. O conteúdo dela é sempre útil, bem-humorado e realista. Volta e meia ela dá uma dica ótima na cozinha. Hoje, recebi pela newsletter essa do "brigadeiro" sem açúcar e sem banana. Ainda tinha uma meia dúzia de tâmaras trazidas do Pati. Usei peanut butter no lugar do amendoim e chocolate 70% no lugar do cacau. Pense numa coisa boa! Ficou uma delícia, e imagino que funcione com uva passa também - ainda mais porque tâmara não é tão fácil de achar e, se achada, é caríssima. 

domingo, 24 de setembro de 2023

Retomada da cozinha

Principalmente nos últimos dois anos peguei um bode tão grande de cozinhar que, após a mudança, fiquei um mês comendo mal e erraticamente. Cedi a tentações e facilidades do supermercado muitas vezes (biscoitinhos, pãezinhos cheios de conservantes, sorvetes).  
Ter assistido às três aulas gratuitas da Marina Linberger, já disse aqui, me inspirou a criar meus cardápios semanais, o que tem sido de uma ajuda imensa no dia a dia. Uso os domingos para cozinhar de quatro a cinco pratos, que rendem várias porções, às vezes para duas semanas. Ainda preciso reabsorver o consumo de saladas, mas já tenho feito legumes confitados, para começar.
A semana na Chapada Diamantina me ajudou muito a comer melhor, mesmo almoçando sanduíches - no café da manhã e no jantar compensávamos com comida bem variada. Esses dias, porém, às voltas com alguma ansiedade ligada a família e trabalho, houve momentos que até aquecer a comida parecia um custo. Até encontrei um nhoque de batata no supermercado e preparei ao molho de limão para jantar (e deve render mais 2 porções durante a semana).
Mas estou voltando a gostar de cozinhar, aos poucos. Daí saiu de novo bolo de cacau com tâmara (herdada dos lanches no Pati), saiu o inédito crumble de uva (com uva vitória do São Francisco, perfeita), maçã, nozes e aveia da Rita Lobo, bem como o fricassé de frango feito com sobrecoxa, também receita de dona Rita Panelinha. 
Mesmo com dificuldade de abrir mão de sucos e doces, sigo pelo menos no caminho da comida de verdade, com pouquíssimos ultraprocessados (exceção feita à batata palha do fricassé, of course). 

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Deu Pati, alto astral

Desde que ouvi falar do vale do Pati, quis conhecê-lo. Do marido, ouvi que era muito difícil para mim, e isso só o tornou mais desejável. Mas só agora é que pude realizar o desejo. 
As condições eram as mais favoráveis? Nunca são, nunca espero que sejam. Só me basta uma brecha para ir em busca. Comentei com amigos queridos que queria ir, eles também queriam, fomos dando forma ao desejo em comum e o sonho virou projeto. Quando já tínhamos combinado tudo, veio a notícia de uma possível demissão, e a viagem se tornou ainda mais urgente.
Lá fomos nós, munidos dos equipamentos listados por nossa guia, Renata. Saímos de Salvador para Palmeiras, de lá para a vila do Guiné, numa típica estrada de terra no coração da Chapada Diamantina. Chegamos à noite, pois ainda ficamos parados na BR por causa de um acidente perto de Santo Estêvão. Na Pousada Donana, um casarão ricamente decorado com madeiras e ferros de demolição, uma comidinha quente nos esperava. No outro dia, de manhã, seguimos de carro até o início da subida do Aleixo, atravessamos os Gerais do rio Preto e descemos a insana rampa. Ali ainda não sabia usar o cajado, e o medo de escorregar era grande. A descida parecia não ter fim, mas teve, e rumamos pra famosa Igrejinha, hoje uma espécie de arraial com vários quartos e banheiros, além de espaço para jantar e café da manhã e gengidrinque, bebida onipresente no Pati. 
No dia seguinte, rumamos pra casa de dona Raquel, na minha opinião a mais fofa das visitadas, tocada por sua filha Lia e o marido Altemar, e de lá fomos conhecer as cachoeiras Bananeiras e dos Funis. Também foi cansativo, ainda mais carregando roupa molhada, e a chuva que tinha caído à noite já deixou os caminhos enlameados e escorregadios. Para mim, o grande aprendizado de perder o medo de andar em pedras, caminhos de rios etc. desde a queda do bote em Brotas. Renata achou que não daríamos conta de subir o Morro do Castelo (na verdade, da Lapinha) ou fazer a trilha do Calisto, por isso a ida para as cachoeiras. Acabamos voltando para a casa de dona Raquel já à noite e precisamos usar lanterna para caminhar. O jantar ótimo e o clima alegre da casa compensaram tudo, e dá-lhe gengidrinque e alfajor caseiro.
Cedinho fomos para a antiga Prefeitura, ao lado da casa de Jailso e Marta, da família de dona Raquel (a Racheland é um sucesso). Desisti de sair e fiquei sozinha para ajustar meu diapasão interno, o que foi ótimo. Mais tarde, ficamos observando as estrelas no céu absurdamente lindo do vale, e até estrelas cadentes vimos. A especialidade local são o vinagre de banana e o licor de banana clarificado feitos por Jailso; claro que trouxe um frasquinho de vinagre para enriquecer meus pratos.
Partimos para a trilha do encontro dos rios Pati e Cachoeirão, mais maneira, em plena Mata Atlântica. Rolou terapia e visita de libélulas azuis, sinal de bom augúrio. Somente então, depois de banho nos pocinhos com hidromassagem, rumamos para a casa de seu Eduardo, tropeiro lendário - a casa é cuidada por seus filhos Domingos e Vítor. Aliás, a diferença entre as casas cuidadas por homens e as cuidadas por mulheres é evidente - há mais capricho, apreço pelos detalhes nos pousos liderados por mulheres, desde papel higiênico de qualidade e espelho e sabão líquido nos banheiros a jardim de flores e ervas. Mas todas as casas são muito limpas e organizadas. A casa de seu Eduardo é a mais rústica; a comida é boa mas não se compara às da Racheland. O gengidrinque pode deixar de pileque. Até recarregar o celular é mais difícil ali, embora em todos os lugares a energia elétrica seja bastante controlada, e em nenhum lugar haja rede de celular (só carregávamos os nossos para usar a câmera, e eu tentava manter o Garmin no ponto). 
No sábado bem cedinho partimos para o maior desafio: atravessar a fenda do Cachoeirão, subir os Gerais do Cachoeirão e depois os do rio Preto, num caminho mais longo que o da vinda, e então descer o Aleixo. Houve um momento em que achei que minhas panturrilhas iam estourar na subida sem fim de pedras e pequenos abismos. Atravessamos corredores de tiriricas, servimos de alimento para mutucas, andamos 10 horas quase sem parar. A água foi rareando e também ficando menos fresca. Tomei um gel para dar uma animada. Pensei que levar isotônico pode ser muito útil, além de hidrosteril (que esqueci). Uma vista mais incrível que a outra, mas muitos turistas nos dois mirantes, quebrando o clima de contemplação com muito ruído. O Garmin morreu no caminho. Quando chegamos enfim à descida do Aleixo, me pareceu muito mais fácil, e até foi rápido descer. O cajado e os tensores nos joelhos foram fundamentais. Fiquei orgulhosa de ter preservado os joelhos. Saí só com trapézio dolorido, além das picadas mil e uns roxos nas pernas, principalmente das batidas da pochete. Fiquei orgulhosa de nós, de termos ido até o fim mesmo sem todo "preparo".  De prêmio, encontramos pizza fresquinha na Pousada Casarão, em Palmeiras, feita pela simpaticíssima Cida. 
Sim, o caminho se faz ao andar. É preciso sempre dar o primeiro passo. Se estivermos em boa companhia, fica mais fácil e ainda melhor.

À la garçon

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Eu sei que pelo menos isso é verdade

Revi semana passada a excelente I know this much is true, série da HBO estrelada por Mark Ruffalo, que vive de maneira emocionante irmãos gêmeos, um esquizofrênico e o outro "normal". Tinha me chamado a atenção que o nome da série e do livro fosse igual ao refrão da canção True, do Spandau Ballet. Seria coincidência? Desta vez, assisti à série com atenção de quem testemunha, e acabei descobrindo também que a canção parece falar de alguém que está fora da realidade, como Thomas, o gêmeo esquizofrênico.
Estamos vivendo uma época tão extrema em tantos aspectos que a saúde mental de qualquer um pode se deteriorar. Tanto pode acontecer de alguém externar sua violência contra o outro, conhecido ou não, quanto uma pessoa pode ser dominada por paranoias. O que provoca tudo isso? Excesso de informação (mas pouco conhecimento), má alimentação, uso de remédios, hormônios descontrolados? A solidão das cidades, o ultracapitalismo que provoca frustração perene, a polarização política? O sonho do amor romântico destruído? Qual o gatilho? Pode ser simplesmente uma forte luz solar sobre os olhos - nestes tempos de aquecimento global, o que mais teria feito Meursault? Só sei que temos vivido mal, muito mal. 
Tantos queridos têm queixas de problemas financeiros e/ou de saúde, sua ou de outrem, muitas vezes saúde mental, especialmente depressão. Mas também de doenças sem diagnóstico, e também paranoia e esquizofrenia. Às vezes, acho que acabaremos todos enlouquecidos, porque estes tempos não são fáceis pra ninguém. 
E tanto pior fica o quadro com a falta de compaixão com quem precisa de ajuda real. Ninguém é obrigado a ajudar ninguém, sobretudo se não é da sua família (nuclear, de preferência, como frisaram para mim outro dia). Mas é nisso que reside a compaixão, em não precisar ajudar e mesmo assim fazê-lo (que melhor exemplo que o do padre Júlio Lancellotti na cracolândia de São Paulo?). Talvez seja até mais fácil ajudar para quem não tem obrigações morais familiares - vemos o peso que sente Dominick, o gêmeo normal, em ter a vida inteira o samba atravessado por Thomas. Apesar dos pesares, Dominick consegue ter uma vida, casou-se, separou-se, fez faculdade. Talvez se fossem mulheres gêmeas, a coisa fosse um pouco diferente - sim, não consigo deixar de pensar na (maldita) herança cuidadora que se abate sobre as mulheres, mas isso é só mais um comentário no meio desse mar de incompreensões, do outro e de si. 
Como somos frágeis! Essa é a única verdade a que consigo chegar. 

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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