Mostrando postagens com marcador autoestima. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador autoestima. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Lovecraft Country e a individuação

É só a gente pensar em uma busca mais profunda de si que começam a rolar as sincronicidades, entontecedoras sempre. 
Tinha, a propósito, já pensado na história do receber elogios pelo que sou, e não pelo que faço, o que me ajuda a pensar melhor em, afinal de contas, quem sou eu. 
No entorno, além disso, há todas as discussões sobre direitos humanos - de negros, mulheres, população LGBTQ, pessoas mais vulneráveis socioeconomicamente -, que têm sido desmontados no atual governo. Quem sou eu, se não luto contra a iniquidade?
E então, no lugar das borboletas que cruzavam meu caminho o tempo todo há 7 anos, aparece Hyppolita, em um episódio de Lovecraft Country, a série mais louca e mais coerente da TV nos últimos tempos, produzida por Jordan Peele e J. J. Abrams. O nome do episódio? "I am". 
Hyppolita é parte da família negra que protagoniza a série, vivenciando abusos tão absurdos que pareceriam ficção se não os soubéssemos tão reais. No episódio em questão, ela parte em busca de informações sobre um misterioso artefato que aparece em sua livraria, que pode estar associado à morte de seu marido, George. Ela acaba indo para outras dimensões temporais, que mudam cada vez que ela responde à pergunta feita pela alienígena com fabuloso black power (que, aliás, se apresenta como "I am"): "Diga seu nome". Ela grita cada vez mais alto: "Sou Hyppolita!", e acrescenta algo sobre si quando responde onde quer estar, o que quer ser: dançando com Josephine Baker, ser uma guerreira que vinga o Massacre de Tulsa (evento real de extermínio da população negra de Tulsa, Oklahoma, por moradores brancos, em 1921), ser uma astronauta (algo que ela quase foi, não fosse o fato de ser uma mulher negra). E a mulher de George. 
Ela se reencontra com o marido, que sabemos não mais existir, em outra dimensão. E ela lava a roupa suja. Fala de sua imensa raiva, contida por tantos anos, por ter se permitido encolher para caber no projeto alheio de família e casamento. Apesar de haver um apaziguamento após essa conversa com o George de outra dobra de tempo, ela enfim percebe quem ela é. Uma descobridora. Completa seu processo de individuação. 
Descobridores de nós! É isso que o self pede que sejamos!

A arte de receber elogios

Não sou boa em receber elogios. Ou melhor, não sou boa em receber elogios que digam respeito a qualidades pessoais. Aqueles acerca do que fazemos, claro, sempre esperamos e, quando não vêm, achamos uma injustiça, e isso nos afeta em maior ou menor grau em cada situação e humor. 
Pra falar a verdade, só percebi essa diferença entre os elogios dirigidos a nós e os dirigidos ao que fazemos outro dia, quando fui comentar com minha sogra um elogio inesperado que recebi - por conta do meu trabalho, mas dirigido à minha pessoa. 
"Parabéns, você é incrível". Fiquei procurando quem havia mandado, achei que algum aluno tinha comentado a esmo, sem saber quem eu era, na plataforma dos cursos. Mas tinha sido meu chefe mesmo. E não é que meu chefe não reconheça meu trabalho, mas o elogio veio tão inesperadamente, e num momento tão interessante, de profundas indagações e buscas pessoais, que pareceu incrementar a questão: Quem sou eu? E não apenas "o que faço eu?". 
Porque, culturalmente, parece que somos só o que fazemos, em termos profissionais, via de regra. Dificilmente alguém quer saber, quando nos conhece, mesmo na esfera social, se gostamos de caminhar na praia, de ler, bordar - isso fica para um segundo ou terceiro momento. Todo mundo quer saber o que fazemos para viver, para nos sustentar, para pagar as contas - essa é nossa imagem social no mundo capitalista. Lembro-me da viagem ao Reino Unido, quando o pai da pequena Laura, que sentou conosco no trem, achou o máximo que eu fosse historiadora, e logo Laura quis saber qual meu período favorito da história - ela, aos 9 anos, amava os Tudor. Ali tive uma surpresa - nunca pensei que alguém valorizasse essa profissão. Foi preciso estar fora do Brasil para ouvir isso - porque aqui, como me disse o coordenador do cursinho onde depois eu trabalharia por anos, profissões de verdade são apenas "médico, advogado, engenheiro, arquiteto". Ou seja, eu estava fadada a não ter muita importância, até porque historiadores no Brasil tornam-se professores, uma profissão ainda mais achincalhada. Bom, mas isso é outra história, embora também tenha relação com "ser". 
Voltando à questão dos elogios a quem somos: talvez a minha surpresa venha de eu não ter toda a dimensão de quem sou. Lembro-me de mais de uma ocasião ter ouvido de amigos agradecimentos por alguma postura minha - só que foi algo tão natural que nem sabia que tinha tido essa dimensão, como, por exemplo, receber alguém que chegava a um novo lugar. 
Já postei aqui, anos atrás, um vídeo lindo sobre ser validado por elogios que recebemos, até que aprendemos a validar a nós mesmos, a gostar do que vemos em nós mesmos. No fundo, é isso que devemos aprender a fazer, o tempo todo. 

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Romi ófici

Como já disse, o romi ófici aqui é das antigas. Na verdade, muito das antigas, de quando comecei a trabalhar na equipe de redação do cursinho. Fiquei mal acostumada, ou melhor, encontrei meu jeito de trabalhar ali. E lá se vão 26 anos. 
Claro que, com a pandemia, meu romi ófici foi invadido por outras atribuições/atribulações domésticas além das que eu já tinha, como cozinhar, lavar e guardar louça e roupa, arrumar cama, fazer listas infinitas de supermercado e outras compras para casa (a recém-descoberta carga mental feminina). Somou-se a essa lista considerável lavar banheiro, limpar móveis, limpar e encerar chão, atividades que me renderam a crise no piriforme. Isso tudo me tem feito repensar a continuidade dessa forma de trabalho, que me foi tão conveniente por todos esses anos.
Antes, porém, de decidir se abandono essa modalidade de trabalho em prol de voltar a ter contato com mais pessoas, talvez atuando mais diretamente com educação, quando a famigerada pandemia permitir, faço algumas considerações sobre o que tenho percebido de mudanças no meu romi ófici pandêmico. 
Enquanto boa parte da galera que estreou no romi ófici com o início da pandemia adotou o modo comfy de estar em casa, sobretudo os mais privilegiados, resolvi me vestir como se estivesse fora de casa. Porque, afinal de contas, nem sei quando volto a sair para qualquer lugar, e já nem saía muito. E tenho usado roupas novas para ficar por aqui mesmo. Aliás, tem dia que até uso um pouco de maquiagem, como se fosse sair pra trabalhar - aprendi isso de um autor parceiro de trabalho, que me contou que sua esposa, doutoranda em história, se arrumava completamente para fazer sua pesquisa no escritório de casa - e trancava a porta, só saindo dali para almoçar (eles compravam refeições congeladas caseiras, outra coisa que andei aventando) e ao final do "expediente". Achei o máximo, mas só agora emprego parte desse ensinamento. 
Enquanto muita gente tem tentado aproveitar ao máximo esse tempo em casa fazendo várias coisas ao mesmo tempo - ou pelo menos no início foi assim, agora todo mundo deve estar exaurido -, eu logo vi que não dava pra fazer mais ainda do que já fazia. Porque romi ófici não é pra principiantes não. Trabalhar em casa é trabalho duplo, e no caso das mulheres, triplo, quando não quádruplo. Então aos poucos fui fazendo uma coisa de cada vez, como no fundo é melhor que seja - só assim para estar presente, mesmo no meio de uma pandemia. 

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Après le bal: a vida após os 40

Li hoje um texto do Carpinejar sobre a chegada aos 40, o quão libertadora ela é, quais são os sinais de que alguém chegou lá e que tais. Achei bem bonito, como tudo o que ele escreve. Me reconheço, e também a muitos amigos, na história de preferir receber pessoas em casa a sair para a balada, a se especializar em cerveja artesanal ou pães, a preferir a própria companhia, entre outras coisas bacanas que o texto elenca.
Lembro-me de ter falado aqui sobre a próxima chegada dos 40. Eu me sentia muito vivaz, forte, pronta pra tudo. Depois dos 40 - e agora já estou bem perto dos 50 -, muita coisa mudou. Ficou mais fácil engordar, comecei a ter que me preocupar e a gastar mais com saúde, resolvi compartilhar a vida com outra pessoa (há quase 10 anos), um dia descobri rugas no pescoço, por questões econômicas não saí simplesmente de um trabalho que já não me satisfazia. Em tese, tudo ficou menos "leve".
Por outro lado, tudo aquilo que o Carpinejar descreve de bom tem a ver, lá no fundo, com o foda-se. Eu já não me importava muito com o que os outros achavam, agora me importo zero por cento - a idade refina essa capacidade. Por isso, prefiro um grupo menor de amigos (ajudada pelo fato de que aqui são poucos mesmo), prefiro fazer minha própria comida, ser ecológica apesar da inutilidade das ações no nível micro e muito mais por ética, escolho roupas e utensílios pela qualidade e longevidade. Apesar do peso das novas responsabilidades, sinto que as escolhas são completamente minhas, que sou capaz de tantas coisas hoje, que cheguei tão longe, com ajuda de muitas pessoas e pela minha recusa em ficar parada. Aprendi a bordar, pedalo sozinha na estrada, sou hoje uma versão mais segura e muito melhor de mim mesma, realmente adoro minha companhia.
Parece que vou envelhecer bem.

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Comida que alegra o coração

Na semana passada, não estava a fim de nada. Só queria dormir. Trabalhar, cozinhar, me exercitar, nada. Mas não teve jeito, tinha trabalho a fechar, tinha marido para alimentar, casa pra cuidar - deixei só a mim mesma de lado, como costuma acontecer comigo e com milhões de mulheres. O ânimo, a alma, estava um caco. A chuva forte, que derrubou outro pedaço do muro e isolou o litoral norte de Salvador, só aumentou o caos, interno e externo - não conseguimos nem ir ao show de Djavan, cujos ingressos comprei há mais de um mês. Fiquei meio catatônica, sem saber se era infelicidade ou não, depressão leve ou não.
No início desta semana, retomei tudo, pelo menos de fora pra dentro. Não me jogando de vez, mas já fazendo alguma coisa. O sono persiste, e quando possível durmo um pouco. Trabalho. Resolvo pendências de casa. Vou ao mercado algumas vezes. E cozinho.
Resolvi cozinhar coisas de que gosto e que não vão explodir meu colesterol, apesar da manteiga, se feitas para compartilhar. Porque concluí que amo manteiga, caramelo, queijo, e esses ingredientes me fazem feliz. Daí fiz quiche, croque monsieur, maçã com crumble de aveia e caramelo ao leite. E fiquei feliz. Mesmo sem resolver questões internas, saber que sou eu quem pode conferir sabor à minha vida já é um passo gigantesco.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Espelhos, padrões e outras coisas pontiagudas

Estou terminando de ler a tetralogia napolitana de Elena Ferrante, pseudônimo de uma escritora contemporânea de língua italiana. Há quem diga que se trata de um autor, mas acho pouco provável, já que as navalhadas na carne ao longo dos quatro volumes (A amiga genial, História do novo sobrenome, História de quem vai e de quem fica, História da menina perdida) soam a uma memória feminina, mais crua que violenta, como os escritos de Clarice Lispector, Patricia Highsmith e Carson McCullers, em que pesem os diferentes estilos. Mas isso é assunto para outro post, a crueza feminina mais terra a terra, a crueldade masculina mais associada à cultura, segundo minha certamente modesta opinião.
Bom, o fato é que me vi nas histórias contadas por Lenu, protagonista e xará de Ferrante. Dentre outras questões, pela da autoimagem que constrói ao longo da vida, a relação com o próprio corpo e com o corpo do outro etc. Serei a única? Claro que não - Ferrante é o fenômeno que é pela capacidade de empatia que seu texto traz de forma tão fluida.
Eu mesma, por muito tempo, não gostei do que vi no espelho. Ou melhor, evitava me olhar nele porque só enxergava uma imagem indefinida, um borrão do que eu era. Talvez fosse a miopia, mas certamente era também uma recusa de si. Por outro lado, nunca quis me parecer com outra pessoa, ter outra aparência, outro corpo. A presença paterna também tornou complicado me reconhecer como mulher: era quase um sinônimo de vulgaridade; cuidar-se era sinônimo de idiotia e superficialidade. Também o apreço pelas artes, a leveza, a alegria, tudo isso foi sendo posto sob vigilância. Só queria me transportar por aí em um invólucro neutro, ser simplesmente aceita.
Porém, o mundo rejeita a neutralidade com seus padrões. Não se pode ser neutro, mas também não é desejável o ser diferente. A respeito da aparência, lembro-me de uma colega de trabalho ter dito que eu vestia bem todas as roupas por ser a pessoa com o corpo mais "regular", "proporcional", que ela conhecia. Na mesma época, visitando um brechó de um conhecido, experimentei uma blusa que não me caiu bem, mas serviu a outra colega, e tive de ouvir do dono do brechó, com a voz mais afetada possível: "É que você é fora do padrão, né?". Fiquei sem palavras. O que significava esse padrão? Cintura fina, bunda grande? Não há povo mais diverso que o brasileiro, e esse padrão a que ele se referia é uma falácia. Mas a fala fere, atravessa o invólucro, e tanta gente sofre por tentar se adequar ao suposto padrão e não conseguir.
Minha "cápsula protetora" contra as estocadas alheias acabou sendo o conhecimento; na verdade, um outro tipo de padrão que permite caminhar em freguesias diversas, ainda que não em todas. Afinal, dentro desse padrão, mesmo que mais amplo que o da aparência, ainda é preciso lidar com as questões "de classe".
A personagem de Elena Ferrante também acaba por descobrir que nada nos protege mais que a autoaceitação. Saber o que é importante de fato para si, auscultar-se. Talvez para a maioria das pessoas isso só venha com o tempo, com a tal maturidade, quando nos importamos cada vez menos com a opinião dos outros e conseguimos ouvir com mais clareza a voz interior. Uma pena que esse encontro tão importante e apaziguador possa demorar tanto a acontecer; por outro lado, as marcas que trazemos a essas alturas são o que nos distingue uns dos outros, torna-nos únicos e inutiliza (ou deveria) toda forma de comparação inútil.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Cabelo ou "O chamado" (filme)

Gosto da minha cabeleira. Houve só duas vezes que tentei enrolar os cabelos para ir a uma festa, e ficou estranhíssimo. Claro que nunca tive problemas de bullying com meus cabelos, e acho triste quando alguém quer alisar os seus só para atender a um padrão estabelecido por outrem - quando o desejo de mudança é inteiramente pessoal, não vejo problema algum: cada um que seja o que quiser ser.
Depois que vim para a Bahia, meus cabelos mudaram. Dificilmente eu sofria com o frizz em São Paulo - aqui, forma-se uma espécie de névoa capilar em torno da cabeça. Pela primeira vez, tive que comprar leave-in; uso também um hidratante spray Bepantol. Da última vez que cortei os cabelos (pedi algo diferente ao meu hair stylist de quase 20 anos), eles cachearam - e não esqueço o choque do marido ao me buscar no aeroporto: "O que você fez com seu cabelo?". Ele chegou a suspeitar que meu cabelo na verdade sempre foi enrolado, mas que eu fazia escova/chapinha/alisamento em São Paulo e, claro, escondia isso dele (!!!!).
Agora os cabelos estão crescendo de novo - desordenados, alguns fios eletrizados e esbranquiçados, alguns finos e outros grossos. Mas de um jeito que identifico como meus, ainda bastos e fortes. Aí só me resta fazer uma selfie à la Tropix de Céu e cantar com Gal:

"Cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada
Cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada
Quem disse que cabelo não sente
Quem disse que cabelo não gosta de pente
Cabelo quando cresce é tempo
Cabelo embaraçado é vento
Cabelo vem lá de dentro
Cabelo é como pensamento
Quem pensa que cabelo é mato
Quem pensa que cabelo é pasto
Cabelo com orgulho é crina
Cilindros de espessura fina
Cabelo quer ficar pra cima
Laquê, fixador, gomalina
Cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada
Cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada
Quem quer a força de Sansão
Quem quer a juba de leão
Cabelo pode ser cortado
Cabelo pode ser comprido
Cabelo pode ser trançado
Cabelo pode ser tingido
Aparado ou escovado
Descolorido, descabelado
Cabelo pode ser bonito
Cruzado, seco ou molhado"

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Moi et les chapeaux

Eu costumo prestar atenção ao que digo e escrevo, mas nem sempre sei o efeito que as palavras (sempre elas!) têm para quem ouve.
Uma vez, minha querida Simone Adami admirou-se ao me ver usando chapéu e vestido, a caminho de uma reunião. Eu disse algo do tipo: "a gente precisa se bancar". Não disse por dizer, nem para produzir efeito - naquele momento, acreditava mesmo nisso.
Aos poucos, porém, por um período descolorido da vida, acabei abandonando meus chapéus. Não estava me bancando. E para usar chapéu é preciso se bancar e assim ignorar toda forma de provincianismo.
Então um dia voltei a ver as cores da minha vida e acabei me lembrando de como sempre banquei minhas escolhas, meu modo de estar no mundo e de pensar. Como Simone nunca se esqueceu do que eu disse, ela também me ajudou a lembrar.
E, de novo aos poucos, fui reconstruindo quem sou: além do mais, uma mulher que não tem medo de usar chapéus.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O grande encontro

Encontrar-me comigo mesma. Um encontro dessa importância só podia ser num lugar muito especial, no meio das montanhas da serra da Mantiqueira. Graças à indicação de diferentes (e igualmente queridos) amigos, conheci o hotel Ponto de Luz, em Joanópolis.
Imagine chegar a um lugar onde nos esperam com sopa de abóbora à mesa e perguntam se queremos uma bolsa de água quente para aquecer um pouco mais a cama... Dormir ao som da cachoeira e acordar com pássaros cantando (e não terríveis pombas arrulhantes). Receber a cada dia ervas frescas para um banho purificador e também um suco desintoxicante (três vezes ao dia). Sentir cheiros deliciosos estrategicamente espalhados em cada canto, mas também curtir os odores mais campestres ao redor - não só o maravilhoso de mato molhado, mas até o do que as vacas obraram... Receber cuidados de fato, em um ambiente com tantos detalhes preciosos. Ver a névoa concentrada na mata subindo até se desfazer no céu azul. Poder caminhar em meio ao verde, fazer meditação conduzida por terapeutas competentes e delicados. Não é assim uma hospedagem econômica, mas uma viagem para o interior de si mesmo certamente não tem preço.
Cheguei machucada, carregando uma pesada bagagem de medos. Não digo que voltei novinha em folha, mas voltei inteira, íntegra, presente, com um alumbramento de quem sou eu. De que sempre tive coragem, mesmo que mal dirigida. De que meus sonhos eu é que devo seguir, de que aos meus caminhos eu é que devo dar curso. Voltei a respirar, vou aprendendo a usar toda a força dos meus pulmões. Joguei mágoas fora junto com as ervas do banho. Conversei aqui e ali com os dois outros únicos hóspedes, cada um com suas feridas, a gente se ajudando nos eventuais encontros, um sorriso (mesmo ainda não tão alegre, mas cada vez mais animado), um olhar de compreensão, uma história assemelhada. Bom o compartilhar em meio aos encontros e embates consigo.
E o contato com a natureza me faz lembrar como são sábios os outros animais, que dançam ao ritmo dela em vez de lhe fazer oposição, tão diferentemente de nós, que acreditamos controlar tudo, a natureza, a vida, os outros. Ao menos, estou procurando internalizar a ideia de que tudo pode ser bem mais simples, menos sofrido, mais natural, a própria nova vida que quero ter.

Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

Arquivo do blog